Título: Com juro alto, não há expansão econômica
Autor: Assis, Jaime Soares de
Fonte: Gazeta Mercantil, 16/04/2008, Nacional, p. A6

São Paulo, 16 de Abril de 2008 - Em seu segundo mandato à frente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, o empresário Paulo Skaf venceu a queda-de-braço contra a CPMF e trava uma nova batalha contra as ameaças de elevação dos juros. Para ele, "não temos porque ter medo de demanda", que considera combustível para o investimento, e não há razão para continuar a se ter "uma visão monetarista". Nesta entrevista, Skaf defende a ampliação do Conselho Monetário Nacional (CMN) e aguarda as definições da política industrial, que foi elaborada sem a participação efetiva da indústria. "Vamos ver o que vai acontecer e que projeto é esse que vai sair". Gazeta Mercantil - Qual a sua expectativa em relação à política industrial que deve ser anunciada pelo governo; o que se espera deste projeto? Um projeto de política industrial, na minha visão, deve ser feito, em primeiro lugar, com a indústria.. Ele também passa pelas áreas de tecnologia, educação e desoneração tributária. Uma política industrial tem de ser elaborada entre o governo e a indústria, envolvendo todos esses atores e contemplar todas essas visões. Gazeta Mercantil - O projeto não está sendo feito desta forma? Não. Não está sendo feito desta forma. Então vou aguardar que ela seja anunciada, vou analisar e depois falo sobre o projeto. Por enquanto, é cedo para falar de um projeto que nós desconhecemos. O que algumas áreas do governo fizeram foi nos pedir algumas informações. Mas isso não é suficiente. A nossa visão é que isso deveria ser feito a quatro mãos, com toda transparência, ouvindo de forma permanente a indústria para que houvesse envolvimento e todos realmente estivessem de acordo. Até o momento não está sendo feito desta forma. Vamos ver o que vai acontecer e que projeto é esse que vai sair. Gazeta Mercantil - O governo anunciou um corte do Orçamento de R$ 19,4 bilhões. Ele está dentro do que a Fiesp esperava? O Orçamento que foi apresentado no Congresso no ano passado tinha suas receitas subestimadas e suas despesas superestimadas. Nós tínhamos uma visão clara de que se colocassem os números verdadeiros, possíveis, de arrecadação na coluna das receitas e também as despesas fossem mais próximas da realidade, sobrariam de R$ 40 bilhões a R$ 50 bilhões, sem prejuízo de nada. Sem sacrifício nenhum. O tempo mostrou isso. Aliás, o crescimento de arrecadação que houve nos período de janeiro e fevereiro foi acima do que nós prevíamos e quase o dobro do que o governo falava na época. Gazeta Mercantil - Há um temor de que os juros sejam elevados e toda vez que há uma reunião do Copom esse receio retorna. Não é questão de temor. A questão é saber o que é melhor para o Brasil. E nós temos certeza absoluta que tanto os juros básicos como o spread bancário são altíssimos. A inflação, que era uma preocupação até 1994, foi domada e vivemos um momento de estabilidade econômica. Então não se justifica, em hipótese nenhuma, continuarmos com uma visão monetarista no Brasil. A prioridade agora é o crescimento do País e não se pode pensar em crescimento sustentável convivendo com os juros e spreads bancários mais altos do mundo. O que nós defendemos é o que vem antes do Copom. Quem traça a política econômica não é o Copom, é o Conselho Monetário Nacional (CMN). Por isto defendemos a ampliação do CMN. Hoje são praticamente três membros, os ministros da Fazenda e do Planejamento e o presidente do Banco Central. Isso não é conselho, porque praticamente fica um grupo único. O que a gente gostaria é que fosse ampliado pelo menos para sete ou nove membros e que dentro do CMN houvesse outras visões. No momento em que o Brasil precisa de desenvolvimento e tem a inflação sob controle e estabilidade econômica, o Conselho precisa ter outras visões. Não pode ficar vendo só moeda pela frente. Gazeta Mercantil - Por que ampliar? Nós temos outros problemas que precisam ser analisados e eles abrangem a necessidade de