Título: Brasil está disposto a rever acordo
Autor: Luciana Otoni
Fonte: Gazeta Mercantil, 10/09/2004, Transporte & Lógistica, p. A-12

Proposta é estimular, com Finame, setor automotivo brasileiro a usar componentes argentinos. O governo brasileiro está disposto a rever o regime automotivo do Mercosul para atender os interesses da Argentina. A proposta é usar a linha de financiamento de máquinas e equipamentos Finame do BNDES para estimular empresas do setor automotivo brasileiro a usar partes e componentes argentinos na montagem de veículos. A sugestão foi apresentada ontem ao ministro da Economia da Argentina, Roberto Lavagna, pelo ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Luiz Fernando Furlan.

Lavagna disse que a Argentina não romperá o acordo, mas não está descartada a adoção de um período de transição antes da liberalização do comércio, prevista para 2006. "Não caímos fora do acordo. Mas esse acordo está sujeito a certas condições e essas condições não foram cumpridas", avaliou. Além da possibilidade real de flexibilização do regime automotivo, Lavagna obteve do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a garantia de que a Petrobras investirá US$ 200 milhões na ampliação do gasoduto San Martin.

Após oito horas de reuniões ininterruptas mantidas com autoridades do governo do Brasil, Lavagna reafirmou que o Mercosul tem valor estratégico para os dois países. Mas com igual convicção reforçou que há desvios que precisam ser corrigidos. Nesse aspecto, informou que a Argentina o acionará o Artigo 26 do regime automotivo para corrigir as distorções. O Artigo 26 prevê se "adotarão as decisões que forem necessárias para o melhor desenvolvimento da política automotiva comum".

Segundo Lavagna, a liberação do comércio argentino para o setor automotivo a partir de 2006, conforme estabelecido no regime automotivo, dependerá da correção das distorções e poderá implicar na definição de um período de transição para que as montadoras instaladas na Argentina tenham tempo de se preparar para a concorrência. O governo do presidente Néstor Kirchner tem ressaltado que 60% dos carros vendidos no país são brasileiros ao passo que eles detêm 3% do mercado do seu parceiro.

Nos encontros mantidos ontem, o objetivo das autoridades brasileiras foi usar da diplomacia para contornar a questão. A principal proposta partiu de Furlan, que sugeriu o uso do Finame do BNDES. O Finame é uma linha de crédito que financia máquinas e equipamentos para a produção de bens nacionais. Os empréstimos são concedidos desde que a empresa instalada no País se comprometa a utilizar 60% de conteúdo nacional na fabricação de produtos.

"O ministro Lavagna disse, diversas vezes, que há muitos temas que preocupam a Argentina, que não são culpa e nem responsabilidade do Brasil. Dependem mais do lado argentino. Ele tem um projeto de reindustrialização e é nesse contexto que entra o setor automotivo", comentou Furlan. A proposta do Finame não foi concluída e deverá ser ratificada posteriormente pelos presidente Lula e Kirchner. A intenção é discutir, dentro da exigência de 60% de conteúdo nacional para efeito do Finame, um percentual de componentes do Mercosul, que incluiria componentes argentinos.

Também ontem foram iniciados entendimentos para integração das cadeias produtivas dos dois países. Uma das limitações é a falta de financiamento. "Falamos de mecanismos de financiamento e garantias. A Argentina se ressente muito hoje, por circunstâncias da sua economia, de dificuldades para investimento e desenvolvimento. Então, as equipes do ministro Antonio Palocci (da Fazenda) e do BNDES trabalharão nesse sentido", informou Furlan.

Lavagna disse que a Argentina, após a desestruturação industrial ocorrida durante as crises dos anos 90, começará um processo de reindustrialização e necessitará de mecanismos de financiamentos. De sua parte, o governo do Brasil pediu que a Argentina regulamente o Convênio de Créditos Recíprocos (CCR). Esse é um mecanismo regulamentado no Brasil que define como o Banco Central opera como avalista junto aos bancos comerciais na definição das garantias em financiamentos de infra-estrutura. Só para inversões na Argentina em investimentos de infra-estrutura o BNDES possui carteira de US$ 1 bilhão a ser aplicado por meio do CCR.

As negociações do acordo automotivo e a definição da política industrial comum terão prosseguimento. Lavagna entregou ao ministro Furlan quatro documentos para análise. Abordam a integração das cadeias produtivas, guerra fiscal na atração de investimento, mecanismos defensivos e modelos de financiamento do Mercosul. Detalhes dos relatórios não foram divulgados.