Título: Tonel gigante coloca Ypióca no livro de recordes
Autor: Adriana Thomasi
Fonte: Gazeta Mercantil, 13/09/2004, Gazeta do Brasil, p. B-14

Descoberta quase por acaso, a peça de madeira projeta fábrica cearense de aguardente em todo o mundo. Nem 157 anos de mercado e a condição de empresa familiar mais antiga do Brasil, ou mesmo a liderança na produção nacional própria e pioneirismo na exportação de aguardente do País, conquistado em 1968, parecem ter alcançado tanto sucesso. A descoberta, quase por acaso, de um gigantesco tonel de madeira vem conquistando espaço ao projetar a cearense Ypióca Agroindustrial, em todo o mundo. Desde meados do ano passado, a empresa colhe "dividendos" por abrigar no Museu da Cachaça, encravado na paisagem serrana de Maranguape, município a 30 quilômetros de Fortaleza, um barril de madeira que entrou para o livro de recordes - o Guinness Book, com edição brasileira que chega às livrarias em novembro. A certificação, confirmada em junho de 2003, vem funcionando como eficiente alavanca institucional para a empresa, que costuma aplicar em torno de 5% da receita anual em ações de marketing, de acordo Aline Telles Chaves, diretora comercial da empresa.

Construído nos moldes tradicionais, sem cola e com tábuas de madeira encaixadas, presas por cintas de metal, o barril em madeira tem capacidade para armazenar 374 mil litros - é o maior do mundo. Esse volume representa 31.160 caixas de 12 unidades de litro ou 7,166 milhões de doses, calcula o gerente industrial e responsável pelo Museu, Paulo Campos Telles Neto, ao observar que o segundo maior tonel do mundo fica na Alemanha e tem condições para 234 mil litros.

A descoberta ocorreu, durante viagem de um funcionário da empresa ao Rio Grande do Sul, em 2000, ano da inauguração do Museu da Cachaça. A operação, envolvendo o transporte numa distância em torno de 4 mil quilômetros, exigiu a contratação de duas carretas, 15 dias de viagem, outros 15 para a nova montagem, trabalho realizado por uma equipe de cinco profissionais. "A transferência foi cercada de cuidados. Numeramos as peças para facilitar a remontagem e construir um galpão especial de 225 m² para abrigar o tonel", explica, Paulo Teles, que investiu R$ 20 mil. O empresário diz que a soma valeu a pena.

Nas feiras que participa - a última foi no Blue Tree, de Angra dos Reis, no final de agosto -, o que chama a atenção é o tonel gigante - mesmo em folhetos. Neste mês, a companhia marca presença na II Expocachaça/SP- Exposição Internacional da Cachaça, realizada de 16 à 19, no ITM-Expo, em São Paulo, com um estande reservado a produtos, onde apresenta a versão Ypióca Orgânica, aguardente certificada do IBD e voltada para o mercado internacional, e outro destinado ao Museu da Cachaça.

Em quatro anos, cerca de 100 mil visitantes de todas as partes do mundo já visitaram o Museu e, do ano passado para cá, o número dobrou. Em julho passado, foram 5 mil visitantes, diante dos 2,5 mil de igual mês de 2003. "A estimativa para o ano é fechar em 35 mil visitantes, no mínimo", diz Aline. O ingresso custa R$ 5 (a inteira), com direto ao passeio pelo Museu, além de uma dose de cachaça, um copo de caldo de cana, castanha. A Aline explica que às quartas-feiras o acesso é liberado para escolas públicas e instituições filantrópicas. "O interesse é tão grande, que todas são pré-agendadas", informa. Do valor de ingresso ao Museu, a empresa doa R$ 1 para a Santa Casa, montante que chega a cerca de R$ 2 mil por mês, calcula.

Mudanças necessárias

A movimentação em torno da conquista no livro de recordes provocou mudanças também na estrutura do Museu, sonho do empresário Everardo Ferreira Telles, presidente do grupo, e instalado em 2000 no antigo casarão, construído em 1843. O lugar conta a história da aguardente no País, com resgate do Brasil colônia, que se confunde com a da empresa, e contada por meio de mapas, fotos, filmes, máquinas, garrafas, equipamentos agrícolas. "Estamos prevendo investimento de US$ 40 mil nas reformas do Museu", adianta Aline.

As obras de ampliação da lojinha estão em fase de conclusão. Até o final do ano, mais duas atrações entram em cena: a Bodega do Zé Leite - antigo funcionário gerente da unidade que faleceu há 2 anos -, nos moldes de uma "bodega" típica do sertão do Ceará, com comidas regionais, fumo em rolo, entre outros produtos. Uma minifazenda, em espaço de 4 mil m², com animais como carneirinhos, aves, vacas, bezerros, pônei, porcos, gansos , pavão, entre outros, também passa por reformas.

