Título: As relações de trabalho pedem real modernização
Autor:
Fonte: Gazeta Mercantil, 02/05/2008, Editorial, p. A2

2 de Maio de 2008 - cape 1,A reforma trabalhista e sindical passou a receber especial atenção do governo Lula. De fato, é uma iniciativa necessária. Para o Palácio do Planalto, o ponto de partida dessa reforma é o que foi chamado de "desoneração" da folha de pagamento, que não compreende apenas o alívio tributário das empresas, mas exige "contrapartidas" dos empresários, regimes especiais para trabalho temporário, participação efetiva dos trabalhadores nos lucros e maior acesso à contabilidade das companhias. Já para os sindicatos o início da reforma deve ser outro e inclui duas reivindicações específicas: a redução da jornada de trabalho por emenda constitucional e adoção de convenções da Organização Internacional do Trabalho, regulamentando negociação coletiva e proibindo a demissão imotivada. Há, portanto, significativa distância de perspectivas sobre o que pode vir a ser uma reforma trabalhista e sindical. O governo, principalmente no segundo mandato do presidente Lula, preferiu adensar o papel das centrais sindicais, especialmente como representantes credenciadas dos trabalhadores nas discussões dos grandes temas nacionais, o primeiro deles a própria reforma sindical e trabalhista. Observado apenas o aspecto quantitativo, os números das centrais impressionam. As seis grandes centrais sindicais reúnem 3.500 sindicatos. As duas maiores, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a Força Sindical representam, respectivamente, 1.578 e 720 entidades. Porém, oficialmente, há 17 centrais sindicais registradas no Ministério do Trabalho e Emprego. O governo não esconde que o ideal para ele é a existência de apenas duas centrais sindicais, que permitiriam uma maior legitimidade para todo o movimento sindical. O governo, aliás, foi nesse caminho, na própria lei (11.648/08) que reconheceu as centrais, impondo uma autêntica cláusula de barreira definindo que só seriam reconhecidas as centrais que representassem no mínimo 100 sindicatos, distribuídos nas cinco regiões do País, em cinco setores da economia. A cláusula de barreira tem até parâmetros numéricos exigindo que a central só seria registrada se representasse 5% dos empregados sindicalizados até abril de 2.010 e 7% a partir desse ano. É verdade que na nova lei o governo também deu maior poder para os sindicatos decidirem a qual federação ou confederação desejam aderir, alinhando-se ou trocando as centrais, permitindo acompanhar as alternâncias políticas nas lideranças de cada sindicato. O que permaneceu intocado, no entanto, é o imposto sindical, que será repassado direto para as centrais. O aspecto mais sensível nesse repasse é que Lula vetou a fiscalização desses recursos geridos pelas centrais pelo tribunal de Contas da União. Essas questões todas, porém, mascaram o ponto central de uma possível reforma trabalhista: a verdadeira modernização das relações do trabalho no Brasil. A forma como está encaminhada essa reforma não sugere essa modernização. Aliás, um bom resumo do conjunto de problemas que não foi atacado nas propostas até agora apresentadas foi feito pelo ex-presidente tanto do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo como da Força Sindical, Luiz Antonio de Medeiros Neto, atual secretário de Relações de Trabalho no Ministério que se autodenomina "diretor do cartório do sindicalismo". Modernizar as relações de trabalho no Brasil implica conter o poder desse "cartório", reconhecendo que quanto menor for o número de obstáculos para oferecer trabalho no País, maior será a oferta de emprego. Alguns observadores já apontaram que concentrar em torno das centrais sindicais o espírito da reforma seria inibi-la irremediavelmente, mesmo com os novos limites estabelecidos pela lei. Um professor universitário especializado em relações do trabalho notou que com o crescimento das centrais sindicais elas se incorporaram ao sistema. Um bom exemplo dessa incorporação está no próprio financiamento das centrais. Vale lembrar que os recursos dos sindicatos correspondiam a 30% da receita das centrais, enquanto 70% se referiam às taxas de negociação. Na verdade, as centrais recebiam o que o professor chamou de uma "taxa política" dos sindicatos, que em momentos de crise ou de desentendimento político podia não ser paga. A decisão do governo, destinando 10% do imposto sindical para as centrais, anula essa possibilidade e altera profundamente o quadro de mútua dependência de centrais com os sindicatos. Dessa forma escorar as reformas nas centrais será de certa forma manter o "cartório" como interlocutor privilegiado. Uma reforma desse tipo não atualizará o conceito de emprego no Brasil e muito menos impedirá a decisão do investidor, nacional ou internacional, de gerar empregos nos lugares mais favoráveis, seja no Leste Europeu ou no Sudoeste da Ásia, para citar dois exemplos. De fato, não adianta pensar uma reforma trabalhista olhando apenas para dentro do País. A realidade do trabalho mudou e os sindicatos precisam se convencer disso. (Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 2)