Título: Motivo político impediu o leilão de energia paulista
Autor:
Fonte: Gazeta Mercantil, 27/03/2008, Editoriais, p. A2

Pela terceira vez consecutiva o governo do Estado de São Paulo tentou vender em leilão de privatização a Companhia Energética de São Paulo (Cesp). A empresa é a terceira maior geradora do País, responsável por cerca de 10% da energia elétrica consumida no Brasil. O governo paulista contava com uma arrecadação de R$ 6,6 bilhões, que seriam investidos em obras de infra-estrutura, a primeira delas o Rodoanel, entre outros aportes em transportes públicos. A venda da Cesp era negócio que totalizava R$ 22,2 bilhões. Apenas para acionistas minoritários da empresa, se todos concordassem com a oferta pública de recompra das ações, seriam destinados cerca de R$16 bilhões, incluídos os custos da compra dos papéis do governo. O restante dos recursos do negócio seria destinado para as dívidas da empresa, que somam outros R$ 6 bilhões. No entanto, as cinco companhias identificadas previamente no leilão desistiram devido às incertezas relativas à renovação das concessões das hidrelétricas de Ilha Solteira e Juquiá, que vencem em 2015. Esse é o ponto que efetivamente inviabilizou o leilão da Cesp. Em 2015 vencem os contratos de 38 distribuidores e de inúmeros empreendimentos de transmissão. Esse quadro é tão amplo que afeta, inclusive, empresas federais, a começar por Furnas, afetando as estatais Copel e Cemig, dos governos do Paraná e Minas Gerais, respectivamente. Não renovar as concessões nessa data é o mesmo que decretar a paralisação dessas grandes empresas. A resistência do Executivo federal de pelo menos sinalizar pela renovação desses contratos já deve provocar sérios prejuízos, começando pela dificuldade dessas empresas de levantar empréstimos. Sem esquecer que essas companhias recebem avaliação externa e podem ser rebaixadas nas classificações de risco exatamente por essa incerteza. Nada disso preocupou o governo federal, solidamente convencido de que o sucesso da iniciativa do governo paulista poderia ter impacto relevante no cenário político nacional. Armado dessa certeza, deixou de ter importância para altas esferas decisórias do governo federal qualquer análise técnica. Os investidores externos, por sua vez, identificaram essa realidade de significativa instabilidade com clareza cristalina. E apenas não se arriscaram. O diretor de uma das empresas interessadas na Cesp, pertencente a um grupo português, justificou a retirada do leilão pelo aumento de risco, uma vez que as usinas que não foram renovadas representam 67% do valor da geradora paulista, afirmando que sua análise foi "apenas realista e não pessimista", já que o risco ficou alto demais. Outro participante foi ainda mais incisivo ao lembrar que o preço mínimo de R$ 49,75 por ação ficou inviável, quando mais de dois terços da capacidade geradora da empresa passaram a ter uma perspectiva incerta com a negativa de Brasília de ao menos sinalizar de modo favorável à renovação dos contratos. O quadro era tão preocupante que o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, chegou a dizer que avaliava a possibilidade de uma "brecha" na legislação para assegurar a prorrogação dos contratos, por mais duas décadas, mas depois, frente à mudança na posição do governo quanto ao leilão da Cesp, não mais se pronunciou quanto ao tema. Se a receita referente às duas usinas que ficariam sem contrato em 2015 fossem retiradas do valor do negócio, a taxa de retorno do novo controlador estaria assegurada apenas se o valor de cada ação despencasse para uma faixa entre R$ 36 e R$ 38 por ação. Como o governo paulista se recusou a baixar o preço da companhia na véspera do leilão, os participantes consideraram inviável o negócio. É obrigatório lembrar também que a resistência de São Paulo em aceitar outras estatais no leilão também teve peso na decisão federal de não sinalizar pela renovação do contrato de Ilha Solteira e Juquiá. Caso Brasília concordasse, existiriam possibilidades na legislação para resolver o problema da renovação dos contratos. Na verdade, o governo se aferra a um modelo elétrico praticado desde 2004. A questão essencial dessa recusa é política, porque neste modelo o que se privilegia é o preço da energia e não a expectativa de investimento. O que se pretende nesse modelo em vigor é punir o investidor, mantendo a estatização do sistema intocada. O chamado princípio da modicidade tarifária (misturando preço de energia antiga já amortizado com energia nova ainda mais alto) não seria ferido porque a Cesp já tem toda a sua energia contratada a partir de 2010, com contratos que vencem em 30 anos. Desse modo, não haveria risco de usar o custo baixo da energia velha de Juquiá e Ilha Solteira para amortizar os investimentos feitos na compra da Cesp. É pura perspectiva política que impediu o sinal de Brasília de renovação dos contratos depois de 2015 que permitiria o leilão. Quem pagará a conta dessa decisão é o consumidor, que precisa de energia. Sobre isso, os adeptos da eterna estatização do sistema elétrico brasileiro nada têm a dizer. (Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 2)