Título: Excesso e inércia explicam número de MPs
Autor: Ribeiro, Fernando Taquari
Fonte: Gazeta Mercantil, 28/04/2008, Politica, p. A9
São Paulo, 28 de Abril de 2008 - Desde a Constituição de 1988, o número de medidas provisórias enviadas pelo Executivo ao Congresso Nacional é diretamente proporcional à "servidão voluntária" dos parlamentares. Desde aquela época foram editadas, pelos cinco presidentes que se sucederam no poder, 1002 MPs, sendo 334 durante as duas gestões de Fernando Henrique Cardoso e 312 nos seis anos de Luiz Inácio Lula da Silva à frente do Palácio do Planalto. O abuso no uso deste instrumento têm sido a marca registrada de todos os presidentes eleitos depois da redemocratização. Enquanto parlamentares discutem mudanças no rito das medidas provisórias a fim de conferir maior autonomia ao Congresso, o procurador eleitoral do Rio de Janeiro, Rogério Nascimento, garante que o País poderia viver sem esta ferramenta, tradicional em países com regime parlamentarista. Especialista no assunto e autor do livro "Abuso do Poder de Legislar", Nascimento afirma que o Executivo tem outros instrumentos para governar. Como exemplo, cita a possibilidade do presidente solicitar urgência em matérias de seu interesse e a iniciativa de projeto de lei. "Nunca tivemos nada semelhante às MPs antes do regime militar. Depois de 1964, chamava-se decreto lei. O País não ficou melhor nem pior. Além disso, as MPs não são sequer figura típica do presidencialismo. O Chile, por exemplo, não tem. Portanto, é possível viver sem este instrumento", diz o procurador. Ele destaca, contudo, que as medidas provisórias podem ser úteis no Brasil se utilizadas com parcimônia e economia. O problema, alerta, é que a partir da Constituição de 1988 se estabeleceu uma relação de servidão voluntária por parte do Legislativo. "Depois de 1988, vemos um presidencialismo de coalizão. Todos os presidentes têm distribuído cargos em função dos partidos que os apóiam. Criou-se, então, o hábito de governar com MPs. O Congresso também ganhou um poder de barganha", explica Nascimento. A culpa desta situação, que paralisa os trabalhos no Congresso, na sua opinião, pode ser atribuída tanto ao excesso de MPs editadas pelo Executivo quanto à inércia dos parlamentares de legislarem. "A banalização desta ferramenta por todos os presidentes quebra o equilíbrio e a autonomia entre os poderes", diz. Se existe excesso, acredita Nascimento, é porque medidas provisórias são editadas sem relevância ou urgência. Por isso, defende que o Supremo Tribunal Federal (STF) ou o próprio Congresso cumpram o papel de arbitrar ao considerarem determinados casos como inconstitucionais. O cientista político da Arko Advice, Cristiano Noronha, também chama atenção para a falta de critérios no uso das MPs. "Muitas tratam de matérias orçamentárias. Isso desrespeita a Constituição, que determina que créditos extraordinários só devem ser analisados desta forma em casos de calamidade pública. Outras MPs se utilizam de caronas. Ou seja, tratam de um assunto e, de repente, é inserido um ponto fora do contexto. Foi assim com a medida provisória que deu mais poderes para a Eletrobrás", recorda Noronha. Nascimento argumenta que a emenda 32, de 2001, melhorou a relação de independência dos poderes ao mudar os prazos, limitar os assuntos, restringir a uma única reedição, além de definir regras sobre tramitação. No entanto, lembra que ainda há MPs anteriores à emenda que estão valendo e não foram apreciadas. De acordo com o Senado, até 2007, havia 52 medidas provisórias anteriores a 2001. "Isso tem que ser corrigido. As MPs passaram a valer sem prazo para expirar. Tinham que durar 60 dias e não seis anos como está acontecendo em alguns casos. Não pode transformar em definitivo algo que a Constituição diz que é provisório", ressalta o procurador, que considera justa a reivindicação do Senado de alternância na apresentação das MPs. A Constituição prevê que o projeto modificado sempre precisa voltar à Casa iniciadora, no caso a Câmara. "Os senadores têm motivo para reclamar. Afinal, a última palavra sempre fica com os deputados. As MPs costumam chegar com a pauta trancada ao Senado, uma vez que a Câmara gasto o prazo todo, que é de 45 dias." Nascimento também defende o trancamento da pauta como um meio de garantir o direito de manifestação das minorias. "O problema não está no trancamento, mas sim no número abusivo de MPs". (Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 9)()