Título: A grande barreira para o esforço exportador do País
Autor:
Fonte: Gazeta Mercantil, 10/04/2008, Editoriais, p. A2

As dificuldades do governo brasileiro para alcançar a fatia de 1,5% do comércio internacional com exportações curiosamente não estão nem na esfera da produção, nem na opção dos compradores pelas mercadorias nacionais. A maior barreira para o País atingir essa meta está no próprio governo, uma vez que seus funcionários que trabalham nos portos, aeroportos e fronteiras fizeram 442 dias de greve entre 2005 e 2007. Em três anos, servidores públicos locados na Receita Federal, órgãos de proteção ao meio ambiente, Marinha Mercante e até técnicos da vigilância sanitária completaram um ano e dois meses de paralisação. Nenhum dos concorrentes da economia brasileira no mercado internacional enfrenta um problema dessa natureza. Os fatos que cercam esses 14 meses de greve indicam um processo de absoluta leniência por parte das autoridades governamentais. De acordo com os dados oficiais, só os fiscais da Receita Federal ficaram 124 dias parados em 2005, 201 dias em 2006 e mais 118 no ano passado. Já os auditores do mesmo órgão interromperam o trabalho por 77 dias em 2005, 66 no ano seguinte e, em surpreendente exceção, por apenas um dia em 2007. Porém, enquanto ainda não terminou o primeiro quadrimestre de 2008, já são 22 dias de greve. Os resultados dessa parede antiexportação são impressionantes. O Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp) estima que só no porto de Santos e nos aeroportos paulistas de Cumbica e Viracopos a quantidade de cargas retidas já ultrapassa R$ 450 milhões. A situação é tão crítica e sem controle que até mesmo as decisões judiciais, com as liminares obtidas para liberar material importado que paralisa linhas de produção ameaçando milhares de empregos, não são inteiramente obedecidas. O quadro é tão complicado que, apesar das liminares concedidas, muitas empresas preferem não exercer o direito concedido por temerem futuras represálias dos funcionários, principalmente no porto de Santos. As estimativas da entidade indicam que menos de 20% das empresas exigiram o cumprimento da decisão judicial. Não há dúvida de que até mesmo a Justiça é desobedecida pelos grevistas em São Paulo. A situação é igualmente grave no restante do País. No porto de Paranaguá, a greve dos auditores já reteve cerca de R$ 1 bilhão em cargas. É claro que a paralisação não causa prejuízos apenas nos portos e aeroportos. Nas 14 áreas de fronteira, estão parados mais de 10 mil caminhões com as mais variadas cargas, especialmente matérias-primas. A Associação Brasileira de Transportes Internacionais (ABTI) já contabilizou 900 caminhões parados apenas no terminal aduaneiro do porto seco de Uruguaiana, no Rio Grande do Sul, o maior porto seco brasileiro. A entidade calcula que o prejuízo, incluindo empresas de transporte, exportadores e importadores, ultrapasse R$ 10 milhões, considerando só os gastos com os caminhões parados. Segundo as estimativas do setor, um caminhão que em média gastava 12 horas para cruzar a fronteira, depois da greve fica no mínimo seis dias parado. A solução da greve, apesar de todas essas perdas, está distante. Essa paralisação, organizada pelo Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal, que reivindica equiparação salarial dos auditores a outros funcionários públicos, em especial com cargos da Polícia Federal, foi motivada pela exigência de aumento salarial de 42%. É preciso saber que um auditor da Receita Federal ganha inicialmente R$ 13.230 mensais. Sobre esse salário devem ser observado todos os demais benefícios do funcionalismo público, como qüinqüênios e abonos especiais, sem contar a estabilidade e a aposentadoria integral. A greve exige que o salário base do auditor passe para R$ 19.140 mensais. Convém ter sempre presente que tais salários estão muito distante da média das remunerações no setor privado para o mesmo perfil de profissional. Consultorias especializadas estimam que esse mesmo profissional, com a titulação e experiência que tem, na iniciativa privada não alcançaria faixa salarial superior a R$ 6 mil. Isso, para jornada de trabalho bem superior à exigida no serviço público. O argumento de que a greve dos auditores causará grande prejuízo à credibilidade do País no mercado internacional, provavelmente não sensibiliza estes grevistas. Mercadorias retidas em portos e aeroportos implicam descumprimento de contrato, o que atinge principalmente a confiança do comprador nessas empresas. Cada contrato perdido significa emprego e renda perdidos pelo trabalhador brasileiro. O governo federal mantém atitude de distância com a greve, com o Ministério do Planejamento informando que espera encontrar uma solução "nas duas próximas semanas". Nenhuma empresa privada suportaria tal espera. A não ser que tivesse o déficit público para alimentar sua paciência. (Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 2)