Título: Em guerra pelo voto
Autor: Queiroz, Silvio
Fonte: Correio Braziliense, 17/04/2011, Mundo, p. 24

FRANÇA

Paris ¿ A um ano de lutar nas urnas por mais cinco anos de mandato ¿ uma disputa que se anuncia difícil, até perigosa ¿, Nicolas Sarkozy invoca a fama de não temer riscos nem desprezar oportunidades. No curto intervalo de três semanas, entre meados de março e o início de abril, o presidente da França envolveu o país em duas guerras: primeiro, na intervenção militar contra o ditador da Líbia, Muamar Kadafi; depois, na ofensiva final para remover do posto o governante da Costa do Marfim, Laurent Gbagbo, cuja reeleição autoproclamada foi declarada nula pela comunidade internacional. Em ambos os casos, a diplomacia francesa agiu com aval das Nações Unidas e o Palácio do Eliseu fez questão de se apresentar na linha de frente, desde a costura das alianças até o desfecho das operações bélicas.

¿A intervenção na Líbia não é publicidade para a França, mas estivemos à frente da mobilização, denunciamos os crimes de Kadafi, mobilizamos a comunidade internacional¿, disse o porta-voz do Ministério dos Assuntos Exteriores, Bernard Valero, em entrevista a um grupo de jornalistas brasileiros, em seu gabinete no palácio de Quai D¿Orsay. A declaração assume tons de resposta aos comentários da própria imprensa francesa, em especial a mais alinhada à oposição de esquerda, sobre a coincidência entre o arrojo do presidente e a posição desconfortável que ele ocupa nas pesquisas de opinião, na largada da campanha para a eleição presidencial de maio de 2012. Com a popularidade em queda, Sarkozy aparece bem atrás dos possíveis candidatos do Partido Socialista. Pior: em vários cenários, perderia a vaga no segundo turno para Marine Le Pen, candidata-sensação da ultradireitista Frente Nacional.

Nas entrelinhas de suas declarações, o porta-voz do ministro Alain Juppé deixa entrever que a estratégia do Eliseu é, de fato, reverter a tendência adversa. ¿Pode parecer arrogância ficar dizendo que fomos os primeiros a agir¿, disse Valero, para em seguida investir contra os críticos da ofensiva militar. ¿A diplomacia não é um concurso de beleza. Quando há uma urgência humanitária, uma tal violação dos direitos humanos, uma tal barbaridade, alguém tem que agir.¿ O funcionário enfatizou os ¿princípios e parâmetros¿ das operações na Líbia e na Costa do Marfim: legalidade internacional, sustentada no aval do Conselho de Segurança da ONU; não ingerência em assuntos internos, expressa na decisão de não envolver tropas nos conflitos; e solidariedade aos ¿manifestantes desarmados que estavam sofrendo um massacre¿.

Alfinetadas Valero aproveitou para fustigar aliados como a Alemanha, que se opõe à solução bélica contra Kadafi, e insistiu em que a França ¿correu riscos e assumiu responsabilidades¿, como potência de patamar mundial. ¿Não podíamos mais ficar indiferentes. Qual era a alternativa? Deixar Kadafi continuar bombardeando os civis?¿, desafiou. ¿É fácil ficar de longe apenas assistindo...¿

Com a economia francesa e europeia enredadas nas consequências da crise financeira de 2008/2009, sob a pressão de uma taxa de desemprego elevada e sem sinais de recuperação, é em outra frente externa que o presidente aposta suas fichas para virar o jogo na disputa doméstica. Com ajuda presidencial do amigo Luiz Inácio Lula da Silva, que cedeu a vez do Brasil na Presidência rotativa do G-20 ¿ que a França acumula com o comando do G-8, neste semestre ¿, Sarkozy desenhou uma agenda ambiciosa para a economia global, com o foco principal na disparada dos preços dos alimentos. ¿A Presidência do G-20 não corresponde a grandes poderes efetivos, mas permite a ele ser mais do que apenas um chefe de Estado em meio a tantos, no palco internacional¿, observa o doutor em economia mundial Patrick Messerlin, da Escola de Ciências Políticas de Paris, a prestigiada Sciences Po.

Em particular, o protagonismo no G-20 e no G-8 cai como uma luva para que o presidente se contraponha à projeção do adversário socialista que desponta, por agora, como o favorito para vencer o primeiro turno: Dominique Strauss-Kahn, atual diretor-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI). Por ironia, DSK, como é chamado na França, foi indicado pelo próprio Sarkozy, em 2007, como sinal de uma ¿abertura¿ à oposição. Para disputar as primárias do PS, em novembro, terá de se desligar do cargo até outubro, um mês antes de Sarkozy presidir o encontro dos 20 como anfitrião.

Mas, antes mesmo de conhecer o adversário à esquerda, Sarkozy enfrenta desde logo uma situação complicada dentro da própria maioria de centro-direita com a qual governa desde 2007. Ainda na última semana, seu partido, a União por um Movimento Popular (UMP), sofreu uma baixa significativa, com a saída do ex-ministro do Meio Ambiente Jean-Louis Borloo, que ensaia uma candidatura presidencial à frente de um novo movimento centrista. Nesse mesmo campo político, outros dois políticos disputam votos que há quatro anos ajudaram a eleger o atual presidente: o ex-premiê Dominique de Villepin e François Bayrou, terceiro colocado em 2007.

¿Ainda falta um ano, e em política tudo pode acontecer. De toda maneira, o futuro parece sombrio para Sarkozy¿, analisa o historiador Michel Winock, em entrevista ao Correio (leia abaixo).

Para quebrar o tabu Depois de três derrotas seguidas, o Partido Socialista (PS) fará uma campanha longa: em julho, terminam as inscrições para as primárias de outubro/novembro; em seguida, um congresso formaliza a candidatura do vencedor e a aprovação do programa de governo, lançado no início deste mês pela primeira-secretária, Martine Aubry. Com poucas chances de ser a escolhida, pode tornar-se primeira-ministra caso vença aquele que hoje é o favorito, no PS e nas urnas: Dominique Strauss-Kahn, diretor-geral do FMI. Seu principal oponente nas primárias é François Hollande, antecessor de Aubry no comando do partido.