Título: Como Bernanke lida com a crise de crédito
Autor:
Fonte: Gazeta Mercantil, 07/04/2008, Finanças, p. B2
7 de Abril de 2008 - O primeiro contato de Ben Bernanke com a política monetária foi quando leu as obras do prêmio Nobel Milton Friedman. Isso foi há 30 anos, quando Bernanke era um estudante de graduação no MIT. Desde então não parou de estudar tudo pertinente aos bancos centrais. Quando o presidente George W. Bush o nomeou para liderar o Federal Reserve, no final de 2005, Bernanke entendia mais sobre as operações de bancos centrais do que qualquer economista vivo. Bernanke defendeu idéias para melhorar a comunicação entre o Fed - cujo presidente anterior, Alan Greenspan, falava por meio de metáforas - e o público, na crença de que um aconselhamento mais claro sobre os objetivos da instituição ajudaria a suavizar o caminho da economia. E tendo dedicado grande parte de sua carreira ao estudo da Grande Depressão, Bernanke se tornou um especialista em como impedir que crises financeiras saíssem do controle e ameaçassem a economia em geral. Uma linha de "Essays on the Great Depression" (Ensaios sobre a Grande Depressão), parece até uma previsão sobre o momento atual: "Na medida em que o pânico bancário interfere com o fluxo normal de crédito, isso pode afetar o desempenho da economia real". Bernanke, que ocupou o cargo com uma simpática humildade - o desejo de ser menos um oráculo, como Greenspan, e mais um tecnocrata de discurso claro - enfrenta exatamente esse tipo de crise no momento. Desde o verão passado (junho/agosto), uma desintegração nos mercados financeiros conduziu a graves prejuízos no setor bancário, e por toda Wall Street. Apesar de ter escrito copiosamente sobre como lidar com tais situações, Bernanke até o momento se mostrou incapaz de reinjetar uma dose de confiança. Apesar de sua fé nos modernos modelos de prognósticos, não conseguiu prever que a súbita inadimplência dos proprietários de residências, fato que detonou a crise, teria um efeito tão abrangente. E a medicina monetária que prescreveu, incluindo algumas das mesmas ferramentas que detalhou com tanto carinho em sua pesquisa, ainda está para produzir uma reviravolta na situação. Ao mesmo tempo, a tentativa de Bernanke para melhorar o modo de o Fed se comunicar não alcançou seu objetivo, e como conseqüência, deixou os investidores confusos, em parte porque ele repetidas vezes mudou de rumo a respeito do futuro direcionamento das taxas de juros. Dizem que seu herói, Milton Friedman, alertou contra uma atitude indecisa do Fed, de "tolo no banho", que fica girando as torneiras da água quente e água fria sem chegar à temperatura certa. Bernanke se aproximou disso. Ainda pior, não conseguiu persuadir os investidores de que o Fed, criado em 1913 com o propósito definido de deter o pânico no mercado, está à altura da tarefa. "Bernanke está muito para trás", disse David Rosenberg, principal economista do setor norte-americano da Merrill Lynch, e um dos muitos críticos que mantêm a opinião de que o Fed não enfrentou a crise com vigor suficiente. Para Bernanke, atualmente com 54 anos, foi um aprendizado muito diferente do que teve no MIT. Entretanto existe também a teoria de que fez mais cosias acertadas do que erradas. A crise atual é uma ressaca em relação a meia década de especulações pesadas no setor imobiliário residencial e hipotecário, e não admite necessariamente um conserto apressado. Além disso, atingiu Bernanke na cabeça, assim como os preços do petróleo que alcançaram US$ 100 o barril, o dólar alcançando o nível mais baixo de todos os tempos frente ao euro, e a taxa de desemprego avançando. O próprio Greenspan disse que o volume de problemas que Bernanke enfrenta é muito pior do que qualquer crise que tenha enfrentado em seus 18 anos ocupando o cargo no Fed. Muitos analistas, incluindo Lawrence Summers, o ex-secretário do Tesouro, assim como um grupo pessimista de operadores na bolsa, alegam que os Estados Unidos já podem estar mergulhando na recessão. O avanço na taxa de desemprego, alimenta esses temores. A Casa Banca começou a falar sobre propostas de medidas de isenção e dedução de impostos. Em um discurso, Bernanke alertou que "os riscos de expectativa de perda para o crescimento se tonaram mais significativos", uma descrição mais sombria sobre a economia do que fizera anteriormente. Entretanto Bernanke também tem fortes razões para se preocupar a respeito de afrouxar demais as taxas. A inflação não caiu como o Fed esperava. (Na realidade, tem subido ultimamente). Além disso, as taxas de juros mais baixas induzem os estrangeiros a abandonar os investimentos em dólares, como títulos do Tesouro, voltando-se para moedas mais compensadoras. Portanto, qualquer corte nas taxas irá afetar o dólar. Nixon Talvez o último líder do Fed a enfrentar tais dificuldades como a inflação e a desaceleração do crescimento tenha sido Arthur Burns, que foi também o último acadêmico a deter esse cargo. O presidente Richard Nixon, preocupado que a