Título: Crescimento econômico é nova ameaça à Mata Atlântica
Autor: Assis, Jaime Soares de
Fonte: Gazeta Mercantil, 14/04/2008, Nacional, p. A9
São Paulo, 14 de Abril de 2008 - O crescimento econômico, a valorização das commodities, a elevação dos preços da terra, a especulação imobiliária e as mudanças de área da pecuária são as novas ameaças para a preservação das áreas remanescentes de Mata Atlântica. A floresta, que em sua estrutura original cobria 1,3 milhão de hectares, está reduzida a 7% deste total e as amostragens preliminares indicam que há uma aceleração na perda das florestas. O levantamento completo deve ser apresentado no dia 27 de maio pela Fundação SOS Mata Atlântica. De acordo com a diretora do SOS Mata Atlântica, Márcia Hirota, as imagens aerofotogramétricas das florestas, feitas a cada cinco anos, mostraram uma mudança de padrão. No período de 2000 a 2005, o Rio de Janeiro perdeu 630 hectares de sua floresta, um volume que seguia a média dos estudos anteriores. Uma amostragem da situação das matas fluminenses realizada em 2007 revelou um quadro alarmante. Em apenas 2 anos, foram registrados no estado 923 hectares desmatados. "Todos achavam que a mata havia sido devastada no passado, pela introdução agropecuária. O que vemos é que a pressão que ela sofre é contemporânea, é um processo recente", afirma Hirota. No caso do Rio, a ocupação desordenada e construções fizeram um trabalho de formiga que puderam ser captadas pelas lentes dos satélites do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) que detecta perda de cobertura vegetal em espaços de, no mínimo, cinco hectares. Por sua localização geográfica, ao longo da costa brasileira, a Mata Atlântica sempre esteve no centro do conflito entre a preservação e o desenvolvimento. A redução das florestas ocorre desde o início da extração de pau-brasil, a primeira commodity brasileira, até a introdução das plantações de cana-de-açúcar no Nordeste, café, que se adaptou bem no Espírito Santo e se espalhou por outros territórios, e um conjunto amplo de culturas nas regiões Sudeste e Sul. Nem todo desmatamento foi realizado de forma ilegal, uma vez que a lei de proteção da Mata Atlântica só foi criada em 2006. Assim, ficou proibido todo corte de árvores das florestas. Mas até o surgimento deste aparato legal, o terreno plano, favorável à agricultura, estimulou o desmatamento, confinando o que resta das matas originais nas regiões de serras, de difícil acesso e solo de baixa produtividade, para agropecuária. A lei que criou o Sistema Nacional Unidades de Conservação (Snuc), áreas definidas pelo poder público para proteção da biodiversidade, foi regulamentada em 18 de julho de 2000. Existem 860 unidades na Mata Atlântica,. que compõem espaços menores formados pelas Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN) a grandes parques como o mantido pelo estado de São Paulo na Serra do Mar. As unidades de conservação, informa Hirota, são 75% compostas por reservas legais e 10% RPPN. "Grande parte do que resta está nas mãos de particulares", diz. A obrigação dos agricultores de manter 20% das fazendas com cobertura vegetal é uma norma seguida à risca pelos produtores rurais. Hirota estima que, se esta determinação fosse cumprida por todos, a cobertura vegetal atual de 7% da Mata corresponderia a cerca de 40%. O que protege a Mata Atlântica é a gravidade do quadro, que sensibiliza a sociedade, a rede de cerca de 220 Organizações Não Governamentais, a bancada de parlamentares ambientalistas que soma 300 integrantes, as leis de preservação ambiental e os acidentes naturais como a Serra do Mar, de terreno difícil, baixa produtividade e áreas alagadas, como a região da Juréia, no litoral paulista. "O desmatamento está associado ao preço das commodities", afirma Carlos Eduardo Frickmann Young, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Este elemento ajuda a compor um quadro cada vez mais complexo envolvendo a preservação das florestas, que abrange produção agrícola em larga escala, o preço das commodities em alta e ganhos de rentabilidade no campo. Esses componentes deságuam na alta do preço da terra. A estabilidade econômica registrada nos últimos anos, crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em 5,4%, são fatores a serem considerados quando se analisa a nova onda de pressão sobre as florestas. Para Young, o aumento de renda leva a um consumo maior de produtos agrícolas, mas as safras brasileiras comportam este incremento. "Não há relação entre renda e expansão da fronteira agrícola. A produção brasileira de grãos é, em média, de 600 quilos por dia, isso dá uma média de 1,7 quilo por pessoa/dia. Ninguém consome isso tudo", comenta Young. A elasticidade é baixa para a demanda interna de produtos agrícolas, porque grande parte dessa produção é destinada à exportação, principalmente para mercados aquecidos como o da China e para a pecuária. "A agricultura está estagnada em termos de área", diz o professor da UFRJ. As terras destinadas à produção ficou em 60 milhões de hectares em 2007. "O grosso desse crescimento é em área de pasto", que já somam 180 milhões de hectares no País, para suportar um rebanho de 205,8 milhões de cabeças de gado, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) referentes a 2006. Um pecuarista pode arrendar ou vender a terra para plantio de cana para usinas de álcool, etanol e açúcar, um dos segmentos que apresenta uma expansão apreciável de negócios no momento, comenta Young. O gado tem de ir para outro lugar e acaba deslocado para terras de menor qualidade e começa a subir as encostas. O estímulo para esta troca existe. O preço das terras para lavoura na região de São Paulo estavam em US$ 4.624 o hectare. Para comprar áreas para pastagem o produtor precisa desembolsar US$ 3.342 o hectare. Esses valores caem para US$ 152 o hectare para terras de mata fechada no Pará. As terras para pastagem custam US$ 152 o hectare no estado. Os dados são de 2006, da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Na análise de Young, quem vende um hectare nas regiões mais valorizadas da Mata Atlântica, compra áreas 10 vezes maiores no Pará e o gado se desloca. Os valores podem variar em função da fertilidade do solo, infra-estrutura e proximidade dos centros urbanos. Na área mais valorizada, de terra roxa, como em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, os preços podem chegar a US$ 8 mil ou US$ 10 mil o hectare. Estes preços podem ser referenciais, mas o fator econômico é real. "O valor da terra no Brasil inteiro está subindo porque as commodities subiram. É a lógica econômica", diz Alexandre Mendonça de Barros, professor da FGV. A expansão das atividades de recreação cresce no eixo Rio de Janeiro/São Paulo afirma Guilherme Leite da Silva Dias, professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP). Junto com esse incremento, ocorrem os loteamentos e construções de prédios. Segundo Silva Dias, estes projetos compõem a parte visível da ocupação. Nas regiões onde a influência rural é expressiva, a mecanização, aliada à valorização dos imóveis e terrenos, causa outro efeito. Nas plantações de cana do interior paulista está em curso a troca de mão-de-obra pelas colheitadeiras. Os efeitos já são vistos e o setor contabiliza 40,7% dos 3,8 milhões de hectares de cana mecanizados. Cada 1% corresponde ao afastamento de 2,7 mil trabalhadores. "Esta fase boa vai trazer uma contradição junto", diz o professor. Para Márcia Hirota, os ambientalistas não são contra o desenvolvimento, mas a forma como ele ocorre. Na área da Mata Atlântica vivem 120 milhões de pessoas em 3.500 municípios e as ações de proteção ambientais são pontuais em muitos locais. (Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 9)()