Título: Novo presidente da Volks anuncia volta ao lucro
Autor: )(Renato Acciarto
Fonte: Gazeta Mercantil, 13/09/2004, Transporte & Logística, p. A-12
Depois de reestruturada, montadora atinge seu break even pela primeira vez em seis anos, tanto na produção de automóveis como na de caminhões. Circunspecto, mas afável. Aparenta ser um senhor de poucas palavras, mas, se questionado, não priva o interlocutor de uma convincente e completa explanação sobre o tema. Essa é uma característica do alemão Hans-Christian Maergner, que desde janeiro preside a Volkswagen do Brasil. Substituiu o inglês Paul Fleming, que ficou no cargo pouco mais de um ano. Fleming, entrevistado por este jornal em novembro de 2003 disse - quando perguntado da origem dos boatos sobre sua demissão iminente - que enfrentava na verdade problemas com as "viúvas, algumas já fora, outras ainda dentro da companhia". Diria mais: não sairia da empresa porque seu contrato tinha mais três anos de duração. Quinze dias depois, Fleming foi destituído do cargo. As explicações para seu afastamento são muitas, mas uma das principais foi a pressão da matriz alemã quanto aos resultados financeiros da mais importante subsidiária do grupo.
A pressão fez com que Peter Hartz - que responde, na matriz, pelo comando da região na América do Sul/África do Sul - mexesse as peças do tabuleiro. Houve o afastamento de Fleming e a subseqüente ascensão de Hans-Christian Maergner.
A escolha não poderia ter sido mais acertada. Maergner, nascido em 1945, é um técnico menos preocupado com marketing e mais com resultados reais. Aos 24 anos de idade, em 1969, seu primeiro emprego foi na Volkswagen, na unidade alemã de Kassel. Com 35 anos consecutivos de carreira na companhia, Maergner passou por várias áreas, de logística, fundição até finanças. Antes de vir para o Brasil, administrava desde 1998 a subsidiária da África do Sul - em sua sala, na fábrica da Anchieta (SP), há uma foto sua abraçado a Nelson Mandela, presidente da país africano. Maergner é um profissional respeitado na organização, o que pode fazer diferença na reconstrução da marca no Brasil. A entrevista exclusiva - é a primeira vez que ele fala a um veículo da grande imprensa nacional - dada pelo executivo a este jornal, foi iniciada durante a inauguração da concessionária Santa Emília, na cidade de Ribeirão Preto (SP) e complementada em sua sala, na fábrica da Anchieta.
O executivo afirma que já começa a colher alguns frutos do plano de reestruturação, iniciado em julho do ano passado e já anuncia que pela primeira vez nos seis últimos anos, a subsidiária brasileira vai alcançar o break even. Com isso, altera a direção da curva descendente para um alvo ascendente. E de escalada ele entende bem. Afinal, o alpinismo é seu hobby favorito.
Gazeta Mercantil - Antes de assumir a presidência na VW do Brasil, o que o senhor conhecia sobre o País?
Hans-Christian Maergner - Não conhecia muito, mas participava de muitas apresentações e reuniões que falavam sobre o Brasil, já que na Volkswagen ele está na mesma região comercial que a África do Sul, país onde eu presidia a companhia.
Gazeta Mercantil - E como era a África do Sul? Que problemas o senhor encontrou lá?
Quando cheguei na África do Sul, encontrei uma situação muito similar à que encontrei no Brasil. A companhia estava em uma situação grave, perdendo dinheiro. Esse panorama foi mudado e hoje é bem diferente. A África do Sul é um mercado pequeno, de 360 mil veículos por ano, mas muito lucrativo. O governo local entendeu que a indústria automobilística é uma importante chave capitalista para melhorar a situação econômica de um país.
Gazeta Mercantil - E qual é a dificuldade para a Volkswagen ganhar dinheiro no Brasil?