alta taxa de desemprego fosse impedir sua reeleição em 1972, disse a Burns para se concentrar na recuperação da economia. "Ninguém jamais perdeu uma eleição por causa da inflação", disse-lhe Nixon confidencialmente. Burns obedeceu. Como resultado, houve uma inflação descontrolada, prova do insucesso de Burns. Bernanke sabe que tem um poder de influenciar tão grande quanto Burns - o que significa que possui uma profunda capacidade para afetar o cenário político neste ano. As pesquisas mostram que a economia é, no momento, o tópico mais importante para os eleitores nas eleições presidenciais (mais que a guerra). Uma recessão significará um claro repúdio à política de Bush e, por extensão, ao Partido Republicano. Entretanto os que conhecem Bernanke dizem que ele não é motivado pela política. "Ele quer ser conhecido como um grande líder do banco central", informou Mark Gertler, seu grande amigo e professor de economia na Universidade de Nova York. "Aqueles com as piores reputações são os que ajudaram os políticos." "Creio que Bernanke enfrenta uma situação muito difícil", disse Paul Volcker, que foi o chefe do Fed antes de Greenspan, e que derrotou, a duras penas, a inflação dos anos 1970 e início dos 1980. (Volcker foi presidente de 1979 a 1987). "Muitas bolhas continuaram por muito tempo", acrescentou. "Na verdade, o Fed não está no controle da situação." No último outono (setembro/novembro), quando os mercados e, de vez em quando, o mundo inteiro pareciam desmoronar em volta de Bernanke, encontrei-me com ele em seu gabinete para uma conversa totalmente informal. Sentamos em frente a uma mesinha de café, de onde eu podia ver a tela de seu computador com o site da Bloomberg News, alguns documentos emoldurados sobre os primórdios do Federal Reserve, o diploma de nomeação de Bernanke outorgado pelo presidente Bush, e prateleiras de livros sobre economia. Voltei para uma segunda visita um mês mais tarde para almoçar em sua sala de almoço particular (Bernanke pediu peru e legumes no vapor), e depois, por sugestão dele, tivemos mais uma conversa, a terceira e última, dessa vez pelo telefone. Bernanke tem um ar sério, próprio de um estudioso que esperava realizar uma carreira completa como acadêmico. É tímido e parecia pouco à vontade quando nos encontramos, cruzando os braços de modo defensivo enquanto conversávamos; sua mão tremia ligeiramente quando me entregou um de seus livros. Respondia as perguntas sem emoção, mas com uma torrente de palavras muito bem escolhidas. "Tem sido uma situação econômica desafiadora", garantiu, "e também existem muitos problemas difíceis e persistentes no mercado de crédito. Entretanto, tenho a vantagem de possuir uma comissão excepcional - a Comissão Federal de Mercado Aberto - e um apoio forte de minha equipe, e creio que estamos dominando e compreendendo bem a situação." Por trás da modéstia e franqueza de tais comentários, Bernanke é extraordinariamente pensativo, mas também otimista. Mais tarde reconheceu a severidade da crise das hipotecas de alto risco (subprime), que se intensificou quando os bancos europeus vivenciaram problemas de crédito em agosto. Desde então Bernanke lidou com isso com tenacidade e criatividade. Com mais de 1 milhão de consumidores enfrentando a possibilidade de execução hipotécaria no próximo ano, Bernanke irá precisar de toda a sua capacidade e mais. "Todo diretor de banco central passa por algum tipo de teste", disse Stanley Fischer, diretor do Banco de Israel e conselheiro da tese de Bernanke no MIT. "Em geral, os deuses são misericordiosos e dão esses testes logo no início." O teste de Bernanke parece bem difícil. O Fed enfrenta ameaças distintas - a aparente desaceleração da economia frente ao pânico de médio e curto prazo que fez com que os credores (bancos e investidores) reduzissem as linhas de crédito, afetando os bancos e outras instituições que dependem dos empréstimos de curto prazo. Para dirimir a crise imediata, o Fed tornou o crédito mais viável por meio da chamada "discount window" (empréstimos de liquidez segundo a taxa de desconto), quando empresta para os bancos privados. Entre outras coisas, o Fed é um banco - na verdade, um grupo de bancos com filiais em todo o país. Realizar empréstimos do tipo "discount window" é uma maneira do Fed satisfazer sua outra missão, de ser o banco do último recurso em tempos de crise. O Fed tem duas missões formais codificadas por lei: promover o "nível máximo do emprego" (portanto, é seu dever prevenir recessões) e, evidentemente, manter um poder aquisitivo estável, o que costuma ser interpretado como manter a inflação em um patamar tolerável. Há uma convicção em geral de que o Fed tem amplos poderes sobre a economia em si. É uma impressão exagerada pelos pronunciamentos délficos de Greenspan (uma figura tão imperscrutável devia puxar todos os cordéis, ou pelo menos as pessoas se sentiam tentadas a imaginá-la assim). Como observa Bernanke, o público tem grandes expectativas quanto ao que o Fed pode fazer. Na