Título: O etanol de cana e o aquecimento global
Autor: Junqueira, Marcelo Schunn Diniz
Fonte: Gazeta Mercantil, 28/04/2008, Opiniao, p. A3

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28 de Abril de 2008 - A cada ano, a temperatura do planeta aumenta e mudanças climáticas desordenadas têm provocado fenômenos naturais que até então eram inéditos. Diante do caos anunciado, todas as atenções se voltam para questões ambientais. É unânime a opinião de que os países devem adotar políticas que não agridam ao meio ambiente, mas não tragam prejuízos econômicos e sociais. Até mesmo nações como China e Índia, que ocupam as primeiras colocações no ranking de emissão de poluentes, tentam repensar suas estratégias de crescimento econômico. Recentemente, uma pesquisa do Worldwatch Institute mostrou que se esses dois países utilizassem a mesma quantidade de petróleo per capita que o Japão, suas demandas seriam maiores que a de todo o planeta. Entre todos os combustíveis alternativos, o que mais se destaca do ponto de vista econômico e ambiental é o etanol (ou álcool combustível). Além de ser uma fonte renovável e de baixas emissões em comparação aos combustíveis fósseis, o etanol pode ser misturado à gasolina, reduzindo emissões de poluentes. O Banco Mundial (Bird), a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Agência Internacional de Energia (AIE) já manifestaram publicamente os benefícios do etanol derivado da cana, classificando o biocombustível como o mais aceitável do ponto de vista ambiental, em comparação com aquele derivado do milho e da beterraba. Todas as nações sonham com medidas efetivas, que agreguem energias limpas e reduzam a dependência desses combustíveis. A adição obrigatória de etanol à gasolina, por exemplo, já foi adotada por alguns países. No entanto, na prática, nem sempre a regra é seguida. Se estas medidas fossem de fato praticadas, estima-se que haveria um aumento da demanda em torno de 40 bilhões de litros. Somente no Japão -- que deve definir este ano o uso do etanol como combustível -- caso fossem adicionados 5% de etanol à gasolina, haveria um aumento estimado de 3 bilhões de litros/ano na demanda mundial. Mesmo com uma exportação tímida, em torno de 4 bilhões de litros de etanol em 2007, o Brasil é um dos maiores produtores mundiais e tem condições de se tornar rapidamente uma potência no setor. Já produzimos pouco menos da metade da demanda mundial de 54 bilhões de litros e somente o mercado interno brasileiro já justificaria tanto empenho em produzir mais. Mas os investimentos não têm se mostrado nada tímidos, seja por parte de grupos locais, investidores internacionais ou fundos de private equity. Em 2007, a venda de automóveis no Brasil foi recorde. A Anfavea e a Fenabrave falam de 2,97 milhões de unidades produzidas. Desse total, 86% saíram das fábricas aptos a consumir o etanol. Em abril, pela primeira vez desde a década de 80, no auge do Proalcool, o consumo de álcool combustível poderá superar o de gasolina. Dados de janeiro de 2008 mostram que o consumo de álcool hidratado cresceu 51,4% na comparação com o mesmo período de 2007. Atualmente, pelo menos 50 novas usinas de etanol estão em construção no Brasil e há projeções de US$ 14 bilhões em investimentos nas indústrias até 2013. Mato Grosso do Sul, Goiás e Minas Gerais são os principais destinos de recursos, criando condições para que o setor cresça ainda mais, gere empregos e fortaleça o mercado local de fabricação de equipamentos para usinas, o qual vem ganhando cada vez mais destaque. Nesse cenário tão promissor para o mercado interno, o país luta para transformar o etanol da cana-de-açúcar em uma commodity internacional, o que dificultaria a criação de barreiras tarifárias, principal dificuldade enfrentada na exportação. Mais que superar os obstáculos estabelecidos pela União Européia e pelos Estados Unidos, o Brasil terá de provar as vantagens econômicas do produto. Se, no pior dos cenários, as portas do mercado mundial não se abrirem para o etanol, o mundo continuará consumindo açúcar. Bastariam os carros flex do Brasil para que a produção do álcool nacional fosse absorvida. No entanto, a rejeição ao etanol derivado de cana é improvável. O petróleo é uma fonte esgotável de energia, além de ser extremamente poluente. Por toda essa importância ambiental e socioeconômica, o etanol é um assunto que deve ser privilegiado na agenda de grandes líderes do mundo político e empresarial. kicker: Os investimentos em novas usinas no Brasil devem atingir US$ 14 bilhões até 2013 (Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 3) MARCELO SCHUNN DINIZ JUNQUEIRA* - Engenheiro agrônomo e diretor da Clean Energy Brazil)