Título: Há desequilíbrio entre oferta e demanda
Autor: Totinick, Ludmilla
Fonte: Gazeta Mercantil, 14/04/2008, Nacional, p. A8

Rio, 14 de Abril de 2008 - Ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e ex-ministro das Comunicações do governo Fernando Henrique Cardoso, o economista Luiz Carlos Mendonça de Barros não tem dúvidas do que o Comitê de Política Monetária (Copom) deve fazer na reunião que começa amanhã e termina quarta-feira: deve aumentar a taxa de juros o mais rápido possível pois, o Brasil vive um desequilíbrio. O economista-chefe da Quest Investimentos vê a atitude como única saída para impedir o aumento da inflação. Critica o governo ao ressaltar que nos dois primeiros meses do ano gastou 12% a mais que em 2007. Gazeta Mercantil - Nesta semana o Copom define se mantém ou sobe a Selic. O que acontecerá, na sua opinião? Vai aumentar, claramente vai aumentar. O IPCA divulgado na quarta-feira passada ficou muito acima da expectativa de mercado. Deverá ser um aumento até mais agressivo do que se esperava. A inflação estava sendo discutida de forma teórica, mas há um desequilíbrio claro entre oferta e procura dentro da economia, aquecimento acima do normal com os gastos das famílias, das empresas via investimentos e, principalmente, do governo. Isso estava muito mascarado porque o aumento da demanda tem se concentrado em bens duráveis, as importações crescem muito e, com a taxa de câmbio estável, a inflação não estava aparecendo. Esse desequilíbrio entre a oferta e a procura está começando a vazar para os segmentos de serviços. Ao longo do tempo isso iria começar a pressionar a inflação, como está acontecendo agora. Gazeta Mercantil - O Brasil estipulou, há alguns anos, a meta de inflação para que o País não convivesse com taxas muito elevadas, como foi comum anteriormente. A previsão não é que atinja o centro da meta de 4,5%? No auxílio de metas da inflação há duas formas de medir as expectativas. A primeira é via o modelo econométrico do Banco Central e ao qual o mercado também tem acesso. Com base nele a inflação já vinha crescendo, podendo nos próximos meses superar o centro da meta. Também tem a medição pelo IBGE, pela qual no primeiro trimestre o Banco Central estava trabalhando com o IPCA na ordem de 1,3%, mas foi de 1,5%, portanto mais alto do que se esperava. Não há dúvida de que há um processo de aumento da inflação, mas não é nada explosivo. Porém, isso obriga a não atrasar a iniciativa de aumento dos juros já na próxima reunião do Copom. Gazeta Mercantil - Alguns economistas ressaltam que se não fosse o feijão e a carne, a inflação estaria em 3,4%. Se tirar todo mês tudo aquilo que subiu mais do que deveria, a inflação fica abaixo da meta. Assim não é uma forma correta de medir a variação dos preços. A inflação no Brasil é medida pelo IPCA cheio, além disso há claramente o desequilíbrio entre oferta e procura. O crescimento da demanda interna está acima da capacidade produtiva. O quadro de desequilíbrio é claro. A economia brasileira hoje é muito mais normal do que no passado. O economista tem de olhar para a economia com os olhos mais clássicos nos instrumentos de análise. Não tenho dúvida de que os gastos do governo, nos dois primeiros meses do ano, são 12% acima do registrado no ano passado. O consumo também cresce a taxas quase acima de 10%. O Banco Central brasileiro, um banco responsável, tem de agir antes de a inflação atingir um nível mais alto. Se tomar essa medida, aborta o processo de alta de preço, ganha a confiança do mercado e a projeção da inflação será abaixo da meta. Além disso, com a subida dos juros claramente vai haver continuidade na valorização do real e com isso haverá contenção da inflação, principalmente nos segmentos dos bens "tradables" (que podem ser exportados ou importados). O brasileiro saiu gastando porque a renda aumentou, o crédito também está aumentando e isso passou do limite. Gazeta Mercantil - Esse gasto não é bom? Isso faz parte da vida. A economia brasileira é uma economia normal. Sempre que houver desequilíbrio entre oferta e procura, como vivemos hoje, o Banco Central terá de subir o juro para moderar o desequilíbrio e evitar que a inflação saia de controle. É normal, isso faz parte de qualquer economia do mundo, mas no Brasil estamos acostumados a nos queixar. No entanto, há um desequilíbrio macro da economia e o excesso de gastos aparece nos setores básicos dela, que são família, governo e empresas. Gazeta Mercantil - O senhor acha que a variação de preços no Brasil justifica que o País tenha uma das maiores taxas de juros do mundo? Isso é outro problema. O problema da taxa de juros no Brasil ser muito alta tem muitos componentes. Só que neste momento o Banco Central não tem saída, ele tem de subir a taxa de juros. Gazeta Mercantil - Isso não torna o Brasil um país propício para os especuladores? Não, o Brasil não é um país dos especuladores. A alta taxa de juros simplesmente o torna mais atrativo e esse é um dos mecanismos para se reduzir a inflação. Ao movimentar capital