Título: Quando elas foram às ruas
Autor: Rizzo, Alana
Fonte: Correio Braziliense, 18/04/2011, Brasil, p. 6

Um muro perto da rodoviária de Belo Horizonte certa vez apareceu pintado com uma frase emblemática ¿Quem ama não mata¿. Foi em 1980, ano em que o Brasil ainda vivia sob o comando de um general. A frase mexeu com a tradicional família mineira. Era uma resposta ao assassino da mineira Ângela Diniz, Doca Street, que alegava ter matado por amor, e também às mortes de Eloísa Ballesteros e Maria Regina dos Santos Souza Rocha, ambas assassinadas pelos maridos. Uma porque queria a separação. A outra por ter se tornado independente.

Rapidamente vários outros muros começaram em surdina a ser pintados com o que poucos meses depois viraria o slogan de um dos mais importantes movimentos em repúdio à violência de toda a sorte praticada contra as mulheres. Violência que três décadas depois ainda persiste em todo o Brasil mesmo com a vigência da Lei Maria da Penha.

¿O movimento mudou a cara do Brasil no que diz respeito às políticas públicas voltadas para as mulheres. Estimulou, em todo o país, um processo contínuo de transformação em prol da defesa dos direitos das mulheres¿, avalia uma das participantes do movimento, a jornalista e escritora Beth Fleury. É de sua autoria um dos poemas declamados no adro da Igreja de São José, o santo protetor da família, localizado bem no centro de Belo Horizonte. ¿Somos os seres amputados, somos as canecas de barro, o jarro, o vaso, que de tristeza não demora a transbordar¿, diz um trecho do poema.

Beth, que hoje é coordenadora adjunta do Comitê Pró-Equidade de Gênero da Fundação Osvaldo Cruz, até hoje se emociona ao lembrar do ato que marcou a atuação do movimento. Carregando velas e vestidos de preto e roxo, cores do luto, um grupo de mulheres se reuniu na Praça da Liberdade e seguiu em passeata, em pleno Regime Militar, em direção à Igreja São José. Começou às 17h com a leitura de um discurso forte e corajoso da jornalista e feminista Miriam Chrystus.

¿Porque já é tempo de acordarmos. De sabermos que a velha divisão entre os sexos, colocando homens e mulheres em campos opostos, não traz proveito a ninguém. A não ser para aqueles que são hoje os donos do poder. A continuarmos na nossa submissão milenar que nos foi ensinada, marcada a ferro e a fogo, significa que sempre seremos as primeiras a ser despedidas no momento de crise econômica, que não lutaremos pelas creches a que temos direitos, significa que aviltaremos com nossa submissão toda profissão para a qual nos dirigimos¿, dizia um dos trechos do manifesto. ¿Porque as novas ideias só criarão raízes quando as crianças as beberem, misturadas ao leite materno", finalizou Miryam, logo no início do ato.

O impacto foi grande. ¿Imagina em plena ditadura, um grupo de mulheres protestando em plena Igreja São José contra a opressão e violência praticada pelos maridos¿, relata Beth, que continua na militância pelos direitos das mulheres.