realidade, o banco tem muito pouca influência sobre a maior parte dos fatores que fazem pulsar a economia, como a melhoria da produtividade, os níveis de educação ou a tendência dos preços das commodities, e assim por diante. O maior poder que o Fed detém é o de controlar a base monetária. Podemos imaginar o Fed como o banqueiro no jogo Banco Imobiliário. Em geral, o jogador ganha US$ 200 quando passa pela casa "Siga", mas quando as condições econômicas entram em crise, o Fed pode dar um empurrão à economia - como, por exemplo, subir a quantia ganha na casa "Siga" para US$ 300. Ora, se os preços das casinhas e dos hotéis aumentarem depressa demais, o banco pode reduzir a oferta de dinheiro. Evidentemente, na realidade o Fed não oferece dinheiro. Sua principal alavanca monetária é a chamada taxa dos fundos federais, que os bancos privados cobram entre si pelos empréstimos overnight. Durante a era Volcker, o Fed conduzia a política acrescentando ou retirando dinheiro até que o total das reservas bancárias e das contas correntes (o que costuma ser entendido como "base monetária") chegasse a um patamar desejado. Mas com a introdução de inovações no sistema financeiro, como as contas de redesconto, as linhas divisórias entre "dinheiro" e outros ativos financeiros ficaram um tanto indefinidas, e ficou difícil calcular a base monetária. Greenspan modificou a metodologia do Fed. Agora, o banco se limita a monitorar a taxa de juros. Se quiser reduzir a taxa, por exemplo, continuará acrescentando liquidez até que os bancos reajam reduzindo as taxas do overnight ao patamar previsto. Nos primeiros anos do novo século, Greenspan baixou a taxa dos fundos federais para 1%, deixando-a excepcionalmente baixa. Taxas baixas eram em parte uma tentativa de reanimar a economia depois do fiasco das empresas pontocom. Entretanto, evidenciando como uma bolha aparentemente gera outra, o corte da taxa estimulou consideravelmente o setor de habitação. Como as hipotecas com taxas ajustáveis são determinadas pelas taxas de juros de curto prazo, taxas menores prepararam o caminho para a explosão deste tipo de hipotecas, as mesmas cuja inadimplência, ultimamente, adquiriu ritmo epidêmico. Quando Bernanke foi indicado chairman do Fed, muitas pessoas não previam um colapso. Ele foi facilmente confirmado e seguiu em frente com um de seus principais projetos: dar mais transparência para o Fed. O banco central agora emite relatórios com mais freqüência, e mais minuciosos, sobre a economia. Mas ele aprendeu que "transparência" é uma virtude com duplo sentido. Poucos meses depois de ser confirmado, em fevereiro de 2006, no jantar anual de correspondentes na Casa Branca, ele disse à âncora do canal CNBC, Maria Bartimoro, que os mercados interpretaram mal seu depoimento na Casa Branca como favorável a soluções pacíficas. Quando seus comentários vieram a público, registrou-se queda nos mercados de ações e bônus. Desde então, o presidente mede mais suas palavras, mesmo entre seus amigos. Prognóstico O colapso do setor imobiliário resiste ao poder de previsão dos 220 analistas econômicos, computadores e tudo o mais. Em maio, Bernanke fez um discurso no qual disse que "o impacto dos problemas no setor subprime sobre o mercado imobiliário mais amplo seria provavelmente limitado". Foi tudo menos isso. Os bancos admitiram perdas relacionadas aos ativos lastreados em hipotecas subprime, ou de alto risco, de bilhões de dólares, e a extensão plena do estrago, à medida que os proprietários dos imóveis continuavam inadimplentes, não é conhecida., já que a crise se expandia no segundo semestre do ano passado, Bernanke repetidamente se via diante de uma escolha do diabo. Ele poderia reduzir as taxas de juros e correr o risco de aumentar a inflação e provocar a corrida ao dólar e, ao mesmo tempo, ser visto como prestando socorro a pessoas e instituições que fizeram péssimos investimentos apostando nos ativos lastreados em hipotecas subprime. Ou ele poderia fazer nada e correr o risco de os problemas no mercado imobiliário se infiltrassem na economia geral, fazendo as pessoas perderem seus empregos e causando uma possível recessão. Nenhuma decisão podia ser tomada em isolamento, já que cada ação seria refletida na sala de espelhos. E levaria tempo para conhecer o efeito de cada decisão porque, como Bernanke nunca cansa de dizer, a política monetária trabalha com dispositivo de retardamento. A Fomc só pode saber depois do fato se agir certo ou errado. Mas dará certo agora? O Fed enfrenta não só os demônios de recessão e inflação mas também o fantasma de que os cortes adicionais nas taxas de juros farão os investidores estrangeiros caírem fora, fazendo as taxas de juros americanas dispararem. Isso, combinado com a cada vez mais grave crise imobiliária, pode compor uma longa e desagradável recessão. (Gazeta Mercantil/Finanças & Mercados - Pág. 2)(Roger Lowenstein/ New York Times - Roger Lowenstein é autor de "While America Aged", que será publicado pela Penguin Press.)