Título: Protesto argentino continua e tira vantagem de frete do Brasil
Autor: Batista, Fabiana
Fonte: Gazeta Mercantil, 27/03/2008, Agronegócio, p. C9

São Paulo e Buenos Aires, 27 de Março de 2008 - Depois do radical discurso da presidente argentina Cristina Kirchner contra a greve dos produtores rurais do país, os líderes do movimento endureceram a posição e mantiveram durante todo o dia de ontem os bloqueios às estradas e portos argentinos, o que vai perdurar ainda por tempo indeterminado. No Brasil, são vistos, por enquanto, dois desdobramentos possíveis. Primeiro - e mais óbvio - é de que se o movimento perdurar, a Argentina - que é a maior exportadora mundial de óleo de farelo de soja - reduzirá venda externa desses dois produtos, lacunas que podem ser ocupadas pelo setor no Brasil. Menos positivo é a segunda conseqüência: os embarques de óleo de soja do Brasil podem precisar ser reprogramados. Isso porque parte das exportações brasileiras desse produto é feita em "parceria" com o navios que saem da Argentina, operação conhecida por "top-offs". "Os portos na Argentina não têm calado grande, assim, os navios saem do país vizinho com óleo de soja, mas para serem completados no Brasil. Essa é uma operação tradicional, feita há muitos anos e, extremamente competitiva para os dois lados", explica Sérgio Mendes, diretor da Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec). Se esse problema na Argentina perdurar, continua Mendes, esses navios não vão chegar aos portos brasileiros, o que vai demandar reprogramação de embarques e a perda dessa vantagem no preço do frete marítimo. Informações obtidas pela Anec de associações similares na Argentina não confirmam que houve paralisação das indústrias processadoras de soja até o momento no país. "Há estoque de grãos", acrescenta Mendes. Mas um trader brasileiro que atua na Argentina afirma que uma processadora parou por falta de matéria-prima. Não se sabe ainda que "plano B" as indústrias daquele país teriam para resolver a escassez de matéria-prima. "Para trazer o grão do Paraguai são entre 14 e 20 dias de barcaça. Não entra e não sai nada pelas estradas, que estão bloqueadas", avalia o trader, que prefere não se identificar. Da safra prevista de 47 milhões de toneladas de soja na Argentina, entre 90% e 95% são processadas no parque industrial do país. 1,5 milhão de t parados Milhares de agricultores argentinos mantinham ontem os bloqueios de estradas no 14 dia de uma greve agrária, após uma noite agitada com manifestações de apoio ao campo e contra a presidente Cristina Kirchner em Buenos Aires e cidades do interior. Os produtores agrícolas argentinos impediram que 1,5 milhão de toneladas em cargas de cereais e sementes oleaginosas fossem transportadas para os navios durante as últimas duas semanas, informou um grupo que representa os exportadores de cereais do país. Os navios não receberam as cargas ontem porque os produtores mantiveram as linhas de piquete nas processadoras e nos terminais portuários do rio Paraná, disse Alberto Rodriguez, presidente da Câmara Argentina de Óleo Vegetal e do Centro de Exportação de Cereais. "As atividades de algumas usinas de processamento estão suspensas desde domingo", disse Rodriguez ontem numa entrevista. "Se a greve continuar, não receberemos nada", disse Rodriguez. O governo da Argentina ameaçou usar a força para desbloquear estradas a fim de garantir que os produtos cheguem aos mercados do país. Essa ameaça surgiu no momento em que ganhava força a proposta de uma nova mobilização contra novos impostos planejados pelo governo. A presidente da Argentina, Cristina Fernández de Kirchner, enfrenta os maiores protestos antigovernamentais em mais de seis anos, à medida que os produtores agrícolas prometeram continuar com uma greve, e os moradores de Buenos Aires foram para as ruas protestar. O chefe de Gabinete, Alberto Fernández, criticou os produtores rurais e seus apoiadores, depois que milhares de manifestantes em um "panelaço" se reuniram em volta do obelisco na capital, e em frente ao palácio do governo, no início da manhã de ontem. Os protestos se estenderam pelo país, da cidade de Mar del Plata, na costa, para Tucuman, no norte. (Gazeta Mercantil/Caderno C - Pág. 9)(, AFP, Bloomberg News e Reuters)