No Brasil é difícil fazer planos. Cada variação cambial, por exemplo, nos custa uma verdadeira fortuna. É difícil planejar e convencer a matriz a fazer novos investimentos. Mas o que falta mesmo nesse País é um mercado interno forte. A Volkswagen ainda tem uma capacidade ociosa de 35% e temos que preenchê-la. O mercado interno não tem volume grande. É por isso que ficamos lutando para achar mercados de exportação, para vender 10 mil unidades por mês.
Gazeta Mercantil - Mas as exportações ajudam a diminuir a ociosidade. O governo só fala nisso. O senhor não acha que é esse o melhor caminho para o país?
De novo, não. Temos que ter um mercado interno mais forte. O nosso foco não tem que ser o mercado externo. A exportação talvez deva ser só a cereja do bolo. Cada vez é está mais difícil vender para mercados já estabelecidos. Temos que focar em mercados emergentes, como Rússia, Ásia e Índia, por exemplo, com carros de até R$ 20 mil. Até porque, na Europa, temos uma concorrência muito forte dos países do Leste Europeu.
Gazeta Mercantil - Mas com o Leste Europeu fazendo parte da Comunidade Européia, os salários não vão se equiparar aos do restante da Europa e elevar os custos de produção?
Acredite. Isso nunca vai acontecer e não tenha ilusão. Enquanto um trabalhador ganha ¿ 16 por hora na Alemanha, em alguns países do Leste Europeu pela mesma hora trabalhada se ganha ¿ 5,4. É muita diferença. Além do mais o Leste Europeu tem custos logísticos bem inferiores aos nossos. Além do mais, no Brasil pagamos uma taxa de importação de 6,5%. Eles não.
Gazeta Mercantil - O fato de a Volkswagen do Brasil exportar o Fox para a Alemanha - um mercado consolidado - não contraria aquilo que o senhor diz?
O Fox foi desenhado para atender o que eu preciso na América do Sul. É uma plataforma que já utilizamos em outro carro - o Polo - e com poucas modificações, entre elas, para atender a legislação local teremos uma oportunidade na Europa para ele.
Gazeta Mercantil - O Fox exportação será mesmo produzido na unidade Anchieta?
Inicialmente não. Precisamos primeiro superar a capacidade produtiva da fábrica de São José dos Pinhais (PR). As mudanças naquela linha para o modelo de exportação começam no início do ano que vem.
Gazeta Mercantil - Há alguma possibilidade de a Volkswagen não utilizar a fábrica da Anchieta para produzir o Fox para exportação?
Não. Com a expansão para outros países europeus, além da Alemanha, teremos necessariamente de iniciar a produção na fábrica Anchieta. Acredito que as alterações na linha para receber o modelo comecem no início de 2006, dependendo da evolução da demanda.
Gazeta Mercantil - E a minivan do Fox, por que a opção pela Argentina e não o Brasil?
O saldo da nossa balança comercial está muito desbalanceado e precisamos balanceá-lo. No entanto, 65% desta perua irá daqui em CKD para a Argentina, onde será montada para ser exportada, já finalizada, para o Brasil. É uma forma inteligente de produção. Com isso, todos ganham.
Gazeta Mercantil - Quais as peças que irão daqui?
Motor, transmissão e peças estampadas feitas em São José dos Pinhais, que também suprirão a linha de produção do Fox para exportação na Anchieta. Vidros, pneus, por exemplo, serão comprados na Argentina.
Gazeta Mercantil - Mas a estamparia de São José dos Pinhais conseguirá atender o mercado local, mais a exportação e ainda o CKD para a Argentina?
Acredito que sim. Além disso, vamos terceirizar algumas partes. Mas, sabe qual é o meu maior medo com relação ao Fox na exportação? Não é a aceitação de mercado, nem a estamparia, nada disso. É não conseguir enviá-lo para a Europa, já que a cada dia ouço notícias de greve, seja de cegonheiros, seja de problemas com o porto de Santos.
Gazeta Mercantil - Ainda com relação à exportação, o que o senhor está achando das discussões sobre o acordo entre o Mercosul e a Comunidade Européia?
