Título: Quero governar a Bahia
Autor: Seabra, Marcos
Fonte: Gazeta Mercantil, 11/04/2008, Politica, p. A8

São Paulo, 11 de Abril de 2008 - Um dos principais projetos do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o centenário plano de transposição do rio São Francisco, está praticamente nas mãos de um só homem: Geddel Vieira Lima, ministro da Integração Nacional. São R$ 4,5 bilhões em investimentos na construção de canais, sistemas de adutoras, barragens, saneamento básico e fornecimento de água, além de recuperação ambiental nas regiões mais inóspitas do Nordeste. O ministro, como outros tantos, já foi um crítico ferrenho do projeto, mas mudou de idéia, provavelmente um pouco antes de ser indicado por seu partido, o PMDB, para ocupar a pasta. Enquanto toca a obra, Vieira Limal encaminha o seu projeto pessoal, conseguir o governo do estado da Bahia, sua terra natal. Para tanto - e ele não nega -, o Ministério da Integração Nacional serve como plataforma de lançamento. Desde que assumiu a pasta, em março de 2007, Vieira Lima praticamente triplicou os recursos liberados para municípios baianos em relação aos doze meses anteriores. As confessas intenções políticas do ministro da Integração passaram, também, por uma intensa movimentação política na Bahia e em estados vizinhos. No ano passado, Vieira Lima conseguiu adesão de dezenas de prefeitos - principalmente do DEM - ao PMDB. Inimigo visceral do clã Antonio Carlos Magalhães, o ministro ocupou com maestria o vazio político deixado com a morte do senador baiano. Veja a seguir os principais pontos da entrevista exclusiva concedida por Gedde| Vieira Lima à Gazeta Mercantil. Gazeta Mercantil - O seu ministério, apesar de não ser o único, está liberando recursos para municípios flagrados em irregularidades pela CGU em convênios... Os recursos aqui são liberados com um enorme trâmite burocrático que culminam na constatação se um município está apto ou não para receber recursos. Se ele está apto e as exigências de ordem legal foram cumpridas , libera-se o recurso até porque a eventualidade de um convênio estar sendo questionado em relação a um gestor e se aquilo não levou para o impedimento global do município conveniar com a União o que vai impedir de se atender uma demanda que não é do prefeito, mas da população?. Eu não libero recursos para atender prefeito A ou B, eu atendo aqui projetos e não sei nem quem é o prefeito. Gazeta Mercantil - Mesmo que a CGU tenha constatado irregularidades? Pode ser emenda parlamentar com restos a pagar... Gazeta Mercantil - Mas não há uma política que possa impedir essas liberações? A política que pode é a seguinte: se o município está inadimplente, não pode repassar. Ou o município está suspenso porque o gestor está com a conta rejeitada com uma ordem expressa para não repassar. Gazeta Mercantil - Então alguém tem que determinar que não pode liberar? Evidente, até porque a CGU é órgão de apuração, eles apenas constatam supostas irregularidades. Além do quê, por exemplo, está chovendo lá na Paraíba, a barragem está cheia. Um município está no Tribunal de Contas e estou impedido de repassar recursos, mas a barragem está lá para explodir. Como é que eu faço? Cada caso é um caso. Dos recursos de uma emenda de deputado, o prefeito prestou conta e, na hora de receber a segunda parcela foram lá e fiscalizaram a obra que está em andamento. Se existe um questionamento que não é deste gestor ¿ prefeito ¿, mas é de seu antecessor, existe um questionamento que não é conclusivo e que não foi o suficiente para colocar o município na inadimplência de qualquer órgão. Que critério posso ter em não liberar recursos? Um município que tenha no TCU qualquer tipo de suspeita levantada, confirmada e comunicada a nós imediatamente eu suspendo a liberação. Gazeta Mercantil - No seu período como ministro, pouco mais de 12 meses, o senhor praticamente triplicou as liberações de recursos para a Bahia em relação aos 12 meses anteriores... Absolutamente natural, afinal eu sou ministro da Bahia. Se eu não puder trabalhar com o meu estado afinal para quê eu sou ministro? Aliás, acho pouco, deveria trabalhar mais. Tudo o que eu puder levar para a Bahia eu vou levar, não há nenhuma discriminação a outro estado. Tem estados que aqui no ministério, inclusive menores, recebem mais do que a Bahia. Se essa é uma crítica, coloque na primeira página. Gazeta Mercantil - O senhor gostaria de ser governador da Bahia? ...eu lhe responderia que sim. Se perguntar se essa é uma obsessão, eu lhe direi que não. Se não for governador da Bahia, encontrarei outros mecanismos para servir ao meu estado. Em determinado momento posso ser candidato, e não posso lhe responder com certeza por que vai depender das circunstâncias. Ao longo da minha história e da minha biografia não vão encontrar palavras como quebra de compromisso, traição e felonia. Portanto, eu saberei identificar a hora se o destino me reservar essa posição. Mas que eu gostaria, gostaria. Gazeta Mercantil - Um dos principais projetos do governo Lula está nas mãos de seu ministério, a transposição do rio São Francisco. Qual é, afinal, o conceito desse projeto? O principal conceito é a segurança hídrica que, por sua vez, se encaixa dentro de um conceito mais amplo - e aí louve-se o presidente Lula que trouxe para a agenda nacional uma discussão que estava absolutamente abandonada - que é a questão do desenvolvimento regional. Salvo aquele período em que o Celso Furtado, durante o governo do Juscelino Kubitschek criou a Sudene (Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste) e mais alguns