Título: Pode-se ou não fazer política para os pobres?
Autor: Dowbor, Ladislau
Fonte: Gazeta Mercantil, 22/04/2008, Opinão, p. A3

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22 de Abril de 2008 - Às vezes a gente precisa desabafar um pouco. Escutando entrevistas na CBN, ouvi um desabafo indignado (no sentido parlamentar da palavra) de um deputado, dizendo-se escandalizado com o programa Territórios da Cidadania. Como é dinheiro para as regiões mais pobres do País, evidentemente trata-se de uma medida eleitoreira, de uma autêntica compra de votos. Querem declarar o programa inconstitucional. A armadilha que prende os pobres é impressionante. Os pobres são muitos, e votam. E como são muitos, o que se fizer pelos pobres rende votos. Logo, qualquer medida que favoreça os pobres constitui demagogia, autêntica compra de votos. Ah, se os pobres não pudessem votar, seria ideal, pois poderíamos fazer políticas para os pobres sem que isso deformasse a vontade popular e pesasse nas eleições. Mas votam, e como há eleições a cada dois anos, pode-se fazer política para os pobres uma vez a cada dois anos. Considerando que a desigualdade é de longe o principal problema do País, tentar travar políticas que a reduzam não é oposição, é sabotagem. O programa Territórios da Cidadania destina 9,3 bilhões de reais (valor próximo do valor do Bolsa Família) a 958 municípios situados nas regiões mais pobres do País. Vem sendo preparado desde o início da primeira gestão, através de identificação de territórios a serem privilegiados, no quadro de uma metodologia desenvolvida pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). A seleção envolveu o baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), entre outros critérios, e agrupou os territórios segundo o sentimento de identidade efetivamente sentido pelas comunidades interessadas. Assim uma bacia hidrográfica com vários municípios pode constituir um "território" mais significativo do que um município isolado. Isto favorece a apropriação organizada dos aportes pelas comunidades. Foram alguns anos de trabalho. A oposição ao programa Territórios da Cidadania é uma bobagem monumental. A pressão não deve buscar o travamento do programa, como estão tentando pessoas que têm uma visão curiosa do que é ser "democrata", mas a ampliação do mesmo, assegurando que haja apoio institucional, capacitação, informação e outras medidas que permitam que o processo seja apropriado de maneira criativa em cada localidade. Esta apropriação, ou empoderamento como tem sido chamado, é essencial. Trata-se de uma importante mudança de cultura política, da compreensão de que o desenvolvimento não se espera, se faz. O que aprendemos penosamente nas últimas décadas é que sem recursos não se faz nada, mas também que programas de pára-quedas, respondendo apenas à lógica da oferta, não são insuficientes. As organizações da sociedade civil têm sido fundamentais nesta apropriação das políticas pelos próprios interessados, como se vê por exemplo no sucesso do programa de cisternas da ASA ou da Pastoral da Criança. Naturalmente, também aqui ouvem-se vozes indignadas (sempre no sentido parlamentar) querendo uma CPI correspondente para investigar ONGs: não estaria muito melhor gerido o recurso na mão de uma empreiteira? Aliás, permitam-me deixar aflorar o economista que sou: se fizermos um zoom e olharmos a grande imagem, o fato de termos 100 milhões de pessoas que mal participam da nossa economia ¿ mais certo seria dizer que em torno dela gravitam ¿ aponta claramente para os rumos de desenvolvimento: dinheiro no andar de baixo não é aplicado em mecanismos financeiros nem em viagens internacionais. Transforma-se em demanda de bens simples e úteis, o que estimula o mercado interno, o que por sua vez gera pequenos negócios e intensifica os grandes, promovendo emprego e gerando mais demanda. Este círculo virtuoso já começou. Pequeno, incipiente, mas já começou. Vale a pena preservá-lo, ampliá-lo. E, se der certo, será bom para todos. Política que favorece os pobres sempre renderá votos, pois os pobres são pobres, mas não burros. E são muitos, efeito indiscutível de séculos de política de direita. Uma oposição que queira travar estas políticas acaba dando um tiro no próprio pé. O País está maduro para um processo modernizador inclusivo. Tentar impedí-lo para quê? Oposição é ótimo: pressionem para que se faça mais. kicker: Travar políticas para reduzir a desigualdade não é oposição, é sabotagem (Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 3) LADISLAU DOWBOR* - Professor titular da PUC de São Paulo e consultor de diversas agências das Nações Unidas)