Estou frustrado sobre a evolução destas discussões. O acordo está centrado na agricultura, empacado. Os interesses são diversos e a conversa não está conseguindo resultados concretos.
Gazeta Mercantil - Nos nove meses que o senhor está aqui, que alterações já aconteceram na Volkswagen?
Apesar da posse oficial ter ocorrido dia 1º de janeiro, comecei mesmo no cargo em meados de fevereiro. Quanto à reestruturação, já estamos com bons resultados. Já alcançamos o break even e mudamos a curva de direção. Pelo visto teremos até um pequeno lucro operacional neste meu primeiro ano de presidência.
Gazeta Mercantil - O que foi feito para isso acontecer?
Temos três pontos básicos para a reestruturação da empresa. Primeiro, um forte trabalho para redução dos nossos custos fixos e melhoria da rentabilidade. O corte de 3.933 posições de trabalho, com o PDV - programa de demissão voluntária - e a Autovisão, foi importante. Há vários outros exemplos, como até a venda de parte da fábrica. Já colocamos à venda três prédios da fábrica da Anchieta: a fundição, a ala 3 e a ala 21. Só dependemos, agora, de interessados. O segundo ponto é melhorar a nossa estratégia de médio e longo prazos...
Gazeta Mercantil - Plano esse que o senhor acabou de apresentar aos executivos da Volkswagen do Brasil. Por falar nisso, business plan, chamado pela Volks de PR53 (Planing Round nº 53, que é o número de anos que a empresa está no Brasil, projeta os investimentos e ações para os próximos 5 anos) já foi aprovado pela matriz na Alemanha?
Esse plano coloca a companhia sobre uma base sólida. É mais robusto e resistente à volatilidade.
Gazeta Mercantil - O senhor quer dizer mais conservador?
Sim, é conservador. Foi por planos otimistas que toda a indústria teve problemas e tem até hoje com a ociosidade. A expectativa de produção foi o dobro do que hoje realmente é. Não culpo especialmente ninguém, até porque isso aconteceu sob a análise de economistas, executivos, governo e jornalistas. O nosso plano agora está calcado no auto-financiamento, ou seja, ganhar para depois investir. Aliás, nossa meta agora é investir predominantemente em novos produtos e menos em infra-estrutura, que já temos montada. Novos produtos garantirão o nosso futuro, para fazer crescer e reforçar a imagem da marca Volkswagen no País.
Gazeta Mercantil - E o terceiro item do plano?
Esse é o de que eu mais gosto. Mudar a forma como os nossos funcionários vêem a empresa. Quero engajá-los com uma cultura de alta performance. Quero que a Volkswagen seja a melhor empresa para se trabalhar. Os brasileiros são muito criativos, têm uma mente positiva, facilidade para aprender e são muito esforçados. Vejo gente trabalhando aqui o dia inteiro, estudando à noite. Temos que capitalizar essa motivação em lealdade à empresa.
Gazeta Mercantil - Muitos funcionários e empresários envolvidos ficaram com a auto-estima baixa quando a Volks perdeu posições no mercado depois de 42 anos na primeira colocação. A liderança será retomada?
Não há como ser líder gastando dinheiro e sem rentabilidade. Não há como convencer os acionistas a investir em market share e liderança de mercado. Acho que esta briga um dia tem que parar de ser comprada e não conquistada. Todos estamos perdendo dinheiro há seis anos e não dá para continuar. Quando parar essa disputa estimulada por dinheiro poderemos retornar à primeira colocação. Li uma entrevista com o José Carlos Pinheiro Neto - vice-presidente da General Motors do Brasil - e nela ele disse que irá perder dinheiro no País ainda este ano. Certamente, em Detroit os sinos estão tocando. Tudo também depende de estratégia. Este ano, nos primeiros oito meses, estamos na liderança, contabilizando o mercado total - automóveis, comerciais leves e caminhões - mais as exportações. Não olhamos apenas para os números de automóveis e comerciais leves.