Título: Esperança na justa indignação dos jovens
Autor: Mendonça, Antonio Pesteado
Fonte: Gazeta Mercantil, 16/04/2008, Opinião, p. A3

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16 de Abril de 2008 - A invasão da reitoria da Universidade de Brasília foi uma ação mal pensada, mal planejada e mal executada. Mas, ainda que quase toda errada, pode ter sido a primeira manifestação importante da sociedade civil brasileira contra os desmandos éticos que transformaram Brasília no centro das atenções. Em nome do dinheiro no bolso, liberou geral. É como se a inegável onda de progresso que varre o Brasil tivesse o condão de redimir todo o mal feito, a bandalheira, o uso político da máquina, a exploração dos cargos públicos em nome do interesse privado, etc. Ninguém discute que o atual momento econômico é o melhor vivido pelo País ao longo de muitas décadas. Não apenas porque a população está mais rica, mas também porque a nação passou a desempenhar papel importante no cenário internacional. E, digam o que disserem, o presidente da vez é Luiz Inácio Lula da Silva. Sorte? Sem dúvida nenhuma. Mas sorte faz parte do jogo e a diferença básica entre o herói e o grande homem costuma ser apenas uma questão de lugar e hora. O primeiro está no lugar errado, na hora errada e leva um tiro. E o segundo está no lugar certo, na hora certa, por isso entra para a história como o salvador da pátria. Além disso, quem deu - e continua dando - força para o Banco Central (BC) manter, ao longo dos anos, com rigor extremo, a mesma política implantada pelo governo anterior foi o presidente em pessoa. Sofrendo pressões dentro e fora do governo, de aliados e da oposição, o presidente Lula mantém inalterados alguns pressupostos que se mostraram bons para o País e o primeiro deles é o controle da inflação. Com a moeda mantendo o valor e com a consolidação do Bolsa-Família, que, com todos os seus defeitos, é fundamental para a significativa melhora dos padrões de vida das classes mais pobres, o presidente vive momentos raros na vida de um homem público, com seus índices de aprovação nas alturas, em patamares que poucos presidentes da República em qualquer lugar do mundo costumam experimentar. E verdade seja dita, sob este ângulo, numa visão de político, ele merece. O que não está certo, e aí a invasão da reitoria da Universidade de Brasília é um importante sinal de alerta, é praticamente todo o resto ir mal. Ao repudiar as ações imorais do reitor daquela universidade, os alunos, ainda que fazendo a coisa certa de forma estabanada, deram o exemplo do que deve ser feito contra a bandalheira e a incompetência que tomam de assalto boa parte da vida pública nacional, e que pretende se justiçar através de conceitos vazios e palavras sem sentido, criando, quando muito, sofismas descaradamente mancos para impedir a sociedade de tomar ciência do grau dos desmandos perpetrados. O drama moral brasileiro é muito mais terrível do que é percebido pelo cidadão médio. Os mensalões, dossiês, cartões corporativos e financiamentos espúrios são apenas pequenas pontas de um enorme iceberg que se espalha pela administração pública federal com resultados altamente negativos para a nação como um todo e para os pobres que o presidente diz proteger em especial. A saúde pública alcança graus de deterioração impressionantes, representados pelos quase trezentos surtos que nos últimos dois anos explodiram nos mais diversos cantos do País, trazendo de volta fantasmas como a dengue, a hanseníase, a febre amarela, a malária, o beribéri, a tuberculose, etc. Como se não bastasse, centros de excelência médica e de pesquisa de ponta vão se deteriorando por falta de investimentos e pela politização das nomeações para os cargos- chave. Ao mesmo tempo a rede pública atinge um de seus graus mais baixos na qualidade do serviço prestado à população. Hospitais, centros de saúde, laboratórios e farmácias simplesmente não conseguem cumprir com o mínimo de suas obrigações. No campo do ensino a situação é vexatória. Alunos da quarta série não conseguem o desempenho esperado dos alunos da primeira. Várias escolas não têm condições mínimas de conforto para os alunos, milhares de professores são profissionalmente desqualificados pela falta de investimentos na sua preparação e humilhados com salários indecentes. As creches são insuficientes, e isto significa milhares de crianças com o futuro comprometido pela falta de alimentação saudável, indispensável para o desenvolvimento do cérebro nos primeiros anos de vida. As universidades colocam nas ruas centenas de milhares de profissionais despreparados para o exercício de suas profissões, a maioria obrigada a buscar outro tipo de emprego para poder sobreviver. E por aí vamos, com vexames em áreas onde deveríamos ser os melhores, como o agronegócio, no qual nos destacamos internacionalmente, mas que é solapado por doenças e pragas como a febre aftosa, pela falta de monitoramento do gado, ou pelo desmatamento irracional de florestas e cerrados que, pela falta de planejamento, caminham para a desertificação. Embriagados com o dinheiro no bolso, os brasileiros se esquecem de que um futuro sustentável exige da sociedade bases morais sólidas, sem as quais a vida se transforma num verdadeiro bang-bang, com o mais forte, ou o mais rápido no gatilho, se impondo. Sem ordem, hierarquia e respeito à lei não há sociedade civilizada que se mantenha. O caos se apossa da vida nacional e transforma o progresso numa guerra em que todos perdem. A população brasileira está anestesiada. Mas eu tenho esperança nos jovens. É sina deles sair na frente nos grandes momentos históricos. Sua impulsividade, pureza e idealismo, aliados a uma certa inconseqüência, são molas fundamentais para as grandes mudanças. Que o diga o "impeachment" do presidente Fernando Collor. E agora a saída do reitor da Universidade de Brasília. kicker: A invasão da reitoria da Universidade de Brasília é um importante sinal (Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 3) ANTONIO PENTEADO MENDONÇA* - Sócio de Penteado, Mendonça e membro da Academia Paulista de Letras. Próximo artigo do autor em 7 de abril)