investimentos em infra-estrutura, controle de gastos públicos, melhoria da qualidade dos serviços públicos, da educação, segurança e saúde além da alta carga tributária. O que vem primeiro para se ter desenvolvimento no País é a demanda. Ela estimula o investimento. Se você tem uma política que olha de uma forma bitolada , estreita, só a moeda, e não se preocupa com o desenvolvimento do País, com investimentos, não se preocupa com nada, você está sufocando o crescimento do País no momento seguinte. Gazeta Mercantil - O governo se preocupa com a demanda pela pressão que pode provocar nas taxas de inflação. Nós não temos que ter medo de demanda. Sem demanda não há crescimento. Nós ficamos 20 anos crescendo muito abaixo da média mundial. No ano passado, tivemos um crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro de 5,4% e esse resultado está apenas um pouquinho acima da média mundial e muito abaixo dos países emergentes. Enquanto outros países e até países vizinhos ao Brasil estão crescendo 8% nós estamos festejando o ano passado quando, pela primeira vez, depois de duas décadas, crescemos 5.4%. Só que em nenhum lugar do mundo há crescimento se não tiver procura no mercado. Qual é o problema da demanda crescer de 7% a 8%? A indústria está investindo muito mais do que isto, de 12 % a 13%. Se não tiver demanda, pára o investimento industrial. Gazeta Mercantil - Esse investimento é suficiente? Se você tem um crescimento de 8% na demanda e 13% no investimento da indústria você precisa de mais demanda até. Além da oferta pela indústria, você tem um mercado aberto. Pode comprar qualquer produto de qualquer parte do mundo com o câmbio sobrevalorizado. O risco de qualquer escassez não existe. A inflação está na meta, o investimento da indústria é maior que a demanda e você tem o mundo inteiro para comprar, com câmbio sobrevalorizado. Que conversa é essa de ter medo de demanda? Quem inventou essa? Ninguém investe se não tiver demanda, nem o mais humilde comerciante, a pequena indústria, a média e a enorme. O que desperta a segurança no empresário é a demanda. Quando se tolhe a demanda ele se acovarda e com o investidor covarde, não há crescimento possível. Gazeta Mercantil - No comércio exterior, a balança comercial terá comportamento bom este ano? No ano passado tivemos um superávit da balança de US$ 46 bilhões, em 2006 foi em torno de U$ 40 bilhões de superávit comercial. A previsão nossa para esse ano é que isso possa cair para US$ 20 bilhões. Nós vamos ter superávit, mas será a metade do que nós vínhamos tendo porque o real está sobrevalorizado. Em fevereiro deste ano, comparado com o mesmo mês do ano passado, as exportações cresceram 26% e as importações 65%. A tendência é essa, de uma queda do superávit. Gazeta Mercantil - Os empresários já assimilaram o dólar baixo? Esse câmbio sobrevalorizado tira a competitividade de nossos produtos. Não é conveniente nem na hora de concorrer com os produtos importados e também na hora de nós exportarmos. Não tem sido fácil encontrar caminhos que resolvam essa questão do câmbio. Uma das medidas que ajudariam a diminuir essa sobrevalorização do real seria a queda dos juros. Ela ajudaria a diminuir a sobrevalorização do real, reduziria os gastos do governo federal e haveria estímulo para toda a economia. Nesse momento temos de deixar de ser tão atrativos à entrada do dólar especulativo, que busca aplicar nos juros mais altos do mundo. Gazeta Mercantil - O Brasil aprendeu as lições das crises para aplicar neste ciclo longo de crescimento? Em primeiro lugar este novo ciclo começou no ano passado. O primeiro ano que nós tivemos um crescimento mais significativo foi 2007, com crescimento de 5,4%, lembrando que os países emergentes cresceram em média 8%. E a média mundial foi 5%. O que nós conseguimos no ano passado foi alguma coisa um pouco acima da média mundial e muito abaixo dos países emergente. Gazeta Mercantil - A Fiesp considera esse crescimento baixo? Não. Sem dúvida é um crescimento melhor do que a média de 3% que vínhamos tendo. Esse ano há