Título: Ex-diretor do BC defende socorro ao setor
Autor: Carvalho, Jiane
Fonte: Gazeta Mercantil, 28/04/2008, Finanças, p. B2

São Paulo, 28 de Abril de 2008 - Em um momento de turbulência como o atual não há muitas alternativas, a não ser uma intervenção dos bancos centrais para impedir que o problema de liquidez das instituições financeiras se alastre. A idéia é defendida pelo ex-diretor de política monetária do Banco Central Alkimar Moura, hoje professor de economia da Escola de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP). O economista teve duas passagens pelo BC em momentos muito distintos. Esteve à frente da diretoria de Política Monetária em 1987 e voltou ao posto entre 1994 e 1997, resistindo a três diferentes presidentes do BC: Pedro Malan, Pérsio Arida e Gustavo Loyola. Atuando no BC, Alkimar Moura viveu tanto o período de hiperinflação, nos anos 1980, como a criação do Real nos anos 1990 e o criticado Proer, programa de socorro aos bancos patrocinado pelo BC em 1995. Foi ainda vice-presidente do Banco do Brasil (BB) no segundo mandato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Apesar de defender a atuação dos bancos centrais em momentos críticos, afirmando que o papel de todo BC é "ser um emprestador de última instância para evitar problemas sistêmicos", Moura critica mudanças de regras, como a aceitação de papéis colaterais como garantia dos empréstimos. "A conta do socorro patrocinado pelo Fed vai acabar sendo paga pelo contribuinte americano", diz. O economista afirma ainda que houve "negligência" das autoridades fiscalizadoras americanas e que a forma de fiscalizar os bancos no Brasil faz mais sentido. Sobre política monetária doméstica, o ex-diretor do BC diz, entre outras coisas, que a independência do BC não mudaria muitas coisas e que uma política monetária 100% independente de outras áreas do governo não existe. Leia os principais trechos da entrevista: Gazeta Mercantil - Como o sr. avalia a atual crise de liquidez bancária global, por conta do mercado americano de hipotecas subprimes? É preciso lembrar dois aspectos importantes desta crise. Um deles foi uma certa leniência na concessão de crédito, emprestaram dinheiro para quem não podia receber. As instituições se alavancaram muito. Além disso, o sistema regulatório e fiscalizador se mostrou frouxo, incapaz de evitar o problema. Depois que a crise se instalou, os BCs tinham de agir, não havia alternativa. Gazeta Mercantil - As autoridades fiscalizadoras foram negligentes? Houve, de fato, negligência dos reguladores e também muita confusão sobre qual o papel das entidades. O Fed fiscaliza os chamados bancos nacionais; a SEC, o mercado de capitais; e outros órgãos também desempenhavam papéis semelhante. Ninguém olhava o todo e havia muita superposição. Gazeta Mercantil - De que forma esta confusão entre as entidades colaborou para a crise? Houve muita alavancagem das instituições, que potencializou os efeitos da crise. Era um crédito de baixa qualidade que foi empacotado sob a forma de diferentes instrumentos financeiros, vendidos dos bancos comerciais para os bancos de investimentos e depois foram parar nos fundos. Ninguém via o que estava acontecendo. O problema se espalhou e hoje é difícil saber qual a extensão da crise, ainda faltam elementos. Gazeta Mercantil - O sistema fiscalizador brasileiro difere muito do americano? Aqui, de certa forma, o sistema fiscalizador é mais eficiente. A amplitude de fiscalização do BC é maior até porque temos basicamente bancos múltiplos, que tanto atuam como comerciais e de investimento, o que facilita a fiscalização do BC. Aqui a regulamentação faz mais sentido. Gazeta Mercantil - Mas a injeção de liquidez, o socorro a bancos que haviam ganho muito com a alavancagem ao longo de anos, foi correta? O pesadelo de qualquer banco central é que o mercado financeiro trave, que os ajustes diários de liquidez não consigam ser feitos. É papel do Fed ser um emprestador de última instância. Se os BCs não resolvem rapidamente o problema, cresce a desconfiança e a situação piora rapidamente. Gazeta Mercantil - Mas isto não alimenta novos equívocos, os bancos sabendo que o socorro vai ocorrer não podem insistir em operações muito alavancadas e gerar novas crises? É claro que o velho dilema de o Fed estar realimentando os erros dos bancos, ao sair em socorro, existe, mas no meio do terremoto não há outra alternativa. A função de um BC é emprestar aos bancos solventes, mas transitoriamente