Título: A reforma política é só eleitoral
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Fonte: Correio Braziliense, 17/04/2011, Opinião, p. 22

Estima-se que mais de 300 projetos sobre reforma política circularam no Congresso nos últimos 20 anos. Não avançaram, todavia, além das intenções, à falta de apoio mínimo para levá-los à deliberação em plenário. Conta-se como exceção a tentativa de impor o voto exclusivo em lista partidária nas eleições proporcionais, condenada ao arquivo por decisão recente da Câmara. O tema é retomado agora no contexto de proposta confeccionada por comissão especial do Senado.

O relatório do órgão coletivo aponta 16 tópicos que podem abrigar-se em uma só proposição ou serem votados de forma isolada, segundo o senador Francisco Dornelles (PP-RJ), presidente da comissão. Mas a iniciativa tem cunho apenas eleitoral. Reforma política seria se tratasse de mudanças institucionais capazes de prodigalizar maior legitimação ao poder e fecundar a ética como atributo do Estado.

Ordena ao eleitor votar em lista fechada, construída pelos partidos, nos pleitos para deputados federais, distritais, estaduais e vereadores. Confunde-se aí democracia representativa com tutela restritiva. Impedir o eleitor de escolher aquele que deverá representá-lo em colegiados legislativos é violar os direitos civis e políticos a todos garantidos pela Constituição. Vai mais além. É estabelecer a ditadura das direções partidárias.

Outro ponto inadmissível é consentir que suplentes não sufragados nas urnas assumam cadeiras no Senado, mesmo apenas até a primeira eleição que se seguir ao impedimento do titular, como ficou consignado no relatório. A solução indulgente frustra a aspiração democrática em favor da submissão a voto de candidatos à suplência senatorial. Também vai na contramão da conveniência política renegar a introdução da cláusula de barreira, iniciativa imperiosa para arredar partidos que funcionam apenas como balcão de negócios.

Salva-se do quadro nada estimulante o interesse da comissão de instituir o financiamento público exclusivo das campanhas eleitorais. Está aí antídoto eficaz para conter as fraudes à consciência eleitoral pelo abuso do poder econômico. Quando abastecidos de recursos por grupos com interesses inconfessáveis, os eleitos se obrigam a dar-lhes cobertura nas atividades legislativas. Quando se excedem em gastos próprios, traem os eleitores.

No mais, o relatório propõe o fim da reeleição para o Executivo compensado com mandato de cinco anos, novas datas para investidura de eleitos, veto às coligações em eleições proporcionais e outras perfumarias. Nenhuma palavra sobre a multipleiteada extinção do foro por prerrogativa de função (foro privilegiado), que atribui ao STF competência exclusiva para julgar, nos crimes comuns, parlamentares e outras autoridades. Trata-se de regalia incompatível com o princípio constitucional de que todos são iguais perante a lei e de caminho aberto à impunidade. A verdadeira reforma política segue nas vertentes da alienação e do desprezo à soberania popular.