possibilidade de crescer 5%. O que nós queremos é o crescimento sustentável e por muitos anos. Agora, sem dúvida nenhuma, para se ter o crescimento sustentável não se pode ter a irresponsabilidade de acabar com a demanda. Porque se houver uma política no sentido de abafar ou de sufocar a demanda vai inibir o investimento, e com isso vai inibir o crescimento no momento seguinte. Nós precisamos de reformas estruturais no País. Para crescer 20 anos seguidos, não se consegue com essa confusão que é nosso sistema tributário. Há necessidade de uma reforma tributária, trabalhista e política. O governo precisa gastar menos e melhor. Não é com os juros mais altos do mundo, altíssima carga tributária e serviços públicos de baixa qualidade que se vai ter crescimento sustentável por 20 anos. O que é preciso é a sociedade estar muito atenta e se mobilizar sempre que seja necessário no sentido das reformas estruturais acontecerem. É preciso realmente quebrar esses paradigmas. Gazeta Mercantil - Em relação à greve dos auditores fiscais, quais as providências da Fiesp e os prejuízos para a indústria? O prejuízo para o Brasil é incalculável quando você tem greves como essa que passam dos limites da responsabilidade, por mais que se respeite as reivindicações das pessoas. O funcionário público tem certos privilégios que o funcionário privado não tem e certas obrigações que também vão além das do funcionário privado. Ele não pode tomar certas medidas que prejudiquem o público em geral e o País. Uma greve como essa está prejudicando o País. Nós na Fiesp e no Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp) entramos na Justiça com mandado de segurança e conseguimos uma liminar determinando que sejam liberadas as mercadorias de todas as indústrias que são ligadas à nossa entidade. E isso está acontecendo até porque é determinação judicial. O funcionário da Receita não tem o direito de não acatar uma determinação judicial. Gazeta Mercantil - Qual é o quadro atual, há empresas paradas? O quadro é muito variável. É lógico que existem empresas que têm suas matérias-primas paradas e sua produção prejudicada. Se parcialmente ou totalmente, depende de cada caso. Existem outras empresas que aguardam componentes complementares. Muitas vezes 95% está pronto mas faltam os 5% para complementar aquele grande lote para fornecer para o mercado doméstico ou para exportação. Isto acaba prejudicando a imagem do Brasil porque você atrasa embarques para o exterior, prejudicando a empresa, prejudicando a todos. Existem casos de mercadorias que estão sendo exportadas que também ficam paralisadas e atrasam as remessas para o exterior. Tudo isso significa prejuízo. Prejuízo material, econômico, prejuízo de imagem. São milhares de casos. Eu diria que é uma irresponsabilidade. É um absurdo. A lei permite que (o funcionário público) faça greve? Primeiro tem que cumprir a lei. Segundo, servidor público tem estabilidade no emprego, tem certos privilégios, e tem obrigações. E uma das obrigações é não permitir que haja prejuízo ao público. Em outros países o funcionário público não tem direito a paralisação. Dá até cadeia. É difícil acreditar que seja correto uma categoria prejudicar toda a sociedade, a todo o País. Gazeta Mercantil - Estamos em um período pré-eleitoral. Como a Fiesp encara estas possíveis mudanças no quadro político? Essa movimentação pré-eleitoral é saudável, faz parte da democracia e tudo que está aí é muito natural. É a oportunidade do povo julgar, do povo fazer seu julgamento. Creio que estamos em um grau de maturidade tanto do sistema democrático quanto das pessoas e dos homens públicos, no sentido de ter uma visão de interesse do País acima de tudo. Mudanças radicais no sentido de piorar qualquer coisa eu não acredito. Acredito que qualquer mudança seja em busca de uma melhoria. O que nós assistimos muitas vezes não são fortes mudanças que piorem, é a falta de coragem de promover mudanças que melhorem. O que nós precisamos dos homens públicos é coragem de promover reformas que atendam aos interesses maiores do nosso