Título: Quebra de contrato gera danos ao mercado aberto
Autor:
Fonte: Gazeta Mercantil, 22/04/2008, Editoriais, p. A2

22 de Abril de 2008 - Os novos problemas para os grandes consumidores de energia elétrica já têm data marcada: a partir de maio, quando o País entra no período seco, o preço do megawatt-hora deve voltar a uma rota de forte alta. Esses consumidores conhecem bem esse processo: quando o preço dispara com a escassez de energia, quem sofre o maior impacto é a eficiência do chamado mercado livre, o sistema de negociação que permite comprar o insumo livremente, iniciativa que já atraiu boa parte dos consumidores de grande porte, indústrias e shopping centers. Foi o que ocorreu no primeiro bimestre, quando o custo do megawatt-hora (MWH) chegou a valer cinco vezes mais do que custava seis meses atrás. Cabe ao governo, obviamente, oferecer garantias de que o País não enfrentará oscilações tão fortes de oferta, a ponto de que até contratos de entrega de energia do mercado aberto não foram cumpridos, quando os preços dispararam. A referência a fevereiro procede, porque naquele mês a Câmara Comercializadora de Energia Elétrica (CCEE), que contabiliza os negócios de compra e venda do setor, revelou a inédita inadimplência de 8,3% referentes às transações de janeiro, quando, tradicionalmente, esse índice não ultrapassava 1%. Vale lembrar que na segunda quinzena de janeiro, a energia negociada no mercado de curto prazo, chamada tecnicamente de Preço de Liquidação de Diferenças (PLD), atingiu R$ 564 por MWh, influenciado pela falta de chuva e baixo nível dos reservatórios. Nesse momento, muitos consumidores lembraram que, no período em que o Brasil sofreu o apagão energético em 2001, o PLD bateu no teto de R$ 684 o MWh. Com a explosão do preço em janeiro, a inadimplência chegou a R$ 96 milhões no mês seguinte. A energia vendida no mercado livre, sem vínculo com qualquer concessionária, é vendida aos grandes consumidores e já representa mais de 25% do total de energia consumida no País. A formação do PLD, no entanto, depende mais de fatores climáticos, volume de reservatórios e disponibilidade de usinas do que da oferta e demanda de energia propriamente dita, o que limita bastante a ação apenas emergencial do Operador Nacional do Sistema. Na crise de fevereiro, a CCEE esclareceu que apenas 21 agentes do mercado livre, do total de 900, deixaram de pagar o que deviam. Com a explosão dos preços algumas comercializadoras operavam de forma muito alavancada, vendiam energia que ainda não tinham, aceitando o risco de comprar essa energia no mercado spot a preços mais baixos que os do contrato. Como os preços saíram do controle, alguns contratos não foram honrados obrigando a parte prejudicada a cobrar o contratado na Justiça. Esse é o ponto perigoso. Como lembrou o diretor do Centro Brasileiro de Infra-estrutura (CBIE), o quadro de intranqüilidade no mercado livre é preocupante porque há um descompasso tarifário muito grande entre o mercado cativo (comprometido com uma única concessionária da região) e o mercado livre, que vem enfrentando oscilações muito fortes de preços. Para o CBIE, essas distorções de preços são tão significativas que forçam o grande consumidor ou a voltar ao mercado cativo ou a investir pesado na autogeração de energia elétrica. Nos últimos três anos, as comercializadoras venderam sem ter a energia garantida no volume necessário. E com lucro, desde que comprem agora essa energia com preço mais baixo do que o fixado no contrato. A situação, que é favorável para regular o preço da energia, passou a falhar quando faltou energia suficiente no mercado por problemas de geração. O quadro chegou a tal ponto de tensão que uma comercializadora contratou empresa de auditoria para conferir planilhas de compra e venda, atestando a viabilidade técnica da entrega de energia para novos contratos. A intenção da comercializadora é garantir aos possíveis clientes que terá a energia contratada para entregar. Ou seja, que a comercializadora não está alavancada além de certos limites, um indício de que há uma intranqüilidade, além da conta no mercado de energia elétrica. Ao operador nacional do sistema elétrico cabe oferecer garantias de que haverá a oferta necessária para que o mercado livre possa funcionar, cumprindo um papel regulador natural. É fato que a lógica do mercado livre pode não ser do agrado do atual modelo do sistema elétrico. A CBIE alertou que o governo tem grande responsabilidade na disparada de preços entre os dois mercados, o cativo e o livre, porque estimula nos leilões de venda de energia preços muito baixos. No pregão da Usina Santo Antônio, no rio Madeira, o governo impôs deságio de 35%, levando o preço do MWh a R$ 78, quando o consumidor do mercado livre já negocia a energia dessa usina a R$ 135. Essa situação, de pouca transparência do que quer o governo, gera intranqüilidade no setor. Como os fatos, incluindo quebras de contrato, apenas confirmam.