Título: Infidelidade, uma epidemia brasileira
Autor: Seabra, Marcos
Fonte: Gazeta Mercantil, 16/04/2008, Editoriais, p. A2

16 de Abril de 2008 - Se a infidelidade no Brasil fosse considerada uma doença, teríamos uma epidemia das mais alarmantes. Mas não me refiro à infidelidade conjugal, apenas à política partidária. Hoje estamos vivendo uma situação digna de uma obra de ficção, ainda que de mau gosto. Desde que os ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) resolveram se comportar como reserva moral e ideológica tupiniquim, parlamentares de todas as matizes partidárias resolveram se dedicar à descoberta de uma vacina antiinfidelidade. O Tribunal deu nova interpretação às leis e decidiu: o mandato conseguido nas urnas pertence ao partido, e não ao eleito. Ou seja, passamos a eleger um partido e não prefeitos, vereadores, deputados, governadores, senadores e até o presidente da República. Bom? Quem sabe? Como era de esperar, o extenso leque de eleitos que mudaram de partido nos últimos meses se tornaram alvos de desafetos dentro de seus partidos de origem. A punição? A perda do mandato, com base na interpretação do TSE. Tudo parecia estar resolvido. Os eleitos infiéis devolvem seus mandatos e aprendem, de uma vez por todas que o político brasileiro não pode ficar mudando de partido como se mudasse de roupas. Mas nada deu certo. Em pouco tempo se descobriu que a regra teria mais exceções do que o imaginável. Ou seja, moralidade não se estabelece por decreto, como nos demonstrou muito bem os governos militares acampados no poder nas décadas de 60 e 70. Hoje, existem 8,5 mil processos de perda de mandato por infidelidade partidária em tramitação na Justiça eleitoral. Mais do que isso: já aconteceram 128 cassações até o momento. Tão espertos quanto imorais, deputados e senadores correm atrás de uma forma de "perdoar" os infiéis. Tentam fazer passar na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara Federal um projeto - a ser votado na semana que vem - jogando por terra a decisão do TSE. Se aprovado, processos e cassações serão anulados. Um filme que se repete. Nos tempos em que os primeiros partidos de oposição começaram a surgir no Brasil pós-ditadura, uma das argumentações para conseguir o voto daqueles que tinham medo de votar era o voto ideológico. Parte dos eleitores acreditaram. Mas, em pouco tempo, se decepcionaram. Partidos trocavam de posição - pró ou contra o governo - como se troca de roupa. Coincidência.O povo aprendeu e resolveu nomear seus escolhidos. Votar no "sujeito", e não no partido, faz parte da tradição eleitoral brasileira desde então. Espertos, os partidos governistas alteraram rapidamente as leis para determinar que, votando no cabeça de chapa de um determinado partido, o resto dos escolhidos seriam da mesma legenda. Dane-se a ideologia. Hoje é diferente. Podemos escolher qualquer "sujeito", de qualquer partido, para qualquer cargo. A saída e a liberdade são boas, mas não adiantaram. O "sujeito" troca de partido, assim como o partido troca de "sujeito". O maior problema é que não há lei eleitoral que puna desonestos, desde que eles obedeçam à lei. Estranho? Nem tanto. Assistimos às centenas de casos de traição explícita de parlamentares - por exemplo - à ideologia de uma partido, sem que isso tenha qualquer conseqüência. E temos às centenas partidos traindo seus eleitos, igualmente sem conseqüência. São atitudes honestas? Não. Mas não são ilegais e nem desobedecem à compreensão das leis patrocinadas pelos ministros do TSE. Ao final, nós eleitores assistiremos outra vez ao Legislativo em briga com o Judiciário. Evidentemente, todos com a intenção nobre de defender os direitos do eleitor. E nós, eleitores, esperamos a próxima oportunidade para escolher nossos prefeitos, vereadores, deputados, senadores, governadores e presidente da República. Que pena que não elegemos os ministros do TSE. kicker: "Moralidade não se estabelece por decreto, como a ditadura militar demonstrou bem" (Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 2) MARCOS SEABRA* - Editor-Adjunto de Política)