ilíquidos, os recursos para que a operação continue. Mas isto tem de ser feito a uma taxa extra punitiva. Gazeta Mercantil - E isto está ocorrendo? A crítica que tem de ser feita ao Fed é de mudança em algumas regras. Antes, só bancos comerciais tinham acesso a estas linhas de crédito, mas o Fed incluiu o Bear Stearns, que é banco de investimento, porque estava quase fechando as portas. Os prazos também foram alongados e, pior de tudo, começaram a aceitar colaterais duvidosos como garantia. Isto vai acabar na conta do contribuinte americano. Gazeta Mercantil - O socorro dado pelo Fed e também por bancos centrais europeus aos bancos tem alguma semelhança com o Proer brasileiro, que o sr. participou da elaboração em 95? A semelhança é que naquele momento, assim como agora, existia um risco para o sistema o que exigia uma atuação do banco central. As instituições brasileiras socorridas, Econômico, Nacional e Bamerindus, estavam entre as dez maiores do País e se não fizéssemos nada havia risco sistêmico potencial alto, como agora. Gazeta Mercantil - O Proer foi muito criticado na época por socorrer os bancos. Foi sim, mas as críticas de ajuda a banqueiro são infundadas. Os bancos tiveram seu patrimônio zerado, portanto o patrimônio dos acionistas dos bancos também foi zerado. Agora o patrimônio pessoal dos banqueiros aí já é um problema judicial, não cabia ao Banco Central. Gazeta Mercantil - De que forma esta crise pode afetar o Brasil? Do ponto de vista do mercado financeiro não existe esta história de descolamento. Há sempre uma ligação entre os mercados. Mas o reflexo hoje é menor do que no passado. O Brasil vive outro momento com reservas elevadas, na casa dos US$ 190 bilhões. Gazeta Mercantil - A estratégia de compra de dólares pelo BC para engordar as reservas tem sido muito criticada, pelo custo elevado. O sr. concorda? Engordar as reservas é sempre saudável, principalmente quando se vê o efeito positivo de reservas altas em uma crise como a atual. Agora a discussão se o custo é ou não o mais adequado é difícil saber, mas acho que as críticas são exageradas. Gazeta Mercantil - Exageradas como? As pessoas calculam a diferença entre a remuneração das reservas, próxima a taxa americana, e o custo de emissão de papéis da dívida para tirar da economia os reais injetados pelo BC, que pagam a taxa Selic. No entanto, é preciso incluir na conta o aumento dos ganhos dos bancos que compram os papéis e o quanto isto aumentará a arrecadação do governo. A conta não é simples. Os custos estão superestimados. Gazeta Mercantil - Parte do mercado considera a manutenção das compras de dólares pelo BC uma tentativa de evitar quedas fortes da moeda. O sr. concorda com isto? Nenhum BC deixa o câmbio totalmente solto, flutuação 100% limpa não existe em nenhum lugar do mundo, talvez em Cingapura, mas só lá. A verdade é que o BC trabalha com um olho na inflação e outro no dólar. Gazeta Mercantil - O que mudou na forma de atuação do BC da época em que o sr. esteve lá para hoje? Acho que a principal mudança foi a criação de um ritual de política monetária, com a instituição do Copom, as atas e o mandato do BC para perseguir uma meta de inflação. Ficou tudo mais institucionalizado, mais transparente, o que é positivo. Gazeta Mercantil - Qual é hoje o principal papel do BC? É conduzir o mercado, as expectativas de inflação e para isto seu grande ativo é a reputação. Quando ele emite um sinal de que vai subir o juro, precisa ratificá-lo de forma coerente. Gazeta Mercantil - Como o sr. avalia a gestão atual do BC em um momento de retorno do aperto monetário? Se o BC tem de errar é melhor que erre por ser conservador. O aperto monetário atual é preventivo. A característica de BCs serem mais conservadores do que a média da sociedade. Gazeta Mercantil - Ao longo do governo do presidente Lula tem sido comuns divergências entre os ministros ligados ao setor produtivo e o presidente do BC, Henrique Meirelles. Um BC independente, como muitos defendem, seria melhor? Não sei se um BC independente muda muita coisa. O Copom já é independente de fato. A formalização apenas daria mais segurança aos diretores e ao presidente do BC, que não poderiam ser tirados do cargo. Gazeta Mercantil - Existe política monetária independente de outras áreas do governo? Não existe política monetária 100% independente. Isto não existe. É preciso haver alguma coordenação entre o BC e outras áreas do governo. (Gazeta Mercantil/Finanças & Mercados - Pág. 2)()