Título: Justiça evita indústria de indenizações
Autor: Gláucia Abreu Andrade
Fonte: Gazeta Mercantil, 13/09/2004, Legislação, p. A-6

Desde que o CDC entrou em vigor há 14 anos, Procon-SP atendeu 3,6 milhões de pessoas. Algumas proibições contra alimentos adulterados e informações falsas sobre peso de produtos já podiam ser encontradas nas antigas leis indianas. No entanto, a criação de códigos que defendessem e regulassem esses direitos ocorreu algum tempo depois. No Brasil, o Código de Defesa do Consumidor (CDC), promulgado por meio da Lei 8.078, foi criado em dia 11 de setembro de 1990.

Apesar de existir há 14 anos, a conscientização das pessoas sobre seus direitos tem ocorrido de maneira gradativa. Para se ter uma idéia, em 1990 foram registradas cerca de 112 mil atendimentos no Procon, órgão da Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania, de São Paulo. No ano passado, foram 368 mil atendimentos. Deste total 32% se referiam a serviços; 17% a assuntos financeiros; 13% a produtos; 4% a saúde; 2% a habitação, 0,3% a alimentos, 12% extra Procon e 5% consultas ao cadastro e pesquisas. De acordo com o chefe de gabinete do Procon-SP, Vinicius Zwarg, entre a notificação e o procedimento administrativo, em média 70% das reclamações são solucionadas. Dados da instituição revelam que desde que o CDC entrou em vigor mais de 3,6 milhões de pessoas foram atendidas pela Fundação.

Consumidor

Avaliando este período de existência do CDC, a advogada Renata Cristina Carbone, do Advocacia Innocenti e Associados, diz que ele é reconhecidamente um dos diplomas legais mais avançados do mundo. "Isso porque o CDC vem contribuindo inegavelmente para a efetivação do exercício diário da cidadania." Segundo a advogada, isso ocorre seja pelo fato de que com sua edição redimensionaram-se direitos que, embora já existissem, não atendiam especificamente às necessidades dos consumidores, em virtude das peculiaridades inerentes às relações de consumo; seja pelos novos mecanismos que foram criados para tutelar seus direitos, como foi o caso dos instrumentos de proteção dos direitos metaindividuais (direitos difusos), refletindo um grande avanço em termos jurídicos.

Renata Carbone lembra que, à época da promulgação do Código, alguns empresários defendiam a idéia de que a lei instituía regras muito severas. "Tinha quem sustentava que o Código era um instrumento de censura à liberdade de expressão, precisamente em relação à parte que disciplina as práticas abusivas e regras atinentes à publicidade." A advogada assegura que hoje verifica-se um novo comportamento imposto pelos princípios normativos instituídos pelo CDC. As empresas, compelidas a se adequarem e melhorarem os seus produtos, passaram a buscar nos consumidores os verdadeiros aliados para saírem na frente na questão da concorrência. Elas aprimoraram seu atendimento, publicidade e marketing. "Os maus fornecedores acabam por ser excluídos do mercado", pondera.

Já o advogado e mestre em direito civil, José Fernando Simão, demonstra preocupação em relação à tutela aos chamados hipossuficientes -parte economicamente fraca. "Toda vez que se protege o hipossuficiente, se deve fazer com certo cuidado. A proteção tem que ser justa e não desmedida, tem que ter os limites da Justiça." Para ele, proteção à parte mais fraca não quer dizer injustiça com a parte mais forte. O especialista afirma que muitas vezes as pessoas acabam por "extrapolar" acreditando que tem mais direitos do que o CDC concede. "A proteção tão necessária e importante pode se tornar uma proteção odiosa, desmedida", comenta. "Percebe-se um exagero na proteção ao consumidor." Por outro lado, ele diz que o Procon tem papel fundamental na defesa dos direitos do consumidor.

Fornecedor

O advogado Walter Wigderowitz, do Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados, salienta que hoje há uma certa euforia, a euforia do excesso. "Dentro em breve há que se criar o código de defesa do fornecedor", brincou. Entretanto, Wigderowitz disse que já se nota no Judiciário a preocupação de não permitir a formação da chamada `indústria da indenização¿.

Já João Batista Chiachio, do Marcondes Advogados, comenta ainda que não se pode deixar de mencionar os abusos e práticas criados pelo que ele chama de "pseudos consumidores" ou pelos "espertinhos" de modo a se aproveitarem da situação. Segundo ele, inúmeros golpes foram criados por pessoas "inescrupulosas" que simulavam situações para se beneficiarem da condição de "consumidor desprotegido" e para pleitearem indenizações incompatíveis com os fatos. Para ele, a inversão do ônus da prova, praticamente, pôs em xeque a defesa das empresas. "A `indústria do dano moral¿, sem dúvida, é um produto conseqüente dessa nova ordem." Chiachio afirma que é necessário ser criado um mecanismo para evitar que, por qualquer motivo, consumidores, por problemas e questões irrisórias, especialmente financeiros, busquem indenizações fantásticas. "Não é crível que a compra de um aparelho de R$ 500 permita ao consumidor pleitear danos morais de R$ 9,6 mil", enfatiza. Para o advogado Custódio da Piedade Ubaldino Miranda, do Advocacia Franceschini e Miranda, existe advogado que entra na Justiça mesmo sabendo que o cliente não tem razão, apenas para tentar ganhar seus honorários. "Mas não se pode ainda falar em uma `indústria de ações¿, como nos Estados Unidos, por exemplo."

Renata Carbone salienta que alguns pontos tratados pelo Código não vêm sendo respeitados. Marcus Diegues, advogado do Instituto de Defesa do Consumidor Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), comenta que o que falta é que os segmentos que atacam o CDC mudem a postura diante da lei que na verdade é um instrumento de equilíbrio entre as partes. "Mudar a conduta pode significar mais investimento e menos lucro, esta é que é a verdade."