Título: O xerife FMI quer ser só o ombudsman da crise
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Fonte: Gazeta Mercantil, 15/04/2008, Editoriais, p. A2

15 de Abril de 2008 - O Ministro da fazenda, Guido Mantega, não escondeu a satisfação com a nova distribuição de cotas e votos no Fundo Monetário internacional (FMI), definindo a possível alteração como o "primeiro passo" para que países emergentes e em desenvolvimento tenham um maior papel na dinâmica de poder da instituição. Vale lembrar que a fórmula depende da concordância dos 185 países membros. Já está definida, inclusive, a data (até o final deste mês) para que cada um desses "eleitores" expresse sua aprovação. Como em qualquer mudança, há descontentes e eles terão tempo e espaço para manifestar sua insatisfação. Da Arábia Saudita até a Argentina, alguns países, com maior ou menor perfil de economias emergentes, terão do que se queixar da nova arquitetura do poder no Fundo. A rigor, é notório que os reformadores do FMI desenvolveram uma espécie de fator controlador na composição para conter os tradicionais ganhos dos países que sempre tiveram parcela maior de poder e um outro fator mais impulsionador, para tornar mais visível as novas cotas de seis países, três dos Bric - Brasil, Índia e China -, acolhendo as ambições de projeção de Coréia do Sul, México e Turquia. O caso do Brasil é bem significativo desse fator impulsionador. Na nova arquitetura de poder, o Brasil passa de 1,4% nas cotas do Fundo para 1,8%, ganhando três posições no ranking interno da instituição, chegando a 15 lugar. A porcentagem de poder das economias emergentes e em desenvolvimento cresceu aparentemente pouco, apenas 2,5%, mas atingiu 42,7% no total dos votos definidos a partir das distribuições das novas cotas. Compreensivelmente, Mantega queixou-se de que o Brasil, colocado na lista do Banco Mundial como a décima economia do mundo, quando o critério é o Produto Interno Bruto medido pelo poder de paridade de compra, caso em que o País fica responsável por 2,9% do produto mundial. Portanto, deveria ter parcela maior na distribuição interna de poder no Fundo. Por outro lado, o ministro da Fazenda brasileiro reconheceu também que as mudanças são "avanço considerável". É preciso lembrar que na primeira mudança proposta, no ano passado, na distribuição de poder no FMI, coube ao Brasil uma elevação mínima de suas cotas de 1,4% para 1,45%. Essa mudança era apenas irreal frente ao perfil dos novos problemas econômicos mundiais. Bem ao contrário do que era a raiz histórica das grandes crises internacionais, na atual turbulência dependerá principalmente dos emergentes a sustentação dos padrões de crescimento global. Esse é um ponto essencial para entender as mudanças internas no Fundo. A instituição sempre foi mais rápida para fazer propostas de correção para os países em desenvolvimento do que para os mais avançados. Agora, a reciclagem das lógicas econômicas do FMI incluirá reconhecer que as extremas leviandades que explicam as "bolhas imobiliárias" não foram gestadas nos chamados "emergentes". Rigorosamente, a legitimidade para pedir mudança trocou de lado no grande balcão da insensatez econômica mundial gerida pelo FMI, desde o final da Segunda Guerra. Não há dúvida de que o tremendo poder da economia norte-americana continua a sustentar o poder decisório que os EUA mantêm na instituição. Aliás, é difícil não reconhecer esse fato quando se coteja a capacidade de contribuição para o Fundo emanada de Washington. O novo espaço destinado às economias emergentes é compatível com a percepção de que o Fundo aceitou uma nova lógica para seus esquemas de supervisão e de regulação de mercados. Aceitar que instituições não bancárias obedeçam aos novos padrões regulatórios é mudança muito significativa. A verdadeira mudança no espírito do FMI não está nas porcentagens das cotas do poder, mas no reconhecimento de que regulamentar mercados é muito mais importante para o bom funcionamento da economia mundial do que supervisionar os governos. É nesse novo caldo de cultura do FMI que ganhou espaço inédito a discussão sobre preço de comida. Em nenhuma reunião da instituição esse assunto obteve tamanha dimensão. A "marca" FMI especializada em ser surrada, à direita e à esquerda, pelas duras receitas que pregava e empurrava goela abaixo de governos "irresponsáveis", se transformou no palco para que ninguém menos do que o presidente do Banco Mundial, num show de marketing, brandisse um saco de arroz e um pão para que o mundo rico se preocupasse com os "famélicos da terra", agora em dificuldade porque as commodities agrícolas dispararam de preço. Não há dúvida de que o cansado "xerife" da economia mundial quer outra imagem, e escolheu a de "ombudsman das crises", bem light. Resta saber, apenas, se e quando esses preços despencarem, e as ambições dos crescimento dos emergentes tiverem de ser sustentadas com alguma abertura de mercado dos ricos, o FMI continuará a exibir sacos de arroz e pães em suas próximas reuniões. (Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 2)