Título: Seguradoras ignoram 80% da população
Autor: Bueno, Denise
Fonte: Gazeta Mercantil, 01/04/2008, Finanças, p. B3

Todos falam do desenvolvimento de microsseguro, apólices para as classes D e E, como o futuro do setor de seguros. Mas o seguro popular, para a classe C, é o maior nicho da pirâmide social do Brasil. Assim pensa o francês Jean-François Estienne, economista, consultor especializado em microsseguro e seguro popular, professor da Funenseg e representante da seguradora francesa Prévoir, especializada em seguros de pessoas desde 1910 e com grande interesse nos seguros para as classes C, D e E. "Essas três classes representam praticamente 80% da pirâmide econômico-social do Brasil." A grande maioria das seguradoras atualmente está focada em seguros para as classes A e B. Ou seja, para 20% da pirâmide de 186 milhões de habitantes. Uma projeção mostra que vender microsseguro para as classes D e E pode agregar R$ 6 bilhões ao faturamento das seguradoras. "Mas é preciso olhar para o seguro popular, tão importante como o microsseguro", enfatiza. Para Estienne, o grande desafio é que as seguradoras entendam o que é o povo. "O povo já entende o que é seguro", diz. "As seguradoras precisam conhecer melhoro povo que representa a maioria da população brasileira. Do povo que elegeu o presidente Lula. Um povo que é o futuro do Brasil." Uma simples oferta bem feita de produtos faz com que o faturamento das vendas dê um salto, derrubando por terra a crença de que "pobre não compra seguro". A rede varejista Magazine Luiza, por exemplo, vendeu 3 milhões de apólices em 2007, na sua grande maioria garantia estendida. A corretora Marsh registrou 5 milhões de clientes das classes C, D e E em 2007. Segundo definição de Estienne, microsseguro é um seguro de baixo custo, trazendo coberturas básicas às pessoas de menor renda, geralmente excluídas da economia, com ganho mensal igual ou inferior a um salário mínimo. O microcrédito é praticamente indispensável para tirar essas pessoas de sua condição. Esse público geralmente tem como fonte de renda a solidariedade familiar, renda ocasional ou Bolsa Família. "O microsseguro é uma operação que dever trazer lucro, mas o primeiro objetivo é a difusão do seguro e a educação financeira básica", diz. O seguro popular abrange uma camada maior da população, entre um e cinco salários mínimos, estimada em 100 milhões de pessoas. Este público geralmente tem salário ou um trabalho autônomo de pequeno porte. Por terem renda regular, formal ou não, precisa de produtos individuais e familiares adaptados às suas necessidades. Nesta modalidade, o seguro tem de ser massificado, barato e simples. Aqui, por exemplo, se enquadraria o seguro popular para carros com mais de dez anos de uso, cujo alto custo hoje inviabiliza a compra pelo consumidor. A forma de distribuição tem de ser massificada, porém só os bancos não são a solução. É preciso usar o varejo, por exemplo. Dificilmente uma pessoa vai procurar alguém dentro do banco para comprar seguro. Para um financiamento, pode ser. Segundo ele, muitos exemplos no mundo mostram que o seguro de vida popular, por ser uma venda consultiva, só pode ser feita na casa do cliente ou no lugar de trabalho. "O Brasil precisa dos dois, do microsseguro e do seguro popular para manter o ciclo econômico virtuoso", frisa o especialista. Segundo ele, é vital para um País agrícola, trazer coberturas a populações esquecidas pelo sistema financeiro. "Uma seca, praga ou chuva demais pode acabar com o meio de sustento de muitas famílias", enfatiza. Já para outros segmentos da população de menor renda, o maior risco econômico pode ser a falta de luz, fogo, roubo. Além dos riscos de perda financeira que pode levar o micro negócio à falência, há o risco de doença, invalidez e morte. Isso pode significar no fim do sustento da família e do emprego dos funcionários. Para que o microsseguro acontecer na prática no Brasil, um país de economia social mista, poderia ser ofertado como uma PPP (Parceria Público Privada), financeira e social. Bancos estatais fariam parceria com ONGs e as seguradoras privadas desenvolveriam e ofertariam produtos adequados como o seguro funeral ou cesta básica, evitando que crianças sejam tiradas das escolas por falta de recursos. Já o seguro popular não tem um caráter assistencialista, sendo negociado apenas pela iniciativa privada. Para ambos, é preciso criar canais alternativos de venda. Para ele, a mulher tem um papel crucial neste processo de democratização do seguro. Com a revolução industrial, as mulheres japonesas forem vender seguro por dois motivos. As famílias precisavam de proteção e as mulheres ajudar na renda familiar. Hoje elas são as maiores vendedoras de seguros no Japão. Nos Estados Unidos, há 150 anos, as mulheres também foram as responsáveis pelo surgimento do seguro. Com as pestes, que mataram milhões de pessoas naquela época, se criou um seguro de três centavos de dólar por semana para indenizar os beneficiários de quem viesse a falecer por pragas, amenizando a difícil condição das famílias naquele momento. Estienne acredita que algumas seguradoras vão esperar o mercado mudar e outras vão ser criativas e inventar tradições novas para atingir as pessoas de menor renda. O Banco Mundial deverá apoiar as iniciativas, mas é preciso que haja boas iniciativas e profissionais preparados e treinados para operar", diz. Dentro desta filosofia, a Funenseg criou o curso "Seguro popular e microsseguro" em parceria com a Escola Nacional de Seguros e Resseguros da França, no Rio de Janeiro. (Gazeta Mercantil/Finanças & Mercados - Pág. 3)()