Título: Na educação, uma dívida que o País ainda não pagou
Autor:
Fonte: Gazeta Mercantil, 08/04/2008, Editoriais, p. A2

Sucessivas gerações de governantes brasileiros repetiram que educação era a prioridade de seus governos. A dura realidade dos péssimos resultados da educação nacional indica, no entanto, que até mesmo quando o País cresceu e ficou entre as dez maiores economias do planeta, com moeda estável, sequer na fatia orçamentária o Estado brasileiro foi sincero nas suas promessas de respeito à educação. Uma consistente evidência de que tudo sempre foi apenas discurso quanto à educação está no relatório Panorama da Educação 2007 Indicadores da OCDE, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, mostrando que o Brasil ocupa o último lugar entre 32 países quanto a investimento em educação. O País dedica a menor fatia do PIB nesse universo de comparação para educar sua gente e gasta a menor quantia em números absolutos por estudante do ensino fundamental entre 32 concorrentes, a maioria deles com economia bem menor que a brasileira. É claro, por outro lado, que no discurso e no texto da legislação o Brasil guarda a quase perfeição no que diz respeito às questões educacionais. Como bem lembrou a reportagem de Regiane de Oliveira, publicada ontem no primeiro número da série que a Gazeta Mercantil iniciou para responder por que a educação está tão deficiente, é indiscutível que "sobre assunto algum se falou tanto no Brasil e, em nenhum outro, tão pouco se realizou". Essas palavras, de Anísio Teixeira, autor do Manifesto da Escola Nova dos anos 1930, ditas na Assembléia Legislativa da Bahia há mais de 60 anos, só são menos graves do que a conclusão da frase: "Há cem anos, esvaímo-nos em palavras e nada fazemos. Atacou-nos por isso mesmo um estranho pudor pela palavras e um desespero mudo pela ação". Esse é o ponto que interessa: o que fazer para enfrentar o "desespero mudo pela ação"? Talvez o primeiro passo seja parar de mentir que evoluímos e que tudo melhorou. Os empresários, para citar um exemplo, conhecem muito bem a falência do sistema, uma vez que a mão-de-obra que bate à porta da empresa está tão despreparada para conviver com a modernidade tecnológica quanto está formalmente deseducada: levantamento da Confederação Nacional da Indústria mostrou que dos 7,8 milhões de operários que trabalham nas fábricas brasileiras, 4,8 milhões (61%) não têm a educação básica completa e 2,4 milhões (31%) não concluíram sequer o ensino fundamental. Educadores sérios também sabem que o quadro educacional é muito preocupante. Por exemplo, como mostraram os resultados do Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp), 71% dos alunos que concluíram o ensino médio no ano passado não sabem operações matemáticas básicas, como transformar uma unidade medida de metro para centímetro. Em outras palavras, não dominam o que deveriam saber na quarta série do ensino fundamental. Não é diferente em português: apenas 21% alcançou desempenho considerado adequado em formados do ensino médio. O governo federal não desconhece oficialmente o estado crítico da educação nacional. Na segunda semana de janeiro, a imprensa divulgou que estudo elaborado pela Secretaria Geral da Presidência da República, com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2006, do IBGE, mostrou que um entre cada cinco jovens entre 18 e 29 anos abandonou a escola antes de completar o ensino fundamental. Dos 34 milhões de brasileiros nessa faixa etária, 7,4 milhões não alcançaram sete anos de escolaridade. Entre esses há a inacreditável quantia de 813,2 mil analfabetos. E não se diga que esses jovens sem escola estão nos grotões do País: apenas 29% deles, 2,6 milhões, vivem na zona rural. A tarefa de mudar esse quadro é, obviamente, de todos: do governo, dos professores, dos pais, dos empresários, sem esquecer da mídia. Inúmeras pesquisas já mostraram que o papel dos pais é essencial na tarefa de educar. O esforço do educador é tão importante quanto o dos pais: o Saresp provou que alunos com lição corrigida pelo professor alcançaram pontuação bem melhor no exame. Aos empresários cabe algo mais do que exigir qualidade na educação pública: são ainda poucos os exemplos de educação formal corporativa da mão-de-obra. Quanto ao governo, como não cobrar uma política pública nacional que comece por definir um currículo nacional para que todos saibam o que o aluno de cada série deve saber? O Estado de São Paulo tem experiência bem-sucedida dessa normatização e se as corporações sindicais não gostam dela, é bom saber que os pais gostam, e muito, de conhecer o que o professor deve ensinar e os seus filhos aprender. Não há receita pronta em educação. Só é obrigatório deixar de ter o "desespero mudo pela ação", aquele que tanto preocupava Anísio Teixeira há bem mais de 60 anos. (Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 2)