Título: Atitudes coerentes geram empregos
Autor: Charles Holland
Fonte: Gazeta Mercantil, 15/09/2004, Opinião / Editorial, p. A-3

Nas eleições presidenciais passadas, o tema central dos candidatos era a criação de empregos. Enquanto um prometia 10 milhões, outro prometia 12 milhões. Ninguém explicava como. Muito menos agora.

Passados quase dois anos, pouca coisa mudou. Houve, sim, criação de mais de 1 milhão de empregos, principalmente na esteira do crescimento continuado das exportações. As perdas de empregos, nesse período, também expressivas, foram pouco divulgadas.

Durante o 10 Congresso Internacional de Governança Corporativa (ICGN), realizado em julho de 2004, no Rio de Janeiro, tive a oportunidade de trocar informações com Sean Harrigan, presidente de um dos maiores fundos de pensão, o California Public Employees Retirement System (Calpers).

O Calpers administra investimentos totalizando US$ 162 bilhões, o dobro em relação aos 335 fundos de pensão brasileiros, que administram investimentos de US$ 80 bilhões.

Estes valores demonstram o potencial de crescimento de poupança, investimentos produtivos, fundos de pensões, etc. no Brasil. O Calpers investe US$ 244 milhões no Brasil, com base na sua avaliação transparente e pública de riscos. Segundo seus critérios técnicos, amplamente divulgados, para ser um país elegível é necessário ter uma pontuação mínima de 2, num critério de 0 a 4. O Brasil tem hoje nota 2,04, ou seja, 0,04 acima do mínimo necessário.

Segundo Sean Harrigan, os melhores países em desenvolvimento chegam a obter pontuação de 3,2. Perguntei a ele o que o Brasil precisava fazer para ter uma nota 3 ou maior. Disse que era necessário adotar e praticar atitudes coerentes no País para firmar credibilidade e confiança.

No ano passado, ele teve uma audiência com o presidente Lula. Inquirido, explicou que mais investimentos dependiam da elevação da nossa nota de avaliação. Assim que melhorasse, o Calpers aumentaria os investimentos no Brasil.

Para exemplificar, mencionou que, se o Brasil adotasse as normas internacionais de contabilidade (NICs), haveria melhoria na qualidade, transparência e credibilidade na prestação de contas das empresas brasileiras. A adoção dessas normas elevaria a nossa nota junto ao Calpers.

Certamente, nosso presidente não tem condições de impor essa melhoria. Depende principalmente da união das entidades profissionais brasileiras, principalmente ligadas à contabilidade, e do mercado acionário para acelerar a adoção das normas internacionais de contabilidade, como a maioria dos países desenvolvidos fez ou está fazendo.

Em 1991, a equipe de técnicos, todos legítimos representantes das entidades contábeis e do mercado de capitais, coordenada pela CVM, elaborou e aprovou o projeto, versão final, de atualização contábil da Lei das Sociedades por Ações. Eles propuseram a adoção das NICs. A lei, na totalidade, foi atualizada desde então, exceto a parte contábil, ligada à prestação de contas de negócios.

Em 2004, continuamos discutindo a aceitação das NICs e adiando infinitamente uma decisão. Enquanto isso, amargamos há duas décadas baixos índices de investimentos produtivos, locais e do exterior.

A iniciativa mais importante para os atuais legisladores e governantes é melhorar a nota de avaliação de risco. Os critérios públicos de avaliações de risco do Calpers e de outros fundos são fontes inspiradoras para promovermos atitudes coerentes para estimular e reter investimentos.

Há dez anos Abílio Diniz, em situação quase concordatária, disse: "Se para ganharmos dinheiro precisamos mudar nossas atitudes, vamos ser humildes". Os resultados todos conhecemos.

Qual seria o ganho de credibilidade pela adoção no Brasil das normas contábeis internacionais e pela adoção de boas práticas de governança corporativa na maioria das empresas grandes? E qual seria o aumento na criação de empregos, investimentos, negócios, prosperidade, aumento de renda, etc., decorrentes da redução da criminalidade, morosidade da Justiça, gorduras do Estado e manutenção de direitos injustos assegurados pela Constituição de 1988?

É oportuno relembrar que a abolição da escravatura no Brasil foi objeto de resistência de muitos. Afinal, ter escravo no Brasil era um direito adquirido e assegurado na nossa Constituição. Graças a Deus, governantes e legisladores, naquela época, souberam atender aos anseios legítimos da sociedade como um todo.

Portanto, se nós quisermos criar 12 milhões de empregos, atrair investimentos do exterior e aumentar os investimentos produtivos, precisamos implantar programas formais para promover atitudes coerentes. Sem esses programas de melhorias, pouco progresso ocorrerá. Todos nós, 175 milhões de pessoas, temos bom senso. Por que não aprendemos a praticar o bom senso coletivo? E se atitudes coerentes objetivas e práticas trazem empregos, prosperidade e justiça social, por que estamos esperando para promover mudanças? E por que estamos adiando?

kicker: Investimentos internacionais dependem da melhora da nossa nota de avaliação