Título: A nova fronteira de recursos marinhos
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Fonte: Gazeta Mercantil, 09/09/2004, Opinião, p. A-3

No dia 31 de agosto, uma comitiva integrada por representantes do Ministério das Relações Exteriores, técnicos da Marinha e cientistas brasileiros apresentou na ONU o projeto que estabelece e amplia o limite exterior da Plataforma Continental, área marítima sobre a qual o Brasil deverá exercer direitos de soberania.

Caso o plano seja acolhido - a sua apreciação no âmbito da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos do Mar deverá ocorrer até o dia 17 - a Zona Econômica Exclusiva brasileira (ZEE) terá a sua área ampliada numa extensão correspondente às áreas somadas dos estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul (cerca de 900 mil km²). Uma vez aceita a proposta, a ZEE brasileira passará a corresponder a uma área de 4,451 milhões de km², extensão equivalente a 52% da porção continental do Brasil - ou equivalente à Amazônia brasileira, razão por que se tornou conhecida na Marinha como "Amazônia Azul". A acolhida do pleito brasileiro no âmbito da convenção reveste-se de significado econômico e político.

Percebe-se agora o potencial simbólico de dividendos políticos contido na iniciativa do governo, de constituir a Secretaria Especial da Aquicultura e Pesca, vinculada à Presidência da República, para não falar da urgência de formalizar os direitos de soberania sobre uma área reivindicada pela União Européia como objeto de negociação, para fins de exploração, nas suas negociações com o Mercosul. Por motivos óbvios, a proposta foi considerada como definitivamente fora da pauta pelo governo brasileiro.

O termo "Zona Econômica Exclusiva" foi criado na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos do Mar, em 1982, ratificada pelo Brasil em 1988. A ZEE corresponde a uma faixa de 200 milhas de largura ao longo do litoral. A convenção determina que o Estado costeiro que tiver a intenção de fixar o limite exterior da plataforma além das 200 milhas apresente à Comissão de Limites da Plataforma Continental da ONU, no prazo de dez anos, as características de tal limite. É o que faz o Brasil agora, depois de a Marinha ter coordenado, desde junho de 1987, a comissão de técnicos para a demarcação da plataforma continental.

Os acréscimos territoriais, agora propostos, referem-se à ocupação em caráter permanente do arquipélago Trindade e Martim Vaz, distante cerca de 540 milhas do porto de Vitória-ES, e da ocupação contínua do Arquipélago de São Pedro e São Paulo, afastado 500 milhas do litoral nordeste do Rio Grande do Norte. Somados esses dois acréscimos à parcela da plataforma delimitada pela Marinha, a faixa da ZEE ultrapassa as 200 milhas para atingir quase 350 milhas, perfazendo uma área correspondente a mais da metade do território continental.

Ao se conformar aos termos da convenção, o Brasil passa a ter reconhecidos os direitos de soberania sobre a extensão proposta, ou seja, autonomia para explorar os recursos marinhos, incluídos os minerais e o petróleo. A Zona Econômica Exclusiva é território pertencente ao Brasil.

Trata-se de um gigantesco patrimônio, cuja face imediatamente visível apresenta-se na forma do maior potencial para a pesca no mundo, mas está longe de se limitar à provisão de alimentos. Atualmente, a avaliação dos recursos do mar dá-se especialmente na perspectiva da biodiversidade, como patrimônio genético, que vem juntar-se à rica biodiversidade dos ecossistemas terrestres do País.

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu mostras de que pretende imprimir um sentido prático e imediato à iniciativa, proporcionando em primeiro lugar ao setor pesqueiro oportunidade para diversificação da frota e melhor aproveitamento do parque industrial instalado, além da recuperação dos estoques tradicionais, hoje intensamente explorados. Em junho deste ano, lançou o Programa de Modernização da Frota Pesqueira, que prevê investimentos de R$ 1,5 bilhão na construção de barcos para a melhoria da pesca oceânica e redução da pressão de captura de espécies sobrexplotadas. A meta do governo é apoiar a construção de pelo menos 100 barcos e a aquisição de outros 30, elevando fortemente a competitividade do setor pesqueiro nacional e permitindo ao País cumprir as cotas internacionais de pesca a que tem direito. Pelo menos 240 barcos devem ser convertidos para a pesca oceânica de espécies pouco exploradas. Como resultado desse esforço, o governo espera que a produção de pescado do país se eleve das atuais 900 mil toneladas para 1,5 milhão de toneladas em pelo menos três anos.

Com a ocupação efetiva da ZEE, vai abrir-se uma nova fronteira para a exploração dos recursos nacionais.

kicker: Se aprovada por comissão da ONU, a Zona Econômica Exclusiva brasileira deverá estender-se a 350 milhas