externo para cá, há a valorização da moeda. E o real valorizado tem influência sobre a inflação. É um procedimento normal em qualquer lugar. Gazeta Mercantil - Nos Estados Unidos o banco central (Fed) fez recentemente uma intervenção para ajudar a salvar o banco Bear Stearns e tentar conter a crise financeira. O país está revendo o próprio liberalismo? Não concordo com essa idéia. O que os EUA vivem hoje confirma uma ressaca de liberalismo excessivo. No fundo, nos últimos anos houve descontrole por parte das ações financeiras e dos controladores. Houve excesso de crédito no mercado de crédito, imobiliário e de cartão. Criou-se uma crise bancária, como já aconteceu na história dos Estados Unidos várias vezes, e isso vai levar a uma nova rodada de definição de regulações. Isso não é o fim do liberalismo, mas é algo para controlar o excesso de liberalismo que acontece de tempos em tempos. Isso faz parte da história do capitalismo e já aconteceu várias vezes. Não há nada dramático. Houve um excesso, uma farra do boi e o Fed está colocando um pouco de ordem nessa zona toda que aconteceu. Gazeta Mercantil - O FMI considera o câmbio valorizado uma das fragilidades do Brasil. O senhor concorda? Não. Acho que a economia brasileira já se adaptou a essa taxa de câmbio de R$ 1,70 e R$ 1,75 por dólar. Teremos agora uma valorização adicional por causa do aumento dos juros, mas se o Banco Central tiver sucesso na intervenção, a taxa de longo prazo, que é a que afeta realmente a economia, vai começar a cair novamente, pois vai ser vista de novo sob controle. Não vejo nenhum grande drama nisso. Gazeta Mercantil - O governo anunciou um cortes de gastos... É preciso que neste momento o governo realmente sente no caixa e não gaste dinheiro. Mas como não faz isso, pelo contrário, expande cada vez mais os gastos, o Banco Central fica com o ônus (de controlar a inflação). É o único instrumento disponível de tentar combater a situação. . Gazeta Mercantil - O governo acha que o Brasil nunca esteve tão preparado para enfrentar uma crise financeira, mas o próprio presidente avisou que o País poderá ser afetado caso a turbulência dure muito tempo. O que poderia ser feito para blindar o País? O País está blindado, está preparado e uma forma de manter essa blindagem é o Banco Central agir como deve agir. Ao fazer isso, aumenta a confiança de todos na economia. Gazeta Mercantil - O senhor acha que a crise atingiu a economia real brasileira? Qual o problema do Brasil hoje? É a economia que está crescendo mais do que devia? Onde é que há crise aqui? Não há. Gazeta Mercantil - Como a Bolsa brasileira está se comportando diante da crise? O senhor tem um conselho para o pequeno investidor nesse cenário de oscilação? A Bolsa está se comportando muito bem, praticamente no nível que estava operando antes da crise. Acho que o investidor deve ficar tranqüilo, deve manter os investimentos. Teremos uns dois ou três meses em que talvez a Bovespa não suba muito ou oscile pouco. Mas olhando para frente, a economia está muito bem e se o Banco Central fizer o trabalho que deve fazer agora, vai implicar em mais confiança de todos daqui para frente. Gazeta Mercantil - O BNDES deve repassar R$ 250 bilhões para a política industrial do governo. Algumas metas já foram divulgadas, como o aumento da participação do País no comércio exterior e o aumento da taxa de investimento em relação ao PIB. Qual sua opinião sobre isso? O BNDES influencia muito pouco, porque a dinâmica da economia é privada e com crédito privado. O BNDES tem uma função importante, mas em certos segmentos em que é preciso ter ação mais efetiva o banco vem sendo diluído. Isso porque a economia está crescendo tanto, está ficando tão grande, que o BNDES tem efeito muito mais limitado do que no passado. Gazeta Mercantil - O governo Lula da Silva anunciou o PAC como um dos maiores programas de infra-estrutura do País. Mas algumas obras estão paradas e outras andam lentamente. Os críticos chamam o PAC de eleitoreiro. Como o senhor avalia o programa? Para mim o PAC é uma grande embromação, um grande programa de gastos correntes do governo e não tem nada a ver com investimentos. O PAC hoje é contra o investimento e não a favor. Grande parte desse aumento de juros que o Banco Central vai fazer é para compensar as obras do PAC. Seria muito mais fácil ter menos gastos dentro do programa e menos juros dentro do Banco Central. O governo resolveu levar adiante esse gasto nesse programa, que agora realmente virou um programa eleitoreiro no sentido de influenciar o resultado das eleições que ocorrerão em 2010. E o custo que a sociedade vai ter é juro mais alto e câmbio mais valorizado. Gazeta Mercantil - O senhor acredita que o Brasil vai continuar crescendo 5%, mesmo com essa taxa de inflação? Vai crescer. Acho que neste ano cresce 5%. Gazeta Mercantil - Vai crescer mais e manter a inflação sob controle? Se o Banco Central agir rapidamente, a inflação volta sob controle até o fim do ano. (Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 8)()