Título: Usineiros negam dívida de R$ 50 bi
Autor: Daniel Pereira e Riomar Trindade
Fonte: Gazeta Mercantil, 09/09/2004, Legislação, p. A-8

Setor acusa o governo de fazer terrorismo para intimidar juízes e diz que passivo é de R$ 10 bi. Aliados na luta contra os subsídios europeus na Organização Mundial do Comércio (OMC), o governo brasileiro e os produtores de açúcar do País travam no Judiciário um duelo bilionário. De acordo com a Advocacia-Geral da União (AGU), a disputa envolveria cerca de R$ 50 bilhões. O valor é contestado pelo setor sucroalcooleiro, que acusa o governo de fazer terrorismo financeiro para intimidar os magistrados e estima em R$ 10 bilhões o tamanho do esqueleto.

A queda-de-braço se arrasta há mais de 15 anos. Os produtores de açúcar e de álcool ajuizaram cerca de 200 ações, segundo a AGU, pedindo indenizações à União como forma de compensar supostos prejuízos registrados entre as décadas de 80 e 90 devido à fixação de preços dos dois produtos, pelo Executivo, abaixo dos custos de produção. No período, o extinto Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA) recebia da Fundação Getúlio Vargas (FGV) um levantamento sobre o custo médio de produção das mercadorias.Repassava os dados para os ministérios de Indústria e Comércio e da Fazenda. Segundo as usinas, os preços fixados pela Fazenda eram menor do que os sugeridos pela FGV com base em critérios fixados pelo próprio IAA. É justamente a diferença entre os dois valores que é pleiteada na Justiça, a fim de garantir ressarcimento pela suposta perda de patrimônio do setor. Nos processos, a AGU diz que os levantamentos da FGV não estavam previstos em lei nem tinham de ser seguidos pelo governo.

Além disso, afirma que há "dano hipotético", porque as usinas não conseguiriam comprovar o prejuízo. "O governo não adotou para a fixação dos preços o critério que ele mesmo entendeu que seria correto, justo e necessário para que fossem remuneratórios", afirma a advogada Anna Paola de Lorenzo, referindo-se às normas ditadas pelo IAA à FGV. Ela é do escritório Dias de Souza Advogados Associados, que ajuizou 113 ações indenizatórias em nome de usinas localizadas nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul.

Anna Paola acrescenta que as ações só foram apresentadas à Justiça porque o governo não cumpriu o "Acordo de Pontos Básicos para a Condução da Política de Preços no Setor Sucroalcooleiro", assinado em outubro de 1989, que reconheceria o reajuste dos preços com base na variação dos custos de produção identificada pelo IAA e a FGV. A atitude do governo decorreria do receio do impacto das correções na inflação, na época galopante. "Defender que só há direito a indenização caso fique comprovado prejuízo contábil é punir as empresas eficientes", diz a advogada.

De acordo com Anna Paola, as usinas têm direito ao ressarcimento porque lucraram menos do que o previsto e, assim, tiveram perda patrimonial. Além de rechaçar o valor de R$ 50 bilhões mencionado pela AGU e defender uma estimativa de R$ 10 bilhões, ela lembra que o governo terá o direito de pagar a dívida, se perder em definitivo os processos, em dez prestações, como determina a Emenda Constitucional 30/00. Além disso, é possível que não haja desembolsos pelo Tesouro Nacional, mas apenas um acerto de contas entre as partes.

"Fica clara a intenção terrorista da sugestão de que o pagamento total das indenizações reclamadas seria eminente e geraria sério risco ao orçamento e ao equilíbrio das contas públicas", diz Anna Paola. Até o momento, as usinas levam larga vantagem na disputa, que está em curso no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no Tribunal Regional Federal (TRF) da Primeira Região, em Brasília. O maior pedido de indenização é da Copersucar, estimado em R$ 4 bilhões pela AGU.

kicker: Produtores de açúcar e de álcool ajuizaram cerca de 200 ações contra a União