Atenção especial

O restaurante, que começou como lanchonete, e ampliado recentemente, aberto aos sábados e domingos, tem capacidade para 120 pessoas, e funciona em rústico e galpão, que antes servia de abrigo para o maquinário da fazenda. O cardápio inclui a salada de feijão-verde, purê de macaxeira, peixes, carnes, de carneiro, de sol e de porco, panelada, frango assado e feijoada, e variedade de doces regionais - banana, leite, coco, goiaba, em sistema self service.

"O Museu recebe uma atenção especial, pois carrega a alma da empresa", traduz Aline. A concepção do espaço foi encomendada aos especialistas Margarita Hernandez, responsável pelo estudo na área de pesquisa histórica, e André Scarlazzari, que desenvolveu os recursos cenográficos. O lugar, onde funcionou a primeira unidade industrial do grupo, hoje desativada, mostra a trajetória do imigrante Dario Telles de Menezes, que veio de Lisboa para Maranguape no início da década de 1840, trazendo na bagagem um pequeno alambique de cerâmica. A réplica da peça está na sala da primeira geração do Museu.

Cada geração da família, também ganhou espaço e até um filme de 16mm, do final da década de 40 - encomenda de Paulo Campos Telles, neto de Dario -, que mostra um dia na fazenda Ypióca, é considerado também uma peça de estudo, faz parte do acervo.

A antiga cozinha do casarão preserva utensílios originais, como o fogão à lenha, o piso rústico, dispostos em cenários especiais. Um minicanavial, localizado no centro do Museu, com iluminação natural, faz a ligação entre a história contada em documentos, maquetes e cenários com personagens animados e a produção artesanal da cachaça no século passado - da moagem, passando pela fermentação, envasamento e aplicação de rótulos. Todo o mecanismo é acionado por sensores.

O passeio no Museu, entre tonéis de madeira de bálsamo de até quatro metros de altura, que armazenam a cachaça envelhecida por até 40 anos, dura cerca de 40 minutos. Um tonel de 5 metros de altura faz passagem estratégica para o bar temático - com mobiliário e música ambiente da década de 30, que convida a degustação da Ypióca 150 anos e da Caipirinha tropical Drinks -, e oferece a chance de uma pausa para assistir aos comerciais de televisão de produtos Ypióca, de diferentes épocas, e com nomes conhecidos como dos atores Mário Lago e do humorista Agildo Ribeiro.

A viagem ao mundo da cachaça termina na loja, decorada com móveis rústicos, de madeiras pesadas como a sucupira, o ipê e o louro, tonéis de madeira, máquina de vapor e mesa de roda de carro de boi, que lembra armazéns do século XIX, e oferece a oportunidade para comprar a Ypióca Rio, lançada para exportação, e que no Ceará, só é encontrada no Museu. No espaço o visitante pode comprar ainda camisetas e bonés.

A área de 480 hectares do Sítio Ypióca permite ainda opções de lazer ao ar livre como lago com pedalinhos, passeios de charrete da década de 30, e jardineira, que percorre o canavial, antigo açude e circunda toda a propriedade.

Crescimento do grupo

A Ypióca, que iniciou com produção de apenas 30 litros por dia, de forma artesanal, chega a quinta geração dos Telles, com capacidade instalada de 80 milhões de litros/ano, e conhecida no mundo por sua embalagem em trançado de palha, trabalho que emprega 7 mil mulheres. Aline Telles, trabalha este ano com expectativa de crescimento de 10% nos negócios da Ypióca, considerando os mercados nacional e internacional.

O grupo concentra 7 empresas no global, atuando na agroindústria de aguardente, fábrica de papel e papelão (a partir do bagaço da cana-de-açúcar), exploração de água mineral; indústria de garrafas plásticas (PET e PVC), agropecuária (produção de leite de 1.000 litros./dia, suíno, caprino e ovino), agricultura (cana-de-açúcar, milho, feijão) e transporte de carga.

No final do ano passado, concluiu as obras de uma nova unidade industrial, a 60 quilômetros de Natal, no Rio Grande do Norte, em área total de 2,7 mil hectares. Localizada entre os municípios de Pureza e Ceará Mirim, a fábrica tem capacidade para processar 3,5 mil toneladas de cana/dia e produção de 340 mil litros de aguardente/dia, além de 120 mil litros/dia de álcool carburante.

O volume supera o da Ypióca, em Paraipaba, no Ceará. A nova fabrica adota modernas técnicas e equipamentos controlados por computadores e é auto-suficiente em geração de energia, com capacidade instalada de 5.000 KVA, explica Paulo Teles Neto. Em dois anos, a Ypióca implantou mais 1.200 hectares de cana própria e incentivou outros 1.800 hectares em fornecedores e está investindo cerca de US$ 500 mil em irrigação das áreas já implantadas de cana, no Rio Grande do Norte.

kicker: O barril em madeira tem capacidade para armazenar 374 mil litros

kicker2: Museu da Cachaça já recebeu 100 mil visitantes em quatro anos