espasmos na década de 80. Em fevereiro de 2007, o presidente criou a política de desenvolvimento regional. Esse projeto, como outros que estamos fazendo aqui com a Secretaria Nacional de Desenvolvimento Hídrico está dentro desse conceito de uma política de desenvolvimento regional. Gazeta Mercantil - A transposição serve para combater a pobreza? A questão e o conceito de desigualdade regional não estão atrelados à pobreza. Pobreza existe em qualquer lugar. A pobreza individual é combatida com políticas públicas sociais, como o Bolsa Família, por exemplo. O conceito de desenvolvimento regional está atrelado a território e é isso que está se tentando fazer e é onde entra o projeto do São Francisco. Gazeta Mercantil - O senhor argumenta que a transposição irá trazer desenvolvimento econômico? A região do semi-árido setentrional que está completamente à margem do crescimento, gerando outro fenômeno que identificamos nesta questão do desenvolvimento regional que é o fluxo migratório para as grandes cidades. Percebemos o retorno ao campo, um fluxo inter-regional. As cidades médias passaram a receber o fluxo migratório dos pequenos municípios e de populações dispersas do Nordeste mais profundo. Com a transposição e a segurança hídrica poderemos fixar o homem ao campo. Gazeta Mercantil - Haverá segurança para os empreendimentos privados? No sentido empresarial teremos segurança hídrica para que os empreendimentos geradores de empregos, capazes portanto de gerar renda para as pessoas em projetos de irrigação, indústria e tantos outros, tenham certeza que aquela região, de solo fértil e infra-estrutura em construção terão também o que a natureza lhes negou, a água. Esse é o conceito. Gazeta Mercantil - É possível identificar regiões onde vão surgir as oportunidades? Onde o projeto estiver atendendo. No agreste pernambucano, Cariri paraibano, no Rio Grande do Norte e no Ceará. Serão os quatro estados contemplados com esse projeto. Gazeta Mercantil - Algum interesse empresarial já foi manifestado? Evidentemente devem ter interesses latentes, mas isso seria muito antecipado. Mas é natural que os empresários de diversos setores se interessem. É claro que há outras expectativas, além daquela prioritária estabelecida na proposta de eliminar de uma vez por todas o problema de oferta de água para beber para as pessoas e os animais, aumentando, inclusive, a possibilidade de se estabelecer uma rede de distribuição ampla naquela região. Gazeta Mercantil - Quem vai gerir a água? Você tem um açude, o Armando Ribeiro Gonçalves, ele tem uma capacidade para 2,4 bilhões de metros cúbicos de água. Quanto disso é realmente aproveitável? Naquela região você perde de 70% a 75% com evaporação. A sua alternativa é manter a lâmina sempre completa, o açude sempre cheio para a sobrevivência à seca do outro ano. Mas corremos dois riscos: você perde com certeza 75% da água com evaporação ou você vai perder água para o vertimento. O açude não pode ficar em ponto de espera por medo da seca, sob o risco de romper ou verter e a água ir para o mar. Então o conceito do projeto é chegar em uma "armando ribeiro gonçalves" e criar uma torneira de forma que se possa utilizar a água por decisão e critério do gestor naquele estado. Que aliás vai pagar por ela para o consumo humano. Se não chover, com três ou quatro anos de seca, depois de encher você tem a garantia de que a população não vai morrer de sede e sua plantação não vai se estropiar. Esse é o conceito do projeto. Gazeta Mercantil - O debate sobre a obra foi politizado? O debate foi muito contaminado. Essa agitação não cola pra mim. Eu já disse claramente no Senado, Dom Cappio (Frei Luiz Cappio que chegou a fazer greve de fome contra o projeto de transposição) e outros insistem nisso por má fé. O projeto é de uso múltiplo de água. Não tem o que discutir. A prioridade é o uso humano e o abastecimento de animais. Eu uso sempre o argumento de que não existe ninguém que viva sem beber água, mas também não conheço ninguém que viva só bebendo água. O sujeito precisa de emprego, de expectativa de vida, precisa de esperança de futuro, possibilidade de arrumar emprego para seus filhos, seus netos. Não tem mais o que discutir. Essa questão não está mais em discussão. A prioridade agora é a obra civil, encontrar o modelo melhor de gestão, colocar os governadores em entendimento e estudar um modelo de gestão para a água. Gazeta Mercantil - O Banco Mundial vai ajudar? Ao contrário do que dizem, o que o Paulo Souto (ex-governador da Bahia que é contra o projeto de transposição) dizia muito é que o Banco é contra a transposição. Isso não é verdade. Apenas foi um projeto que não submetemos a um financiamento, assim como outros projetos. Você não fica submetendo projetos ao banco como se ele fosse um avalizador necessário para as iniciativas do governo brasileiro. Estamos viajando agora, em junho, para a Austrália, com todos os governadores do Nordeste para a gente discutir a formatação de um órgão gestor, de como vai ser a relação entre os estados já que aquele país tem uma longa experiência nesse problema com um projeto de transposição semelhante ao que estamos fazendo. Gazeta Mercantil - A prioridade é essa? A prioridade agora é essa: viabilizar a execução das obras civis que representa interface com a questão ambiental, por exemplo. Para se ter uma noção, estamos implantando 36 projetos básicos ambientais, com investimentos de cerca de R$ 600 milhões, que vão desde divulgação até preservação de comunidades tradicionais como os quilombolas. (Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 8)()