Título: Documentos do SNI devem ser liberados ao público pela Abin
Autor: Luiz Queiroz
Fonte: Gazeta Mercantil, 10/09/2004, Nacional, p. A-4

Em 1975, agentes do extinto Serviço Nacional de Informações (SNI) realizaram a "Operação Ilha Grande". Foram investigar o que teria levado os detentos daquele presídio situado no litoral do Rio ¿ boa parte presos políticos ¿ a realizarem uma rebelião. Num boletim datado de 23 de maio daquele ano, concluíram que os presos fizeram o movimento para obter as mesmas regalias que foram concedidas pelo governo aos detentos de um presídio de São Paulo. Os detalhes deste episódio e de outros documentos elaborados pelo SNI deverão ser liberados em breve ao público pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin).

Um total de 2,5 milhões de informações levantadas pelo SNI entre 1964 e 1990 ainda encontram-se arquivados sob sigilo. O diretor-geral do órgão, Mauro Marcelo de Lima e Silva, quer liberar todos aqueles que tenham a classificação de "secretos", mas que não comprometam a estabilidade política ou econômica do país. Mas dificilmente os dados ainda em poder da agência terão conteúdo desestabilizador.

Lima e Silva admite que boa parte do acervo considerada sensível, ou "ultra secreta", foi transferida para os órgãos de inteligência militares em 1990, durante o processo de extinção do SNI pelo governo Collor, ou foi destruída.

Ontem, a direção do órgão permitiu que a imprensa pudesse ver, pela primeira vez, algumas dessas pastas que continham informações e fotos das atividades de grupos que lutaram contra o regime militar (MR8, VPR, ALN, Var-Palmares). Os detalhes destes documentos não podem ser divulgados por se encontrarem ainda sob sigilo.

A decisão de liberar tais informações faz parte da estratégia da nova direção da Abin de desmistificar a imagem negativa que ainda paira sobre a agência de inteligência por conta do passado do SNI. Foi dentro dessa postura, inclusive, que o diretor-geral tomou a decisão inédita de receber ontem para uma visita um grupo de jornalistas.

Lima e Silva fez uma explanação das atividades da Abin e das dificuldades detectadas por ele no órgão nos últimos meses, depois que assumiu a direção. Para o diretor-geral, o órgão precisa modificar a atual legislação de forma a poder requerer em juízo licença para realizar escuta telefônica e ambiental, além de correspondências eletrônicas. Um grupo de estudos prepara um documento neste sentido.

Durante entrevista, Lima e Silva chegou a levantar a hipótese das empresas de telefonia fazerem grampo. Mas depois se corrigiu e explicou que as empresas têm capacidade técnica para isso, mas não há evidências de que estejam cometendo o crime.

Também reclamou, por exemplo, que não conta com a compreensão do Ministério das Relações Exteriores quanto à presença de agentes no exterior. Os funcionários da Abin não podem atuar como adidos nas embaixadas, o que faz com que o órgão tenha de montar estruturas próprias em outro países. "O Itamaraty não gosta de conceder aos agentes o status de diplomatas."

Lima e Silva disse que a Abin pretende ampliar sua presença nos países do Cone Sul, principalmente na tríplice fronteira (Argentina, Paraguai e Brasil) onde o serviço secreto norte-americano teme a presença de terroristas.

Também admitiu estar subordinado ao Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, que é comandada pelo general Jorge Armando Félix. Neste caso, não tem como evitar a ingerência militar nos trabalhos da Abin, apesar de o órgão ser de assessoramento direto do presidente da República.

kicker: Parte do acervo considerada "ultra secreta", foi transferida para os órgãos militares