Título: Nova lei permite expansão industrial em áreas poluídas
Autor: Andrea Vialli
Fonte: Gazeta Mercantil, 15/09/2004, Meio Ambiente, p. A-7

Empresas poderão usar mecanismos de compensação das emissões. As chamadas zonas saturadas pela poluição atmosférica em São Paulo não vão mais deixar de receber investimentos em expansão industrial. Desde o início desde mês, está em vigor no estado o decreto 48.523/04, que permite às empresas se estabelecer ou ampliar seus negócios em regiões consideradas já poluídas. Para isso, a iniciativa privada deverá desenvolver mecanismos para compensar as emissões de poluentes que deverão gerar.

O decreto é uma atualização da Lei 997/76, que já era considerada obsoleta por dificultar o licenciamento de novos empreendimentos de grande porte em regiões de adensamento industrial, como a Grande São Paulo. "Sem esse decreto, pararíamos São Paulo", atesta o secretário de Meio Ambiente de São Paulo, José Goldemberg.

A antiga lei previa que em zonas saturadas nenhum novo empreendimento poderia se instalar. "Pela antiga legislação, o empreendedor que quisesse investir em atividades em Paulínia, Cubatão ou ABC não conseguiria obter a licença ambiental. O que se tornou falho com o tempo, pois essa determinação acabou criando novas zonas saturadas pela poluição", afirma Oswaldo Lucon, assessor de gabinete da Secretaria de Meio Ambiente de São Paulo (SMA).

Além disso, a antiga lei colocava todo o ônus da poluição ambiental sobre as indústrias e desestimulava investimentos em tecnologias ambientais mais atuais. "Da forma como estava sendo conduzida, as tecnologias novas não entravam e as obsoletas permaneciam em operação. Ao mesmo tempo, do lado de fora da fábrica, a frota de veículos aumenta", afirma. Hoje, em torno de 98% das concentrações de poluentes como monóxido de carbono (CO), hidrocarbonetos (HC) e óxidos de nitrogênio (NOx) é proveniente de emissões veiculares.

Lei de compensações

A nova lei é a primeira no Brasil a prever mecanismos de compensação das emissões que poderão ser sugeridos pelo mercado e estarão sujeitos a análise e aprovação pela Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb).

O decreto 48.523 é inspirado na experiência americana. Há cerca de 20 anos, a Agência Ambiental Americana (EPA, na sigla em inglês) impôs duras metas à indústria, em especial para o controle de poluentes como o dióxido de enxofre (SO2), o causador da chuva ácida. Como algumas empresas conseguiram reduzir seus índices e outras não, a solução foi a criação de uma "bolsa", ou comércio de emissões. "A iniciativa foi bem-sucedida e hoje muitas empresas negociam créditos de emissão na Bolsa de Chicago", explica José Goldemberg.

Agora, na ocasião da renovação da licença ambiental, o empreendedor poderá lançar mão dos mecanismos de compensação, que podem ser sugeridos pela própria Cetesb. Entre as alternativas, uma empresa poderá compensar suas emissões financiando projetos de redução em outras indústrias, menos equipadas. Permite ainda a comercialização de certificados de emissões reduzidas, a exemplo do que está previsto nas linhas mestras do Protocolo de Quioto.

Segundo Goldemberg, ainda não está definido como os mecanismos deverão funcionar em São Paulo. "Serão ações pequenas no início, mas que deverão tomar corpo às medidas que as empresas forem renovando suas licenças ambientais", afirma. A Refinaria de Capuava, da Petrobras, em Mauá, é uma das empresas que pretende lançar mão em breve desses mecanismos, em suas relações com os clientes do Pólo Petroquímico do Grande ABC.

Pelo texto do decreto, nas regiões em vias de saturação, caso o total das novas emissões a serem lançadas na atmosfera exceda a 30 toneladas/ano, a licença ambiental dependerá de compensação de 100% das emissões adicionadas desse poluente. No caso de regiões já saturadas, a compensação deverá ser de 110%, com ganho ambiental para o local. A medida vai tornar possível uma melhor percepção das fontes fixas de poluição no estado.

A nova lei está sendo posta em prática por meio de um convênio firmado entre o governo de São Paulo e a Fundação Hewlett, que prevê um aporte de US$ 500 mil em softwares, equipamentos, treinamento de pessoal e consultoria.

Agora, o decreto deve passar por pequenos ajustes, baseados em pareceres técnicos da Cetesb. Depois, segue para avaliação jurídica, antes de retornar à mesa do governador Alckmin ainda neste mês. O principal ponto que deve sofrer ajuste diz respeito à necessidade dos empreendimentos de pequeno potencial poluidor desenvolverem os mecanismos de compensação, ao expandirem suas atividades. O decreto passa ainda a mencionar a palavra "crédito" em seu texto. Na versão original, existe apenas o termo "compensações".

Para Angelo Albiero Filho, diretor do departamento de meio ambiente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), o decreto possui algumas lacunas. Entre elas, não define adequadamente quais são as zonas saturadas ou em vias de saturação, e não traz sugestões concretas em relação a quais mecanismos de compensação podem ser adotados pelas empresas. "Queremos evitar que regiões consideradas saturadas fiquem estanques em termos de investimento, a exemplo do que vem ocorrendo com Cubatão", diz Albiero. "Mas sem dúvida é um avanço", opina.

Macrolicencenciamento

A Fiesp formata uma proposta de licenciamento ambiental que atenda às vocações das macroregiões paulistas. A emissão das licenças seguiria uma padronização específica de acordo com a vocação econômica de cada zona produtiva do Estado. Haveria, assim, um licenciamento para o pólo calçadista de Franca, Jaú e Birigüi; outro para os pólos petroquímicos do ABC e de Paulínia; para os setores de alta tecnologia do Vale do Paraíba e Campinas; para o polígono da cerâmica vermelha, na região de Itu, Sorocaba e Tatuí; da cerâmica branca, em Rio Claro e assim por diante.

"O macrolicenciamento possibilitaria o zoneamento do Estado por polígonos de vocação econômica. Esse modelo incentivaria a instalação de empresas de determinado perfil, que receberiam o apoio técnico ambiental necessário para desenvolverem suas atividades", explica Albiero. "Seriam feitos macro EIA-Rimas regionais", conclui. A Fiesp quer discutir a proposta com o governo do Estado.