Título: O Copom tem uma missão definida a cumprir
Autor: Cypriano, Márcio Artur Laurelli
Fonte: Gazeta Mercantil, 18/04/2008, Opiniao, p. A3
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18 de Abril de 2008 - A decisão do Banco Central (BC) desta semana, como seria natural, gerou críticas e elogios. Há muito tempo não se via deliberação cercada de tanta polêmica e divisão de opiniões, inclusive dentro do próprio governo. Provavelmente, a reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) provocou esse acirramento pelo momento em que ela aconteceu. No mundo, o que estamos notando são alguns bancos centrais importantes reduzindo o juro como resposta ao desaquecimento das suas economias. No Brasil, o movimento veio na direção contrária. O importante é tentar entender as razões pelas quais os oito diretores do BC, mais o seu presidente Henrique Meirelles, que formam o Copom, têm assumido o papel de tomar decisões absolutamente críticas quanto ao futuro de toda a população. A questão central é que esta é uma atribuição prevista em seu papel institucional, na qualidade de instrumentalizadores da política de metas de inflação. Seus membros têm como função fazer com que o Brasil encerre o exercício dentro da meta de inflação que foi predeterminada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Os integrantes do Copom não agem por indução própria e não são voluntariosos. Eles devem executar seu trabalho com base em parâmetros técnicos, obedecendo ao critério da eficiência. Faz parte de suas responsabilidades obter resultados com a política monetária e assim garantir a reputação do Banco Central. Para cumprir essa tarefa, são escolhidos profissionais qualificados, com conhecimento específico acumulado pela experiência e formação acadêmica de alto nível. Mas é importante ressaltar que os diretores do BC não são sábios ou seres superiores. São apenas pessoas com habilidades compatíveis com a missão de buscar e adotar as medidas necessárias para fazer com que o País se mantenha dentro dos trilhos da meta de inflação. Não há dúvida que a população apóia esse modelo de condução da política econômica. As pessoas querem a estabilidade monetária, pois foi isso o que lhes deu capacidade de planejar o orçamento doméstico e ter confiança num futuro melhor. Em outras palavras, os membros do Copom estão lá também, e principalmente para contemplar esse desejo da sociedade. Mas por isso suas decisões devem ser sempre corretas. O Banco Central do Brasil é uma instituição relativamente nova, criada em 1964. Só recentemente ganhou autonomia de fato para cuidar de suas obrigações. Desde então, não por acaso, vivemos o mais longo ciclo de estabilidade econômica da história recente. Nos períodos anteriores, quando subordinado aos interesses pontuais do governo, a economia foi errática e, nas décadas de 1980 e 1990, o que se viu foi a estagnação. Essa autonomia conquistada, no entanto, não pode ser confundida com poder absoluto. Hoje, as decisões do Copom são avaliadas, discutidas e, depois, acompanhadas por toda a sociedade. É salutar conviver com o debate. Como vemos pelos exemplos atuais, os Bancos Centrais representam entidades com uma enorme responsabilidade de atribuições. Devem defender a estabilidade monetária, mas, no longo prazo, sua função é criar as condições capazes de promover o aumento continuado da produção de riquezas. A decisão dessa semana recebe nosso apoio. Se, para a autoridade monetária, há indícios de ameaça à meta de inflação, é preciso agir para eliminá-los, antes que se transformem num problema cuja solução implicaria sacrifícios maiores do que um mero ajuste da Selic. Me parece oportuno, porém, adicionar um contraponto. A inflação atual, segundo os especialistas em apuração de preços, é fortemente influenciada pelo impacto dos preços dos alimentos, que, como disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, decorre do fato de que os pobres do mundo estão consumindo mais comida. Ou seja, temos uma mudança de preços relativos global, um fenômeno onde o juro brasileiro tem muito pouco espaço de atuação. É impossível dizer em que grau a elevação da Selic irá desacelerar a economia, mas é certo que não vai provocar uma recessão ou forte desaceleração. De toda forma, haverá perda para o setor privado, que deverá ser sacrificado. O governo, porém, não o será. Em função do bom desempenho econômico dos últimos anos e da carga tributária elevada, as receitas dos governos, sobretudo do governo federal, têm sido excelentes. E estão sendo consumidas com gastos correntes crescentes. Essas despesas - que infelizmente não representam investimentos, nem melhoria sensível nos serviços públicos - crescem expressivamente, ano após ano. O fato é que elas pesam na inflação. Se houvesse determinação em conter esses gastos, a distribuição do sacrifício seria mais equânime. kicker: Se há indícios de ameaça à meta de inflação, é preciso agir para eliminá-los (Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 3) MÁRCIO ARTUR LAURELLI CYPRIANO* - Presidente do Bradesco. Próximo artigo do autor em 9 de maio)