Título: Perspectiva crítica da questão monetária
Autor: Mori, Rogério
Fonte: Gazeta Mercantil, 30/04/2008, Opinião, p. A3

30 de Abril de 2008 - A decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) de elevar em meio ponto percentual a meta da taxa básica de juros (Selic) gerou repercussões em vários níveis no contexto econômico nacional. As preocupações do BC, nesse sentido, remontam à perspectiva de um ambiente inflacionário corrente e prospectivo não tão favorável quanto a alguns meses atrás em um contexto de aquecimento econômico. Sob essa perspectiva, a aceleração recente da inflação medida pelo IPCA aponta para a possibilidade concreta de um resultado superior à meta em 2008 em um quadro em que o crescimento do produto para este ano sinaliza para um patamar superior a 4%. Dentro desse cenário, a perspectiva de uma alta da taxa de juros no primeiro semestre de 2008 era relativamente dada desde fins do ano passado, a partir dos sinais emitidos pelo próprio BC. Ainda assim, o Copom realizou um aperto relativamente superior ao esperado por boa parte dos analistas, que indicavam que o Comitê iria elevar a meta da Selic em 0,25 ponto percentual. Esse movimento por parte da autoridade monetária, ao que tudo indica, sugere que o aperto monetário pode ser mais forte do que o suposto inicialmente e a taxa de juros pode atingir níveis mais elevados. Claramente, esse quadro pode se tornar uma realidade concreta se o BC, de fato, mira em uma desaceleração mais acentuada da atividade econômica. Esse movimento, sob essa ótica, teria que ser suficientemente forte para conter o impulso da expansão do crédito privado e seus efeitos sobre o ritmo da economia brasileira. A lógica do Copom no que tange à decisão recente tem sido amplamente debatida e vários argumentos têm sido apresentados, contrapondo essa decisão e apresentando críticas à decisão do BC. Possivelmente, o argumento mais palpável que contraria a lógica dessa decisão remete ao fato de que a origem da alta da inflação recente não representa um fenômeno passível de ser combatido com taxas de juros altas. Nesse contexto, o escopo analítico subjacente a esse argumento remete ao fato de que boa parte da elevação da inflação brasileira decorre da alta dos preços dos alimentos. Esse não é um fenômeno isolado da nossa economia, mas é uma realidade imposta aos demais países, uma vez que a alta de preços dos alimentos tem ocorrido em âmbito internacional. Sob essa perspectiva, o efeito inflacionário decorrente da alta desses preços é, em certo sentido, inevitável e tende a se dissipar à medida que o processo de elevação se encerre e os preços se acomodem em um novo patamar. Nesse contexto, a alta de juros se mostra relativamente ineficaz nesse processo e cria dois efeitos potencialmente indesejáveis. De um lado, a elevação da taxa de juros tende a arrefecer (e eventualmente abortar) a retomada dos investimentos produtivos verificada há alguns trimestres, podendo afetar a evolução dinâmica da expansão da oferta da economia brasileira mais adiante, recriando, em alguma medida, uma limitação intrínseca à expansão da demanda agregada sem a geração de desequilíbrios mais acentuados. De outro lado, a alta da Selic tende a ampliar o diferencial entre as taxas de juros praticadas domesticamente e internacionalmente. Tal fenômeno aumenta a atratividade de dólares para o País, podendo aprofundar o movimento de apreciação do real frente à moeda americana e, com isso, diminuir ainda mais a competitividade da produção doméstica. Esses são argumentos sólidos que remontam uma crítica, em certo sentido, consistente contra o aperto monetário. Ainda assim, não se deve desconsiderar o fato de que a inflação brasileira ainda se encontra em patamar relativamente próximo à meta devido à evolução dos preços monitorados (que foram os vilões da inflação em passado recente). Esse representa um dilema concreto no qual a opção do BC mostrou-se conservadora, iniciando um movimento de inversão na política monetária. Dentro dessa lógica, um elemento fundamental que deveria ajudar a nortear o BC seria o comportamento das expectativas de inflação, que poderiam sinalizar alguma "contaminação" em função da alta da inflação corrente. Sob essa perspectiva, a ferramenta geralmente apontada como variável que sinaliza o comportamento das expectativas é o sistema de coleta de projeções do próprio BC junto a consultorias e instituições financeiras. Esse sistema, no entanto, deve ser considerado com algumas reservas, uma vez que é "alimentado" preponderantemente por agentes que fazem projeções de inflação e que não necessariamente estão envolvidos no processo de fixação de preços e salários. Nesse contexto, considerar essas projeções puramente como expectativas pode levar a decisões equivocadas. kicker: Considerar apenas projeções do mercado pode levar a decisões equivocadas (Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 3) ROGÉRIO MORI* - Professor e coordenador de Macroeconomia Aplicada (Cemap) da FGV/EESP. Próximo artigo do autor em 21 de maio)