Título: País tem déficit recorde de US$ 10,7 bilhões no trimestre
Autor: Saito, Ana Carolina; Assis, Jaime Soa res de
Fonte: Gazeta Mercantil, 29/04/2008, Nacional, p. A5

São Paulo e Brasília, 29 de Abril de 2008 - O Brasil registrou em março o maior déficit em transações correntes para o mês da história, de US$ 4,429 bilhões, impactado por um saldo comercial minguante e pela elevação das remessas de lucros e dividendos feitas pelas empresas. No trimestre, o saldo negativo chegou a US$ 10,757 bilhões, também recorde para o período. Com saldo positivo na conta capital e financeira foi de US$ 5,8 bilhões, o balanço de pagamentos no mês de março registrou superávit de US$ 1,3 bilhão, ante US$ 3,6 bilhões do mês anterior e aos US$ 8,5 bilhões em março de 2007. Em 12 meses até março, o déficit em transações correntes corresponde a 0,71% do Produto Interno Bruto (PIB), ante déficit de 0,36% do PIB em 12 meses até fevereiro. Para o chefe do Departamento Econômico do Banco Central, Altamir Lopes, os déficits são "ainda baixos e perfeitamente financiáveis", dado o bom desempenho dos investimentos estrangeiros diretos, que, em março, somaram US$ 3,083 bilhões, valor recorde para o mês. No trimestre, eles somam US$ 8,799 bilhões, também o mais elevado da série. Para abril, a projeção do BC é que os investimentos cheguem a US$ 3,8 bilhões. O resultado, divulgado ontem pelo BC, superou as projeções do mercado e da própria autoridade monetária, que previam um déficit de US$ 3 bilhões para o mês, e se compara com um superávit de US$ 235 milhões registrado em março de 2007. Somado ao déficit previsto para abril pelo BC, de US$ 2,8 bilhões, o resultado negativo soma US$ 13,557 bilhões, superior ao déficit de US$ 12 bilhões estimado pela autoridade monetária, em março, para todo o ano. Com o resultado de março acima da sua projeção de US$ 2,9 bilhões em março, a LCA Consultores elevou a estimativa de déficit em transações correntes de US$ 16 bilhões para US$ 21,5 bilhões em 2008. Mais da metade da revisão de US$ 5,5 bilhões deve-se ao desempenho de remessas de lucros e dividendos. As remessas de lucros e dividendos somaram US$ 4,345 bilhões no mês passado, maior valor mensal já registrado e frente a US$ 1,774 bilhão em março do ano passado. "Esses resultados surpreenderam. O déficit choca, mas o fato de estar relacionado ao aumento de lucros e dividendos é menos preocupante [do que se estivesse associado a outra área]", comenta a economista LCA, Adriana Dupita. Lopes reafirmou que esse crescimento reflete a maior lucratividade das empresas, o câmbio favorável e também o fato de determinados setores terem de cobrir posições no exterior devido à crise externa. Os setores de serviços financeiros, de veículos e metalúrgico foram os que fizeram as maiores remessas no primeiro trimestre do ano, com respectivamente 33,5%, 17,7% e 12,1% do total. "São exatamente aqueles setores que, de fato, têm dificuldades no exterior e estão promovendo remessas para eventualmente cobrir algumas dificuldades externas", afirmou Lopes. Ele ponderou que esses setores também estão entre os que têm feito as maiores parcelas de investimento direto no país. "Então não é possível falar em impacto direto da crise", afirmou Lopes. Para o economista sênior da Austin Rating, Nelson Carneiro, o Brasil está bem posicionado devido ao nível de reservas internacionais, de 194,786 bilhões até o ano passado. "O cenário é diferente de outros anos, quando tínhamos déficit sem reservas", comenta. "O importante é que o País tenha acesso aos dólares necessários para financiar o suas necessidades. Hoje, não há problemas nesse sentido", completa Adriana Dupita. O déficit de US$ 10,757 bilhões no primeiro trimestre de 2008 representa 3,2% do PIB, segundo Julio Gomes de Almeida, diretor do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI). Se este resultado se repetir no resto do ano, o País o desempenho negativo será semelhante ao do período de 1995 a 2002, que corresponde à fase de maior vulnerabilidade externa quando o País registrou um déficit médio equivalente 3,3% do PIB. "O governo está fazendo a estratégia da cigarra e não da formiga na área de comércio exterior", afirma Almeida. Segundo ele, há atenuantes suficientes para melhorar o quadro. "Teremos déficit mas conseguiremos honrá-lo com folga", diz. Esse processo de deterioração das contas externas pode ser revertido com a exploração das grandes reservas de petróleo descobertas recentemente. Esta capacidade de financiar o déficit pode se manter até 2009, mas as reservas cambiais não são infinitas e há o risco de retorno de um quadro de vulnerabilidade. "Os preços internacionais que durante muito tempo só beneficiavam o Brasil agora estão se voltando contra nós", comenta. As empresas, com o real valorizado, adotaram como estratégia aumentar as compras de insumos no exterior para compensar as perdas com as exportações. Os preços das commodities dispararam no mercado externo e encareceram as importações. O déficit em conta corrente de março tem duas vertentes, na avaliação d o economista Roberto Giannetti da Fonseca. Por um lado, "ele surpreende porque atinge uma magnitude que pode significar uma mudança de tendência", afirma. Trata-se de "um sinal amarelo" na opinião de Fonseca, que é diretor da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Outro aspecto, positivo, é que pode sinalizar uma mudança no comportamento do câmbio. As empresas fecharam seus balanços, declaram imposto de renda e estão pagando dividendos diz Fonseca. Essas remessas para o exterior pode valorização do dólar o que pode melhorar a competitividade das exportações. (Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 5)(e Reuters)