Título: Com salários pagos, greve dos auditores continua
Autor:
Fonte: Gazeta Mercantil, 07/05/2008, Editorias, p. A2

7 de Maio de 2008 - O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, depois de mais de 50 dias de greve dos auditores fiscais da Receita Federal, garantiu que as negociações com a categoria estavam encerradas. O tom enfático do ministro foi acompanhado de duras declarações de que já foi feita a proposta de reajuste e que não há a "menor possibilidade de melhorar mais nada". É curioso, mas as lideranças grevistas não só não se abalaram com as declarações do ministro do Planejamento, como confirmaram que o aumento foi de fato concedido, como disse Bernardo, mas "a greve continua por tempo indeterminado", porque, como assegurou o secretário-geral do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco), a concessão e a oferta do governo "não atendem a 100% do pleito dos auditores fiscais". A valentia do Unafisco tem custo bem alto e será pago pelos trabalhadores brasileiros, do setor privado, obviamente. Depois dos 38 dias de greve dessa mesma categoria em 2006, as entidades empresariais dos setores mais prejudicados pelo movimento, calcularam que o custo diário do fechamento de portos, aeroportos e fronteiras fora de R$ 120 milhões diários. Portanto, sem computar a inflação no período, mantido o mesmo cálculo, a greve deste ano dos auditores já provocou um prejuízo de R$ 6 bilhões ao País. Por outro lado, não é difícil entender o motivo de toda essa valentia desses servidores públicos: como fez questão, anteontem, de anunciar o próprio Unafisco, o governo não efetuou o corte de ponto dos grevistas, como fora anunciado, com toda a gravidade exigida, pelo mesmo ministro Paulo Bernardo, na semana passada. Depois da exibição dos contracheques, restou ao ministro do Planejamento apenas comunicar novamente para a imprensa que o governo não pretende ceder "ainda mais" nas longas negociações com os grevistas. É verdade que o Executivo não está sozinho no tratamento leniente com os grevistas. Não foram poucos os desencontros entre decisões do Poder Judiciário sobre a autorização para o corte de ponto dos grevistas. Apesar da decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal (STF) de que a lei de greve vigente para o setor privado também regula o servidor público, quando a paralisação dos auditores alcançou duas semanas o governo ameaçou cortar o ponto e decisão do Superior Tribunal de Justiça a impediu. Quando finalmente a decisão do STF foi respeitada, com a Justiça autorizando o desconto dos dias não trabalhados a partir de 8 de abril, o resultado foi que o salário do mês acabou sendo pago integralmente. Em uma atitude até gentil, o Unafisco aguardou o depósito dos salários e mais uma frase enfática do representante do governo nas negociações, para exibir os contracheques com todos os dias do mês pagos. Os resultados de toda essa fragilidade e desencontro do poder público são dramáticos. A Associação Brasileira de Transportadores Internacionais estima em 1,8 mil o número de caminhões parados só nas fronteiras do Mercosul. Apenas em Uruguaiana, maior porto seco da América Latina, cerca de 300 caminhões esperam a boa vontade dos auditores para cruzar a fronteira com a Argentina. Em média, cada caminhão perde entre 20 e 25 dias para cruzar a fronteira. De acordo com os números oferecidos pela Unafisco, há de 60 a 70 mil contêineres parados no porto de Santos. A operação-padrão imposta pelos auditores no aeroporto internacional de Cumbica gerou um caos na liberação de cargas. Resultado: há dez dias a Associação Brasileira da Indústria Eletro-eletrônica estimava em R$ 500 milhões o prejuízo com as perdas dos insumos importados parados nos portos e aeroportos. Sem esquecer que os contratos de entrega de produção não cumpridos geram multas e perda de mercado, especialmente externo. O mais grave em toda essa questão é que os reajustes salariais exigidos pelos grevistas foram concedidos pelo governo. Há três semanas o Ministério do Planejamento concedeu reajuste de 40% no piso e de 38,1% no teto do salário da categoria, que reivindicava equiparação salarial com os delegados da Polícia Federal. Com a conquista, o piso dos auditores passou a R$ 14 mil e o teto alcançou R$ 19,2 mil, exatamente os percentuais exigidos de reajuste no primeiro dia de greve. As concessões não foram suficientes para acalmar os grevistas. Na entrevista de ontem à TV Cultura, o presidente Lula lembrou a decisão do STF e a resumiu: "Não trabalhou, não ganhou", repetindo mais uma vez sua opinião de que greve com salários pagos nada mais é do que férias. Os auditores não temem nem essa decisão judicial nem as palavras do presidente, e prevêem que ambas serão desobedecidas, como provam os contracheques de abril dos auditores. Aliás, vale lembrar sempre que cumprir decisão judicial é obrigação de todos. Inclusive de quem faz os pagamentos de funcionários públicos em greve. (Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 2)