Título: Reformas estruturantes estão engavetadas
Autor: Bruno, Raphael
Fonte: Gazeta Mercantil, 12/05/2008, Política, p. A11

Brasília, 12 de Maio de 2008 - Quase um ano e meio após tomar posse em seu segundo mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda não conseguiu aprovar nenhuma das chamadas "reformas estruturais". Em meio a intensa agenda de viagens de inauguração de obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e denúncias envolvendo a utilização indevida de cartões corporativos - que envolveu a montagem de um suposto dossiê contra o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso -, iniciativas como as reformas política, previdenciária e trabalhista ou foram enterradas pelo Congresso ou permanecem adormecidas nas gavetas ministeriais. Até mesmo a reforma tributária, que hoje é discutida em comissão especial da Câmara, corre o risco de ser engolida pelo recesso de meio de ano e pelo calendário eleitoral do segundo semestre. Em maio de 2007, Lula chegou a comentar, em reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, órgão vinculado ao gabinete da Presidência da República que a não realização das reformas poderia deixar o seu projeto de governo "defeituoso". Um ano depois, nenhuma reforma foi aprovada. Por enquanto, a única levada para votação dos parlamentares em plenário foi a reforma política, em junho de 2007. A longa odisséia das disputas em torno de mudanças no sistema eleitoral brasileiro teria seu desfecho naquele mês, com a derrota, por 252 votos contrários a 181 favoráveis, da proposta que estabelecia o voto em lista partidária fechada. As tentativas de viabilizar a reforma política no governo Lula remontam ainda à fase final do primeiro mandato. Na ocasião, deputados do PP, PL e PTB barraram a realização da reforma com a ameaça de deixar a base de apoio. O governo recuou por um período, mas as discussões em torno da reforma política voltariam a ganhar força com as denúncias do mensalão, em 2005. Daquele momento até as eleições de 2006, a defesa da reforma política seria incorporada nos discursos de campanha de Lula e outros integrantes do PT como a solução para as mazelas do sistema político, que do jeito que estava de alguma forma "induziria" a práticas como o caixa-dois. "Nos períodos de escândalo, o governo sempre usou a reforma política como pará-quedas", denuncia o deputado federal Ronaldo Caiado (DEM-GO), relator do projeto de reforma política derrotado na Câmara. O presidente do PT, deputado Ricardo Berzoini, admite a irritação de alguns petistas com o Planalto durante as negociações em torno da reforma. "Houve, naquela época, certa frustração em relação ao envolvimento do governo. Faltou engajamento do Palácio, e foi explícito. Mas não concordo que tenha sido por falta de interesse do governo em aprovar a reforma", pondera o petista. Berzoini revela que o PT planeja tentar colocar novamente o tema no centro da agenda nacional durante as eleições municipais de outubro próximo. Previdência e Trabalhista Outra proposta de reforma que o governo parece ter engavetado, ao menos por enquanto, é a da Previdência Social. O Palácio do Planalto aguarda a chegada de um momento político mais propício para decidir se envia ou não o projeto ao Congresso. A intenção do governo em promover novas alterações na Previdência ficou clara ainda na primeira reforma ministerial do segundo mandato. Na ocasião, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva surpreendeu ao anunciar como novo ministro da Previdência o fiel escudeiro Luiz Marinho, ao invés do presidente do PDT, Carlos Lupi, mais cotado para assumir o cargo. O pedetista acabou ficando com o Ministério do Trabalho e Emprego. Ao explicar as razões para a mudança, Lula revelou que o governo visava uma nova reforma. "Conheço o pensamento do PDT. Era muito complicado colocar companheiro para fazer política na Previdência sabendo que para seu partido essa é uma coisa de fé. Ele teria dificuldade em alguns temas que vamos ter que discutir para as futuras gerações", comentou o presidente Lula ao anunciar o novo quadro de ministros. Ao longo de 2007, o Ministério da Previdência Social promoveu o Fórum Nacional da Previdência Social criado justamente para estudar a situação da Previdência e apresentar propostas de solução para alguns de seus problemas. Após oito meses de reuniões do Fórum, empregadores e trabalhadores não chegaram a consensos nos pontos mais polêmicos. Em entrevista após o encerramento do Fórum, o ministro Marinho confirmou a intenção de ampliar a idade mínima necessária para concessão de aposentadorias e indicou que o envio da proposta para o Congresso dependia de avaliação política da Casa Civil e da articulação política do governo. No final de abril, Mangabeira Unger, ministro extraordinário de Assuntos Estratégicos resolveu desenterrar outra reforma: a trabalhista. Unger divulgou o embrião do que, segundo ele, deve ser o projeto de reforma trabalhista do governo. O documento, chamado de "Diretrizes a respeito da reconstrução das relações entre o trabalho e o capital no Brasil", traça objetivos ousados, como a redução do mercado informal e o aumento da participação dos rendimentos do trabalho na renda nacional, além de prever medidas não menos heterodoxas, como a total desoneração da folha de pagamento para as empresas. TributáriaA reforma tributária, por sua vez, parece ter a boa vontade da base governista na Câmara. O deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), presidente da Câmara, garante que a vontade é votar a reforma no máximo no segundo semestre. Na sexta-feira, o presidente do Senado, Garibaldi Alves (PMDB-RN), afirmou que não condiz com o papel do Congresso não haver certeza de quando as proposições legislativas se tornarão leis. Ao discursar na abertura do seminário sobre Reforma Tributária, realizado pela Comunidade Virtual do Poder Legislativo (Interlegis), pelo Banco Mundial e pela Consultoria Legislativa do Senado, ele considerou inquietante, por exemplo, não saber-se quando serão votadas mudanças no sistema tributário brasileiro. "Na verdade, estamos com a reforma tributária no forno. Ela está na Câmara, sendo discutida há vários dias. E esperamos que possa ser votada logo no Senado, mas a pergunta é: quando? Numa hora como esta, acho que essa é uma pergunta que não deveria ser feita, visto já ter o Congresso dado à sociedade brasileira provas de que temas como esse são de absoluta prioridade", justificou. Ao defender a implementação de uma reforma tributária no País, o diretor do Banco Mundial para o Brasil, John Briscoe, afirmou que "esse é um processo muito mais político do que técnico, que precisa de liderança política para ser implementado". Briscoe, que participou do seminário também destacou que há sérias distorções no sistema tributário brasileiro, mencionando como exemplos a guerra fiscal entre os estados e o peso da carga tributária em relação ao Produto Interno Bruto (PIB). "Essa carga, que é de quase 40% do PIB, é muito alta", declarou ele. (Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 11)(Raphael Bruno)