Título: Avaliações, ranking e as boas práticas no ensino
Autor: Fleury, Maria Tereza Leme
Fonte: Gazeta Mercantil, 14/04/2008, Opinião, p. A3

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14 de Abril de 2008 - A divulgação dos resultados do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) levantou nas últimas semanas bons debates sobre a qualidade do ensino no País e comparações entre as instituições públicas e privadas. Ao leitor menos familiarizado, as inúmeras siglas usadas para avaliação do ensino podem confundir. Entre elas estão o Enem, que é uma prova individual , voluntária oferecida anualmente aos que concluem (ou já concluíram) o ensino médio (as universidades podem adotar os seus resultados como parte do processo seletivo); o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb) é uma prova obrigatória aplicada por amostragem, a cada dois anos para 4 e 8 séries do fundamental e 3 ano do secundário; a prova Brasil complementa o Saeb com dados por município e escola; o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) é aplicado para ingressantes e concluintes do ensino superior. As várias instâncias de avaliação, além de prover uma radiografia do ensino, começam a criar uma cultura de avaliação e de difusão de melhores práticas entre as instituições , estados e municípios. Em 1990, realizei uma pesquisa comparando o sistema educacional brasileiro com o de outros países: Estados Unidos, França, Japão, Alemanha e Coréia. Os objetivos de universalização e democratização do ensino e sua expansão quantitativa haviam , infelizmente , sido acompanhados por uma deterioração qualitativa: evasão, repetição, atrasos, faltas dos professores e alunos. Os dados eram assustadores, revelando um quadro em que a questão educacional era tratada pelos governos como sinônimo de inauguração de escolas , de número de matrículas, sem qualquer preocupação com os resultados de aprendizagem do aluno (Fleury e Mattos, Revista de Estudos Avançados, 5,12, 1991) . A introdução do Provão na década de 90 e os sucessivos sistemas de avaliação implantados , sua divulgação e uso dos resultados para corrigir e para premiar começam a criar no País uma nova mentalidade, um novo olhar sobre a educação. No último Enem, na comparação entre as escolas públicas e as privadas, confirmou-se a dominância das últimas (15 dos 20 primeiros lugares), mas mostrou que, embora atendendo clientelas diversas em termos de perfil socioeconômico, têm pontos em comum. Entre os pontos semelhantes, observa-se que são escolas que podem selecionar seus candidatos (no caso das públicas, na maioria das vezes escolas técnicas federais, as vagas são muito disputadas e a seleção rigorosa) apresentam um quadro docente qualificado, um número razoável de alunos por sala e uma relação próxima entre alunos e professores. Há também menção à procura do conhecimento aplicado através de projetos , que mobilizam e motivam os alunos. Nas escolas técnicas, isto ocorre de forma quase imediata, pois os alunos aplicam, por exemplo, o conhecimento aprendido na física em aplicações elétricas. Numa escola particular a professora cita o projeto desenvolvido com uma turma a partir de uma visita a um parque de diversões; os alunos foram desafiados a desenvolver virtualmente um novo brinquedo que respeitasse as leis de segurança, aplicando os conhecimentos de física. Diferenças existem entre as particulares e as públicas, não só do ponto de vista do nível socio econômico dos alunos, mas também em termos de acesso aos bens culturais como música e o que pode ser observado em viagens. Mas os objetivos, as ambições dos jovens são semelhantes: o acesso a uma boa faculdade, a um bom estágio e emprego. Em uma outra avaliação educacional de municípios, realizada pela Unicef com o Inep e MEC em 2007, foram pesquisadas 37 redes municipais, espalhadas pelo País, procurando identificar práticas comuns. O primeiro ponto levantado é a consciência dos benefícios da prática de rede de aprendizagem. Ou seja, as várias escolas do município interagem em rede, trocam experiências, se ajudam, planejam, formam os seus professores, num clima de parceria e colaboração. Há um compromisso coletivo com a formação dos professores; dos gestores que se empenham em criar oportunidades, aos professores, que somam à jornada de trabalho horas de estudo e muitas vezes de deslocamento a outros municípios, onde os cursos são oferecidos. "Por que nós fomos bem? Deve ser porque a professora ensina bem; a professora estuda muito para ser boa, para ensinar bem." O depoimento desta aluna de uma escola municipal de Araguaína, Tocantins , citado na pesquisa , ilustra esse ponto. As boas práticas dessas redes indicam a importância desta relação do professor com o aluno, da atenção individual, da valorização da leitura. "Antigamente a gente se preocupava com tudo - merenda, estrutura física, matrícula, menos com a aprendizagem", disse uma professora de Sobral, Ceará. Hoje está se criando nestas redes a cultura de avaliação, em que a escola e os professores recebem os resultados, e isso pode alimentar o processo de planejamento da escola e da própria rede , seus pontos fortes e fracos. Não é um processo fácil, pois "o pessoal tinha trauma de avaliação e achava que servia só para punir". Estamos mudando, lentamente, mas mudando, a visão de educação no Brasil. kicker: Há consciência dos benefícios da interação de experiências nas redes escolares (Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 3) MARIA TEREZA LEME FLEURY* - Professora da FEA/USP e FIA. Próximo artigo da autora em 12 de maioE-mail: mtfleury@usp.br)