Título: Agenda de Doha teria envelhecido?
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Fonte: Gazeta Mercantil, 25/04/2008, Interncional, p. A18
São Paulo, 25 de Abril de 2008 - A Rodada Doha, de negociações para a liberalização do comércio global, está ficando obsoleta diante das últimas mudanças do cenário macroeconômico mundial, alerta o diretor geral do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone), André Nassar. "A Rodada Doha envelheceu. Muitas questões que foram propostas no último texto, em 2004, estão desatualizadas diante dos últimos acontecimentos", disse Nassar em entrevista à Gazeta Mercantil. Ele mencionou a forte alta dos preços das commodities como um dos fatores que estão afetando discussão da rodada. Além disso, acrescenta o analista, os temas do momento como sustentabilidade ambiental e segurança alimentar estão fora das discussões no âmbito dos 151 países membros da Organização Mundial Comércio (OMC). Prestes a completar em junho sete anos de um diálogo interrompido incontáveis vezes, a Rodada Doha corre o risco de fracassar, e o pior, se for fechada de forma menos abrangente sequer vai atingir a minoria de seus objetivos, como o desenvolvimento dos países mais pobres. Questão ambiental O tema Comércio e Meio Ambiente faz parte do texto da declaração ministerial de novembro de 2001 que sugere um acordo setorial para bens ambientais. "Era para existir uma negociação em separado sobre bens ambientais, mas as conversas sobre o tema agrícola travaram e pouco se avançou nos demais, como o de bens industriais", comenta Nassar acrescentando que, neste segundo tópico, o país mais resistente na OMC é a Argentina. Uma lista de bens industriais que seriam definidos como bens ambientais chegou a ser cogitada, mas as divergências foram muitas e pouco se avançou, recorda o executivo. "A Suíça, por exemplo, chegou a colocar a bicicleta, por ser menos poluente, e o Brasil, que no início era contra, demonstrou interesse em colocar o etanol e produtos orgânicos." De acordo com dados do Ministério das Relações Exteriores brasileiro, essas distorções eram tão grandes que havia país querendo colocar TV de plasma na lista de bens ambientais para serem beneficiados com a redução tarifária alegando que o aparelho tinha consumo de energia menor. Buscando contornar essa situação, em setembro de 2007, o Brasil entrou com uma proposta de uma releitura de como se tratar a definição de bens ambientais e buscou enfatizar a questão dos produtos orgânicos e do etanol. No entanto, pouco se avançou na proposta, que continua em negociação, segundo o Itamaraty. E, como agricultura é considerado o tema principal da agenda de desenvolvimento de Doha, os outros assuntos só terão avanço quando o tema agrícola destravar. Só então haverá andamento na de uma proposta para uma liberalização maior para bens ambientais. Boom das commodities As maiores mudanças no cenário internacional ocorreram a partir de 2005, devido ao aumento das preocupações na busca de energias alternativas, Estados Unidos e Europa aqueceram a demanda por milho e por óleos vegetais em geral. Aliando isso à forte demanda por grãos da China, com os suas 1,3 bilhão de bocas para comer, os preços das commodities agrícolas dispararam e acabaram acumulando uma alta muito maior do que a do petróleo. Um levantamento feito pelo Icone, com base nas médias anuais das cotações entre 2005 e o primeiro trimestre de 2008, o óleo de palma teve a maior alta entre as commodities agrícolas: 294%. Já o óleo de soja, o milho, a soja em grão e o arroz subiram, respectivamente, 254%, 224%, 219% e 168%. Enquanto, isso, o petróleo teve uma variação de 177% no mesmo período, conforme os dados levantados pelo diretor geral do instituto. Teto de subsídios Diante desse boom das commodidies, um dos temas discutidos na Rodada Doha, que é o teto dos subsídios para os países desenvolvidos volta a ser questionado novamente. "Hoje, com os grãos em alta, os EUA reduziram os subsídios que distorcem os preços das commodities e muitos deles já não existem", afirma Nassar. "Não se sabe até quando o preço alto dos grãos irá compensar a redução dos subsídios." Com base em um levantamento feito pelo Icone junto a dados sobre a concessão de subsídios aos produtores norte-americanos, Nassar comenta que o milho, principal commodity utilizada na produção do etanol norte-americano, deverá receber neste ano zero em subsídios distorcivos. Ele calcula que os subsídios caíram do recorde de US$ 10 bilhões concedidos em 2000, para US$ 4,3 bilhões, praticamente a metade dos US$ 8,8 bilhões registrados em 2006. De acordo com Nassar, os chamados "pagamentos fixos", uma espécie de ajuda de custo para o agricultor mesmo quando ele não produz, chega a US$ 2 bilhões no caso desta commodities. Para o arroz, o "pagamento fixo" é de US$ 400 milhões e, para a o algodão, US$ 600 milhões. Os produtores de trigo têm um "pagamento fixo" de US$ 1,1 bilhão. Estes subsídios entram na famosa "caixa verde", de subsídios que não estão em discussão nas negociação de Doha porque não distorcem o preço das commodities. Neste caso, os que são discutidos na OMC pertencem às caixas amarela e azul. "Desde 2004, o documento oficial das discussões não foi mudado", critica Nassar. Segundo ele, o momento agora de impasse está na questão dos produtos sensíveis, e, por conta disso, dificilmente se conseguirá chegar a uma proposta para o acordo até o próximo mês, como espera o diretor geral da OMC, Pascal Lamy. Na opinião de Nassar, uma das maiores distorções das negociações de Doha que ocorre agora é o fato de países que defendiam o aumento das próprias exportações de arroz, como a Tailândia e China, estão elevando suas barreiras para assegurar o abastecimento interno. Ontem, foi a vez do Japão, pedir que a OMC evite essas restrições. (ver matéria à esquerda) De acordo com o Itamaraty, o governo brasileiro utiliza o argumento de que é importante combater a alta dos alimentos com freqüência para que se avance as negociações. Na opinião do governo brasileiro, a alta nos preços da commodities e a questão da segurança alimentar é muito mais resultado dos elevados subsídios dos países desenvolvidos do que do aumento da procura por biocombustíveis. O Itamaraty defende a tese de que os subsídios impedem as produções dos países pobres e o Brasil defende um teto menor do que o atual para o limite dos subsídios dos países desenvolvidos. (Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 18)(Rosana Hessel)