Título: A nova estratégia para liberar a soja
Autor: Daniel Pereira, Edna Simão e Sérgio Prado
Fonte: Gazeta Mercantil, 10/09/2004, Política, p. A-7

Idéia dos produtores é usar MP, que tramita na Câmara, para incluir a permissão do plantio. A bancada ruralista resolveu sair a campo para garantir o plantio e a comercialização de soja transgênica na próxima safra, que começa a ser cultivada em outubro. A preocupação se acentua ainda mais num cenário em que a previsão de colheita chega 64 milhões de toneladas da oleaginosa, em 2005. Diante da dificuldade de aprovação, em setembro, da Lei de Biossegurança, representantes do agronegócio no Legislativo estão trabalhando para incluir em uma medida provisória que está para ser votada na Câmara dos Deputados dispositivo que prorroga a liberação para cultivo de grãos geneticamente modificados.

A operação de bastidor é confirmada pelo deputado federal Luis Carlos Heinze (PP-RS), um dos principais interlocutores da bancada ruralista no Congresso Nacional. E contaria, de acordo com ele, com o apoio do ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Roberto Rodrigues. A idéia é incluir na MP 192/04 - que trata do pagamento de indenizações em questões agrárias e será analisada pelos deputados na próxima semana - duas emendas. A primeira delas liberaria o plantio de soja transgênica na safra 2004/2005.

A segunda permitiria a comercialização e multiplicação de 200 mil sacas de sementes transgênicas Roundup Ready, legalizadas pela MP editada em 2003 e registradas no Ministério da Agricultura. Do total, 150 mil sacas pertencem à Codetec, uma cooperativa do Paraná, e o restante à Embrapa, à Monsanto, à Fundação Mato Grosso e à Pioneer. "Eu resolvo com as emendas o problema do sementeiro e do produtor", diz Heinze. De acordo com o deputado, "não dá para plantar nada" com a quantidade de semente transgênica legal existente hoje.

Mas o quadro mudaria com a autorização para a multiplicação do estoque, que poderia chegar a 6 milhões de sacas em 2005. "Haveria semente para o Brasil inteiro, e problemas como contrabando de sementes transgênicas seriam reduzidos", diz Heinze. São pelo menos dois os empecilhos para a inclusão das emendas na MP 192. O regimento interno do Senado Federal não admite emenda "sem relação com a matéria da disposição que se pretende emendar". A regra, no entanto, já foi desrespeitada em diversas ocasiões.

O segundo entrave é convencer o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP). Na semana de esforço concentrado de agosto, Mercadante vetou a inclusão das emendas em uma MP que foi aprovada pelos senadores. Heinze acredita que a demanda dos produtores, o apoio do Ministério da Agricultura e a dificuldade de votação da Lei de Biossegurança, na Câmara e no Senado, em um período de só três dias são argumentos fortes o suficiente para mudar a situação. O deputado diz que, se a proposta da MP prosperar, lutará para que o texto da Biossegurança não seja votado. "É melhor ficar com a lei de 1995, que é uma das melhores do mundo."

Os plantadores de algodão também querem o mesmo tratamento. "Não podemos admitir dois pesos e duas medidas", diz Hélio Tollini, diretor executivo da Associação Brasileira de Produtores de Aldodão (Abrapa). Com estimativa de colher cerca de 1,25 milhão de tonelada do produto em pluma, os fazendeiros temem que o País perca fatias importantes no mercado externo.

"O governo deveria resolver logo esta situação. Do contrário, países que já utilizam esta tecnologia ficarão em posição muito vantajosa", argumenta Tollini. Entretanto, é claro nos bastidores da Câmara que os produtores de soja estão em vantagem nesta corrida. Inclusive porque já tem o parecer favorável da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNbio). Este passo ainda não vencido por quem planta algodão.

Relator do projeto de lei em três comissões do Senado, o senador Ney Suassuna (PMDB-PB) pretende sugerir ao governo que retire o texto do Legislativo caso uma nova MP autorize o plantio e comercialização de transgênicos na safra 2004/2005. Ele acha mais sensato o Executivo elaborar projetos autônomos para questões que considera completamente distintas, como normas para o manejo de transgênicos e pesquisas com células-tronco.

Enquanto um desfecho para o caso não é definido, Suassuna trabalha em seu relatório, que apresentará na próxima segunda-feira aos líderes de partido. O senador está disposto a restituir a competência do Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS), formado por 11 ministérios, para decidir sobre a venda de transgênicos no Brasil. No texto atual, tal prerrogativa é da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). Além disso, Suassuna quer fortalecer a participação dos órgãos técnicos setoriais dentro da CTNBio e liberar as pesquisas com células-tronco.

Proposta fatiada

O ministro de Ciência e Tecnologia, Eduardo Campos, descartou ontem a possibilidade de votar de forma fatiada o projeto de Lei de Biossegurança, que regulamenta a pesquisa e a comercialização de transgênicos e as pesquisas com embriões humanos, como havia antecipado este jornal. "O regimento do Senado impede o fatiamento", afirmou Campos.

Apesar das dificuldades políticas no Congresso, Campos procura mostrar-se confiante de que é possível votar o projeto com o artigo que trata do uso das células tronco para fins terapêuticos. "Não se trata de uma clonagem, mas sim de salvar vidas. Procuramos uma solução intermediária", afirmou o ministro. Ele ressaltou que o importante é estabelecer um marco regulatório do setor.

Ainda sobre o uso da células-tronco para fins terapêuticos, o ministro da Saúde, Humberto Costa, também afirmou que é favorável a pesquisa, desde que seja feito dentro do processo ético. "É perfeitamente possível", afirmou Costa. O ministro acrescentou que o governo federal vai destinar parte dos R$ 57 milhões, que serão ampliados na área de pesquisa, em projeto para uso de células-tronco do paciente para, por exemplo, substituir transplantes.