Título: Alta dos alimentos corrói o valor do Bolsa Família
Autor: Lorenzi, Sabrina
Fonte: Gazeta Mercantil, 18/04/2008, Nacional, p. A7

Rio, 18 de Abril de 2008 - O óleo de soja virou artigo de luxo para Kátia e quem vive na pobreza. De acordo com o IBGE, o produto está 53,5% mais caro desde junho, um mês depois que o valor que Kátia recebe do governo federal passou de R$ 95 para R$ 112 por mês. Para dar feijão aos filhos de vez em quando, Kátia aumentou a jornada de trabalho. O feijão preto encareceu 129,3% depois do reajuste dado ao Bolsa-Família. Um quilo custa R$ 4 no mercadinho mais próximo da casa de Kátia. Antes do aumento, a família comprava de quatro a cinco quilos do alimento por mês. Da cozinha, a filha mais velha intervém na entrevista e grita para a reportagem deste jornal: "Mãe, a gente não tem comprado nem um quilo por mês de feijão!". O pão 14% mais caro não cabe no orçamento da vizinhança ouvida por esta repórter. "A sorte deles é que eu sei fazer bolo. Mas tem que ser de fubá, porque a farinha de trigo está muito cara", diz Kátia. "Pão aqui só tem quando madame dá pão duro. Aí a gente esquenta", conta Rosiane Silva, mãe de seis filhos. Como Kátia, Rosiane trocou o leite por suco. Leite só para os pequeninos. O leite, segundo o INPC, encareceu 6,35% desde junho. Até o macarrão, que salva a família de Rosiane nos piores momentos, nas horas em que não há arroz nem feijão, subiu 11,8%. A alta dos preços dos alimentos, infelizmente, tende a continuar, segundo André Braz, pesquisador de preços da Fundação Getúlio Vargas (FGV). O arroz tem sofrido pressão maior por causa das fracas safras no resto do mundo. E a China, que consome muito arroz, tende a jogar o preço nas alturas ¿ os produtores brasileiros já começaram a se interessar por exportações. A China também pressionou o preço da soja, cuja cotação disparou no mercado internacional. Constituídas por soja e milho, as rações para animais, mais caras, podem estar afetando os preços da carne, que voltaram a subir segundo a Fundação Getúlio Vargas. ONU também afetada "As famílias de baixa renda estão com o custo de vida muito mais afetado. Por enquanto, essa pressão deve continuar", afirmou André Braz, o pesquisador da FGV. A alta dos preços dos alimentos no mundo já provoca um rombo de 40% no orçamento da Organização das Nações Unidas (ONU). Para distribuir a mesma quantidade de comida que costumava até meses atrás, a ONU está pedindo ajuda à comunidade internacional. No programa social do governo federal, o impacto dos alimentos não é diferente. O aumento de 18% para o Bolsa-Família foi suficiente para cobrir a inflação passada ocorrida desde o começo do programa. Mas a desenfreada alta de preços, sobretudo provocada pela demanda por commodities, exige novo reajuste para que as famílias mantenham o poder de compra.Como pelo menos 80% do dinheiro do Bolsa-Família é usado para a compra de alimentos, segundo pesquisa do Ministério de Desenvolvimento Social, o impacto é muito maior nas famílias do programa do que no universo investigado pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), que tem como base o orçamento das famílias com até nove salários. No INPC, o peso dos alimentos não chega a 30% da renda. A alta de alimentos para estas famílias investigadas pelo IBGE foi de 13% de junho a março. Reproduzindo o impacto dos alimentos básicos do INPC para o Bolsa-Família, a mordida da inflação pode chegar a R$ 15, na mais conservadora das hipóteses. Mais faxinas Kátia, graças a Deus, tem conseguido mais faxinas. Nem ela, nem Rosiane, se queixa do fato de os alimentos terem tido reajuste e o Bolsa-Família, não. Em vez de reclamar, elas passaram a trabalhar por mais tempo. Rosiane passou a lavar mais roupa para fora. Enquanto fala com a repórter, cata piolho na cabeça do filho, sem parar. O tempo é precioso para quem tem seis crianças e um marido desempregado. Kátia também se vira com artesanato e exibe chaveiros em forma de coração, que vende por R$ 3. Faz junto com as filhas, que gostam de ajudar a mãe. Ganha R$ 200 por mês com serviços prestados para uma ONG. Segundo ela, essa remuneração mais o bolsa-família davam para a cesta básica de toda a família. Antes do repique dos alimentos, sobrava dinheiro para comprar uma roupinha aqui, um material escolar ali. "Sapato novo aqui só quando rasga", diz a mãe guerreira. (Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 6)()