Título: Com outros objetivos, educação avança
Autor: Trevisan ,Leonardo
Fonte: Gazeta Mercantil, 15/04/2008, Editoriais, p. A2

15 de Abril de 2008 - Faz tempo que os empresários descobriram que falta de educação atrapalha tanto a produção quanto, por exemplo, subida de juro. Bastou a demanda crescer um pouco para que a oferta reduzida, desde carpinteiro de obra até engenheiro, passando pelo prensista treinado, preocupasse. Este fato devolveu a educação para as manchetes, o que é muito bom. Como a mídia também descobriu a quantidade de diplomados despreparados, ficou mais claro que educar não é só ter gente na escola. O que conta mesmo é o que se faz na sala de aula. É por essa razão que os últimos resultados do Exame Nacional do Ensino Médio, o Enem, divulgados na semana passada, deram o que falar, porque ofereceram o rankingo, feito pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), das escolas que funcionam e das que não funcionam, públicas e privadas. Esse ranking mostrou que na educação fundamental pública, a que acolhe 88% da faixa etária entre 8 e 15 anos de idade, as escolas que adotaram sistemas apostilados usados na rede privada tiveram o melhor desempenho. Esse fato obriga a pensar sobre o objetivo do que se ensina na escola pública. É óbvio que esse objetivo incentiva, ou não, o interesse dos alunos no que fala o professor. Vale notar, como mostrou matéria do Estado de 13/4, que as grandes redes de educação privada triplicaram os contratos de venda de material didático apostilado para municípios. Em 2005 eram apenas 90 cidades, hoje são quase 300, somando quase 700 mil alunos da rede pública que estudam com essas apostilas. Nessa questão não há, nem pode haver, qualquer duelo ideológico entre público e privado. O verdadeiro problema é bem diferente. Como apontou um diretor de rede privada que vende essas apostilas para prefeituras: "O material da rede particular é mais voltado para o conteúdo, para o vestibular, enquanto na pública há mais preocupação em trabalhar as habilidades e competências". Esse é o ponto: o que se faz na escola pública que dá melhor resultado? Na verdade, a pergunta certa deveria ser outra: qual é o "conteúdo" que interessa mais ao aluno, o que o faz prestar mais atenção no que o professor fala? Preparar para o vestibular ou para a chamada "vida social"? Os dados do Enem confirmam que a escola básica pública que educa usando como meta a próxima etapa, o vestibular, tem alunos com melhor desempenho. Essa evidência estatística pode ser entendida de outro jeito: quando a criança pobre estuda com o mesmo material didático da criança rica, os índices do ensino público melhoram. Voltamos à questão de sempre: o que é bom para a escola dos "nossos filhos" vale para a escola dos "filhos dos outros"? Hoje, democracia de verdade, aquela que é construída pela real igualdade de oportunidades educacionais, começa na qualidade do ensino oferecido. Não adianta mais apenas ter a sala de aula. O professor da escola pública precisa ter a mesma "arma" dos seus concorrentes privados. Caso contrário, é combate com meios desiguais, canhão versus canivete. Há um outro aspecto essencial embutido nessa história: alunos e pais, quando identificam vestibular como meta da escola, entendem melhor educação como ascensão social. É curioso, mas os países ricos já notaram que objetivo com que se vai na escola está na raiz do desempenho bom ou ruim nas suas redes públicas de ensino. Por exemplo, o relatório Panorama da Educação 2007, Indicadores da OCDE (a entidade que reúne as 30 economias mais desenvolvidas do planeta) construiu uma tabela mostrando a relação entre as expectativas de futuro nos estudantes de 15 anos de idade e seu desempenho escolar individual. Esse quadro mostra que nos países mais ricos da OCDE, o aluno vincula mesmo o objetivo final da educação que recebe com o esforço que faz e o respeito que tem pelo professor e pela escola. Não é diferente no município brasileiro, quando o ensino público briga com a mesma arma pelo futuro que todos querem ter. kicker: Se o material didático é o mesmo da escola particular, o ensino público também melhora (Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 2) LEONARDO TREVISAN* - EditorialistaE-mail: ltrevisan@gazetamercantil.com.br)