Título: Perda com a crise chega perto de US$ 1 trilhão
Autor: Exman, Fernando
Fonte: Gazeta Mercantil, 09/04/2008, Internacional, p. A14

Apesar do otimismo do governo brasileiro, relatório divulgado ontem pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) aponta as vulnerabilidades do Brasil e de outros países em desenvolvimento em relação às turbulências financeiras geradas nos Estados Unidos - como o fortalecimento do real. As preocupações têm explicação: a estimativa da instituição é que a crise cause perdas agregadas de US$ 945 bilhões. O montante refere-se aos efeitos negativos sobre os preços dos imóveis, o não pagamento de hipotecas e danos nos segmentos de crédito a pessoas físicas e jurídicas. Só os estragos nos dois primeiros fatores somarão US$ 565 bilhões. Se as avarias atingirem instituições financeiras não bancárias, como seguradoras, os estragos serão ainda maiores. Investimentos privados serão cortados, preços de ativos cairão e os balanços corporativos se deteriorarão. Como resultado, a produção e as vagas de trabalho diminuirão. Segundo o Relatório da Estabilidade Financeira Global, que faz parte da série de estudos divulgada antes da reunião ministerial anual do Fundo, "está claro que a atual crise é mais que um simples evento de liquidez. Revela profundas fragilidades e fraquezas, o que significa que seus efeitos devem ser mais amplos, profundos e prolongados". Para o FMI, a crise já ultrapassou a fronteira do segmento de alto risco do mercado de crédito imobiliário americano. Está chegando aos empréstimos de menor risco de inadimplência concedidos aos consumidores finais e a empresas. Além disso, devido a falhas no sistema de gestão de riscos, instituições financeiras de outras regiões começam a ser afetadas. "É muito difícil dizer a distribuição geográfica da crise", comentou Peter Dattels, chefe da Divisão de Monitoramento de Mercado Global e Análise do Departamento Monetário e de Mercados de Capitais do FMI. Já no caso dos países em desenvolvimento, destaca o documento, uma das vulnerabilidades é a possível falta de liquidez internacional. Sofrerão mais os países que apresentam grandes déficits no balanço de conta corrente e aqueles que recebem financiamentos externos para impulsionar o crédito doméstico. Além disso, complementou o FMI, a redução do volume de recursos disponível no mundo deve prejudicar os títulos públicos e os mercados acionários de Brasil, México e Rússia. Entre os países emergentes, o Brasil é um dos principais destinos dos investidores estrangeiros. O FMI pondera que o mercado de crédito brasileiro cresceu em grande parte devido ao aumento dos depósitos domésticos, e não por causa de financiamentos estrangeiros. Depois de apresentar saldos positivos nos últimos anos, entretanto, o Brasil deve passar a registrar déficits na balança de conta corrente. As expectativas de analistas de mercado captadas pelo Banco Central (BC) são de saldos negativos de US$ 12,1 bilhões e US$ 13,9 bilhões neste ano e em 2009, respectivamente. Não bastasse, o organismo multilateral cita o continuado fortalecimento do real como uma fragilidade. No ano passado, só a alta registrada pela lira turca em relação ao dólar foi maior do que a do real. A moeda brasileira valorizou-se 20% em 2007, contra 21,1% da lira turca. A queda do dólar frente o euro foi de 1,6% no período. "Os países emergentes têm ido bem, mas precisam de políticas que atuem contra essas vulnerabilidades", comentou Jaime Caruana, diretor do Departamento Monetário e de Mercados de Capitais do FMI. Segundo o FMI, os países que dependem de financiamentos externos precisam implementar planos de contingência que reduzam essa exposição. Assim, conseguirão reduzir o impacto de uma eventual diminuição da liquidez internacional.Já o desafio dos países desenvolvidos é agir de forma imediata a fim de mitigar incertezas e aumentar a confiança no sistema financeiro. Para tanto, o FMI endereçou recomendações a empresas e ao setor público. A iniciativa privada tem de aumentar a transparência do mercado e fortalecer as estruturas de governança. Se a interação entre diferentes instituições for ampliada, explicou a instituição, a gestão de riscos será aperfeiçoada. O Fundo sugeriu também que as instituições recuperem lastro financeiro, o que as ajudará a ter mais capacidade para enfrentar novos solavancos do mercado. "Elas devem se recapitalizar, mesmo que o custo de se fazer isso pareça alto", sublinhou o relatório. Outra proposta foi a revisão do sistema utilizado pelas agências de classificação de risco, que não agiu de forma eficaz para evitar a crise. Já as propostas ao setor público foram incentivar a transparência e assegurar a redução das discrepâncias de avaliação de risco entre diferentes grupos financeiros. O FMI cobrou ainda uma maior pró-atividade e mais fiscalização. Ponderou, entretanto, que se deve evitar uma corrida desenfreada rumo à regulação. Tal movimento poderia aumentar ainda mais o aperto do crédito, alertou. "A regulação não pode substituir a gestão de riscos do setor privado", disse Caruana. (Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 14)()