Título: Culpa dos países ricos
Autor: Rothenburg, Denise
Fonte: Correio Braziliense, 16/04/2011, Política, p. 2/3

DILMA NA CHINA Presidente atribui a pressão pelo aumento dos preços às nações mais desenvolvidas por causa do excesso de liquidez internacional. Ao mesmo tempo, vende o Brasil como uma meca das oportunidades financeiras Enviada especial

Boao ¿ Na esperança de angariar a confiança e, se possível, mais investimentos nas cidades brasileiras, a presidente Dilma Rousseff aproveitou o penúltimo compromisso oficial ontem na China para vender o Brasil a uma seleta plateia como a meca das oportunidades, ¿democrática e de respeito aos direitos humanos¿. Ao mesmo tempo, jogou no plano externo a culpa das preocupações econômicas que rondam o país e condenou as políticas de restrições de gastos que sempre são propostas em situações de incertezas. ¿A experiência do Brasil nos últimos anos demonstrou de forma inequívoca a importância do crescimento com melhora na distribuição de renda¿, deixando nas entrelinhas, segundo diplomatas, a perspectiva de que é possível crescer sem rigorosos invernos nos investimentos.

Em seu discurso no Fórum Econômico de Boao, na Ilha de Hainan, a mesma que serviu de palco à reunião do Brics ¿ Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul ¿ na última quinta-feira, Dilma citou as perspectivas de negócios na exploração do pré-sal, da ampliação do sistema energético com o etanol e da necessidade de investimentos em infraestrutura para a Copa do Mundo e as Olimpíadas.

E quanto à ameaça inflacionária ¿ sobretudo em economias exportadoras de commodities (produtos de origem primária), como é o caso do Brasil ¿ e às dificuldades de segurar o deficit fiscal, a culpa é dos países ricos, conforme colocou a presidente brasileira num discurso recheado de termos econômicos, como requeria o plenário repleto de professores e analistas do mercado financeiro.

¿A expansão da liquidez por parte dos países avançados pressiona a inflação mundial e aprecia as moedas de vários países, sobretudo dos exportadores de commodities, ao mesmo tempo em que promove a insegurança alimentar e a energética em outras nações. De outro lado, a lenta e instável recuperação econômica dos países avançados dificulta a redução do deficit fiscal e da dívida pública daquelas economias¿, disse Dilma, jogando no plano externo as incertezas. ¿Essa situação levou os analistas a uma resposta um tanto simples: adotar políticas restritivas tanto nos países emergentes para controlar a inflação quanto nos países avançados para promover uma rápida consolidação fiscal¿, completou.

Essa foi a primeira vez em que um chefe de Estado do Brasil participou do Boao Forum (o nome oficial do evento), criado em 2001 e conhecido como o ¿Davos da Ásia¿ ¿ uma referência ao encontro europeu. Este ano, o anfitrião, Hu Jintao, convidou todos os países integrantes do Brics ¿ o primeiro-ministro da Índia, Mohhonag Singh, que não pôde comparecer por compromissos assumidos antes. Além deles, compareceram o primeiro-ministro da Espanha, José Luis Zapatero; de Cingapura, Lee Hsien Loong; da República da Coreia, Kim Hwang-sik; e da Ucrânia, Nikola Azarov, mais ministros, autoridades e até celebridades chinesas, como o jogador de basquete mais alto do mundo, Yao Ming.

Programas sociais Dilma se referiu ao controle inflacionário como ingrediente da recuperação econômica, mas foi enfática ao dizer que o objetivo de todo o esforço tem que ser o desenvolvimento e a inclusão social. ¿Sobretudo entre os mais pobres¿, emendou Dilma. Ela passou então a discorrer sobre o portfólio de programas sociais brasileiros, em especial o Bolsa Família, o Minha Casa, Minha Vida e o Luz Para Todos.

Em seu propósito de apresentar os chamados valores nacionais, a presidente fez críticas indiretas ao regime do anfitrião, Hu Jintao. ¿Combinamos estabilidade econômica, crescimento acelerado, projeto estratégico de desenvolvimento, impulso à ciência, tecnologia e inovação, inclusão social de distribuição de renda, estado de direito de democrático, estabilidade política, compromisso com os direitos humanos e com a sustentabilidade ambiental e um profundo sentimento de autoestima de nosso povo¿, afirmou, diante de uma plateia ciente de que a China tem elevados índices de poluição e continua sob forte censura nos meios de comunicação.

No plano político, Dilma deixou claro ainda que prega o meio termo na governança global: ¿O mundo do século 21 requer criatividade para forjar novos laços. Ásia e América Latina podem e devem ampliar parcerias. Não buscamos modelos únicos, nem tampouco unanimidades. Os consensos que se tentaram na história recente sob a égide do mercado ou do Estado e que, supostamente, nunca falhariam, mostraram-se frágeis como um castelo de cartas¿, disse Dilma, referindo-se ao Brasil como um país num grande momento para investimentos e parcerias público-privadas.

Sem fins lucrativos O Boao Forum for Ásia (BFA) é uma entidade não governamental que reúne, uma vez por ano, chefes de Estado asiáticos e convidados, como acadêmicos e analistas para troca de experiências. A primeira reunião foi em 2001. O tema deste ano é Desenvolvimento Inclusivo: Agenda Comum e Desafios.