Título: Brasil precisa defender mais os seus interesses
Autor: Lívia Ferrari
Fonte: Gazeta Mercantil, 14/09/2004, Nacional, p. A-5

O secretário-geral do Ministério das Relações Exteriores (MRE), Samuel Pinheiro Guimarães, disse que a definição da política externa do Brasil não se faz no vácuo, mas sim a partir da situação da sociedade brasileira e da sociedade internacional. Diante disso, ele destaca que a política externa brasileira não é uma política de adaptação ao que existe, mas uma política de transformação do mundo. "E o mundo que nos interessa é o mundo multipolar, onde o nosso continente seja um desses pólos e não absorvido por um outro. Somos muito grandes para sermos absorvidos", disse o embaixador durante a abertura, ontem, da Conferência Internacional América latina, Brasil e União Européia Ampliada, organizada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Segundo ele, o importante da política externa é não adaptar o Brasil ao mundo. Mas, sim, transformar as relações internacionais de forma que sejam condizentes com as necessidades brasileiras. Como fazer isso é o desafio brasileiro, acredita ele, lembrando prioridades da política externa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, baseadas na integração com a América do Sul, África, relação com os países desenvolvidos de forma a torná-la mais adequadas às necessidades brasileiras.

Nesse contexto, o embaixador brasileiro falou também da necessidade de transformação das relações com os organismos internacionais, como Fundo Monetário Internacional (FMI) e a Organização Mundial de Comércio (OMC). "São iniciativas que visam a fazer com que o Brasil tenha lugar adequado no cenário internacional", disse Pinheiro Guimarães, referindo-se, em especial, ao Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas-ONU (onde o Brasil luta por um assento permanente), "porque lá está o centro do sistema de força e de governança mundial". Para o embaixador, o Brasil tem que estar representado nesses organismos, pois, caso contrário, "não poderá defender e promover seus interesses".

Um dos principais formuladores da política externa do governo Lula, Pinheiro Guimarães observa que, no nível internacional, há um enorme esforço de normatização nas áreas econômica, política e militar. "De forma geral, essa normatização reduz o poder dos estados para resolver os problemas. É muito importante que a nossa política externa tenha por base fazer com que a normatização internacional permita um melhor ambiente mundial para resolver os problemas da sociedade brasileira", disse, destacando entre os desafios do país a necessidade de vencer as extraordinárias disparidades de renda, de propriedade, de tecnologias e regionais. "Essas disparidades fazem com que o Brasil tenha a segunda maior frota de aviões e helicópteros particulares do mundo e também o maior número de desdentados, com 26 milhões de pessoas sem um dente sequer, e mais de 50 milhões de pessoas abaixo da linha de pobreza", disse.

Em defesa de um mundo multipolar, Pinheiro Guimarães fez um retrato do atual: "Uma concentração de poder extraordinário, onde 80% do PIB mundial está concentrado em número muito pequeno de países. A capacidade militar americana é maior que as nove potências militares seguintes somadas. São países que não cumprem com seus compromisso de desarmamento do Tratado de Não-Proliferação e, mais, continuam se armando. Esses são países que detém também o controle dos principais organismos de decisão internacional".