Título: A tragédia de Realengo e a ação da Câmara
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Fonte: Correio Braziliense, 19/04/2011, Opinião, p. 28

Ao curso dos últimos 20 anos, as políticas de segurança pública aprovadas pelo Congresso avançaram, salvo mínimas exceções, sob impulso de tragédias provocadas pelo crime organizado e eventuais chacinas. Atrelaram-se à noção de que aumentar as penas inibiria a atividade delituosa, desatentas à exclusão social como um dos fatores mais dinâmicos da violência. Não sobreveio às punições mais rigorosas qualquer declínio nas estatísticas criminais.

Malgrado a miopia dos legisladores, uma iniciativa escapou à insensibilidade rotineira: em função da Lei n° 10.826, de dezembro de 2003 (Estatuto do Desarmamento), a população recolheu à Polícia Federal, de forma espontânea, mais de 500 mil armas de fogo. Os atentados a tiros se reduziram, mas, pouco tempo depois, aumentaram bem acima dos registros anteriores à lei. Era previsível que a redução no circuito de armas funcionaria apenas como lenitivo e cessaria se não acompanhadas de ações estruturais.

Agora, enxameiam no Congresso ideias de variadas concepções para criar proteção às unidades do ensino fundamental. Tamanha movimentação política se destina a dar satisfação à sociedade chocada com a execução de 12 crianças por um atirador na Escola Municipal Tasso da Silveira, em Realengo, Rio de Janeiro. Alguns parlamentares se apressam em elaborar projetos de lei, outros pretendem desarquivar antigas proposições, mas a maioria cuida apenas de se colocar debaixo dos holofotes da mídia.

A proposta do presidente do Senado, José Sarney, de convocar plebiscito para saber se o povo aprova a proibição da venda de armas no país, desatou o alvoroço legislativo na Câmara. Em outubro de 2005, em consulta idêntica, 64% dos brasileiros responderam não à interdição do comércio de armamentos. Não está em causa discutir se é válido ou não o entendimento de Sarney. Mas toda a atoarda à volta do problema sugere que o carro vai adiante dos bois.

Há mais de 10 anos transita nas serventias do Poder Legislativo o projeto de lei que institui o novo Código de Processo Penal (CPP). Aprovado no Senado em dezembro de 2010, desde então se encontra na Câmara dos Deputados. As emendas que lhe foram apresentadas e outras em via de apresentação prenunciam que a matéria levará ainda muito tempo antes de se converter em lei. Não parece prestigiar a lógica o açodamento quanto à inovação da legislação penal antes de vitalizar o universo jurídico com o novo CPP.

Também desponta como mais conveniente ouvir a Comissão Parlamentar de Inquérito que investigou o tráfico de material bélico. Concluiu-se, ali, que 66% dos armamentos introduzidos no país procedem de contrabando oriundo do Paraguai. Hoje, há 17 milhões de armas ilegais no Brasil, 4 milhões em poder das sociedades de celerados, disse a mesma CPI. Policiar as fronteiras assume, portanto, prioridade absoluta quando se trata de desmuniciar as vanguardas do crime.