Título: Brasil engatinha em energia eólica, apesar dos bons ventos
Autor: Monteiro, Ricardo Rego
Fonte: Gazeta Mercantil, 27/03/2008, Infra-estrutura, p. C4

Rio, 27 de Março de 2008 - O Brasil é um dos únicos países do mundo com um regime de ventos capaz de gerar energia 24 horas por dia, durante 365 dias do ano. Mesmo assim, o País mantém, em pleno século 21, um parque eólico limitado a 237 megawatts (MW). Somente a título de comparação, nações como Alemanha, Espanha e Dinamarca dispõem de potência instalada acima de 10 mil e até 20 mil MW de energia dos ventos. Embora programas oficiais como o Proinfa tenham previsto a instalação de 1.400 MW dessa matriz até o fim deste ano, uma conjugação de fatores que inclui dificuldades de conexão à rede e metas irrealistas de conteúdo nacional mantêm a energia eólica com uma participação irrisória na matriz energética brasileira. Para se ter dimensão do desperdício brasileiro, o regime de ventos da Europa permite o acionamento das turbinas duas vezes por dia, pela manhã e à tarde. Tal limitação não impediu o continente de dispor de três países no clube dos cinco maiores produtores mundiais de energia eólica ¿ Alemanha, com uma potência instalada de 20.622 MW; Espanha (11.615 MW); e Dinamarca (3.136 MW). Mesmo a Índia, que também fez o dever de casa, dispõe hoje de uma capacidade instalada de 6.270 MW, o suficiente para assegurar a condição de quarto maior produtor mundial. Um dos grandes obstáculos para o desenvolvimento da matriz eólica no Brasil é a extensão territorial do País. Como o maior potencial encontra-se no litoral das regiões Nordeste e Sudeste, a implantação de parques eólicos precisa vir acompanhada de grandes investimentos em transmissão. Na maioria dos casos, os centros geradores localizam-se a distâncias entre 500 quilômetros e 1.000 quilômetros da região Sudeste, o principal mercado consumidor. "O problema é que o governo não investe na instalação de novas linhas que permitam a conexão das usinas ao sistema", reclama o diretor executivo da subsidiária brasileira da espanhola Iberdrola Renováveis, Hernan Saavedra Herrera, que há sete anos tenta, sem sucesso, instalar 2 mil MW de energia eólica no Brasil. "Por que o governo trabalha na licitação de linhas de transmissão para conectar as futuras usinas de bagaço de cana-de-açúcar, e não discute o mesmo para os projetos eólicos?" A medida, de acordo com Herrera, permitiria o barateamento do custo dos projetos. Caras por natureza, no início, as turbinas eólicas demandam quase sempre subsídios ou medidas de estímulo governamental para tornarem-se economicamente viáveis. Foi assim nos países que hoje dispõem de maior potência instalada no mundo, e deve ser assim no Brasil. Questionável do ponto de vista do contribuinte, o subsídio se justifica, no entanto, se levado em consideração o fato de que o consumidor brasileiro já paga caro para bancar, por exemplo, as caras e sujas usinas térmicas a óleo combustível, via Conta de Consumo de Combustíveis (CCC). Além disso, à medida que novos projetos sejam implantados, a tendência é que o custo desses projetos diminua. Se, do ponto de vista econômico, a energia dos ventos funciona como complementação a outras fontes na matriz energética mundial, tem potencial para reduzir o peso dos combustíveis fósseis na matriz energética brasileira. É o próprio Herrera que, em bom português, lembra o risco de não se implementar no País uma das fontes menos poluentes, ao citar o próprio Plano Decenal 2006-2015, elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), a estatal responsável pelo planejamento energético de longo prazo: "O Brasil, que hoje dispõe de 85% de fontes renováveis em sua matriz energética, pode chegar a 2015 com apenas 50%, como prevê o Plano Decenal do governo. Isso em plena era do aquecimento global", alerta o executivo. O diretor da Iberdrola Renováveis revela aquele que também tem se revelado um dos maiores obstáculos para a diversificação da matriz energética: a exigência de conteúdo nacional em um País que dispõe de um único fabricante de turbinas, a alemã Wobben Windpower. (Gazeta Mercantil/Caderno C - Pág. 4)()