País. Gazeta Mercantil - A pressão da demanda não é um risco? O Brasil precisa entrar em um ciclo de crescimento a altas taxas. Queremos crescer 5%, 6%, 7%, queremos crescer por 20 anos. Nós temos de ter demanda sim. Temos de acelerar os investimentos. Temos a menor infra-estrutura do mundo, que há 20 anos não cresce. As rodovias estão esburacadas, ferrovias enferrujadas, portos e aeroportos cheios de problemas, logística cara, faltam investimentos em energia, deixando sempre uma preocupação. A necessidade é a mãe das invenções. Então não se tem que ter receio de se ter necessidades. Tem que ter necessidade e buscar soluções e enfrentar o que precisa para resolver. Isso é saudável. Outros países do mundo viveram isso. A China há quantos anos cresce 10% ao ano? Há 15 anos. Será que a China há 15 anos, quando começou a crescer 10% ao ano, tinha toda a infra-estrutura pronta para o crescimento que ia se seguir? Tudo estava no jeito? Não é a realidade. É enfrentamento. É fazer acontecer. Gazeta Mercantil - Os números do IBGE mostram um aumento na oferta de emprego mas o salário médio não tem crescido na mesma proporção. Quando você amplia produção, você amplia o número de pessoas de salário mais baixo no primeiro momento. Se dobra a produção, você não vai dobrar toda estrutura de uma indústria. Gazeta Mercantil - Há uma mudança no perfil das pautas das entidades sindicais. Como está o relacionamento dos sindicatos? Tem amadurecido e nós temos que ter sempre a busca do equilíbrio, ter as pessoas incentivadas, trabalhando, tendo uma remuneração justa. E, por outro lado, também, dentro dos parâmetros possíveis para que a indústria não perca a sua competitividade em um mundo aberto, dentro de uma realidade que a gente vive no Brasil. Tem de haver o equilíbrio. Nenhum empregador tem satisfação em saber que aqueles que trabalham em sua indústria estão insatisfeitos. A busca é da satisfação e isso tudo não significa só o lado salarial. Hoje muitas pesquisas mostram que a prioridade não é o salário. O ambiente, o trabalho de equipe, os objetivos de uma empresa, a capacitação, o estímulo ao crescimento são importantes. O relacionamento amadurece a cada dia e isso se reflete nos sindicatos. Gazeta Mercantil - A estabilidade longa traz um problema na contratação de mão-de-obra. Como as empresas estão resolvendo esta questão? No Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) de São Paulo vamos ter mais de 1 milhão de matrículas em 2008, todas direcionadas à capacitação. A construção civil tem crescido em média cerca de 10% nos últimos anos. Eu pedi que fizessem um levantamento da construção civil no estado de São Paulo, de dezembro de 2003 a 2007. Em quatro anos, nós saímos de um contingente de 280 mil par 420 mil trabalhadores. Aprovei recursos de R$ 7 milhões, além de tudo que é investido, e nossa projeção para 2008 é aumentar de 26 mil para 42 mil trabalhadores capacitados para a construção civil. Nós estamos cuidando de outros setores como o de petróleo. Estamos formando para a Petrobras 43 mil trabalhadores. Nós vamos buscar atender em sua totalidade a demanda que aparecer na formação de mão-de-obra. Gazeta Mercantil - O fim da CPMF foi uma vitoria do empresariado. Qual o balanço que o Sr. faz? As teses da Fiesp estavam corretas? Na verdade a vitória não foi do empresariado. A vitória foi da sociedade brasileira. Tanto é que nós apresentamos 1,4 milhão de assinaturas vindas de todos os estados do Brasil e da sociedade. Essa foi uma decisão tomada pelo Senado Federal negando a recriação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) porque o Senado ficou sensibilizado com aquilo que a sociedade brasileira queria. Qualquer cidadão que tivesse uma movimentação financeira pagava CPMF e mesmo aqueles que não tinham, de certa forma, como todos os tributos estão embutidos de alguma forma nos preços, acabavam pagando também. Havia estudos mostrando que as classes mais pobres pagavam até mais do que as classes de maior rendimento. (Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 6)()