Título: A inovação científica e a inserção internacional
Autor: Mendes, Ricardo Camargo
Fonte: Gazeta Mercantil, 26/05/2008, Opinião, p. A3

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26 de Maio de 2008 - Um consenso bastante raro no jogo político e social do Brasil vem-se consolidando nos últimos anos em torno da centralidade do tema inovação. Esse consenso, por sua vez, vem possibilitando a criação de incentivos à inovação, tanto no governo Fernando Henrique Cardoso como no de Luiz Inácio Lula da Silva. Um passo importante foi dado em 1996, quando a Lei n 9.279 foi aprovada, criando uma legislação bastante avançada para a proteção da propriedade intelectual. Mais recentemente, o governo Lula deu outro passo importante para fortalecer o ambiente de inovação ao estabelecer uma série de medidas para inovação no âmbito da Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE) e da Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP). Partindo de uma base surpreendentemente avançada no que tange à produção científica, a atividade de inovação tem mostrado enorme potencial no País. O Brasil já dispõe de um volume razoável de empresas e centros de pesquisa focados em inovação tanto pública como privadas, tais como Petrobras, Natura, Embraer, Instituto Butantan, Fiocruz, só para citar algumas.Universidades como a USP, Unicamp, UFMG, entre outras, também estão investindo em pesquisa e parcerias com a indústria por meio de agências especializadas em patentes e transferência de tecnologia. Dentro desse contexto, merece destaque a abordagem que o governo vem dando à formulação e implementação de políticas de inovação. Assim como acontece em outros países, reconhece-se que as empresas desempenham um papel importante no processo inovativo, seja desenvolvendo pesquisas próprias ou fazendo parcerias com universidades e centros de pesquisa. A proteção da propriedade intelectual desempenha assim um papel-chave nesse processo. Além de delegar um papel estratégico para as empresas, sejam elas privadas ou públicas, de capital doméstico ou internacional, as políticas públicas para o tema buscam também inserir o Brasil em cadeias globais de inovação. Tendo-se em conta os elevados custos para a promoção de inovação, sobretudo relacionados à pesquisa e desenvolvimento, a escala do mercado nacional dificilmente possibilita retornos financeiros interessantes para os investidores. Por essa razão, não é possível promover inovação descolada de uma estratégia de inserção internacional. Apesar do reconhecimento por parte do governo da importância da proteção da propriedade intelectual e da inserção internacional para a promoção da inovação, nota-se certa dicotomia entre as políticas de fomento adotadas domesticamente e a estratégia internacional do País. Dois fatos recentes ilustram esse conflito entre agenda doméstica e internacional no tema inovação. Na mesma semana em que foi noticiado o interesse do BNDES em criar uma "superempresa" brasileira de medicamentos, foi noticiada a pressão que o Brasil vem exercendo no âmbito da Organização Mundial da Saúde (OMS) para que a entidade possa tratar diretamente de propriedade intelectual e dar assistência aos países que queiram quebrar patentes. Chama a atenção nessas duas notícias o fato de que o objetivo do BNDES é justamente criar uma empresa que tenha porte para investir pesadamente em inovação e que tenha uma sólida penetração em mercados internacionais, seja por meio de exportações ou de investimentos no exterior. A mobilização da política externa do Brasil contra os regimes internacionais de propriedade intelectual não é restrita à OMS. Também no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC), da Organização Mundial de Propriedade Intelectual e na convenção sobre biodiversidade o País lidera discussões para promover a flexibilização das regras de propriedade intelectual estabelecidas pelo Acordo TRIPS. A postura do Brasil também é refletida em ações como a ameaça de retaliação cruzada na área de propriedade intelectual no Mecanismo de Solução de Controvérsias da OMC, ou mesmo nas negociações de acordos comerciais em que o País está engajado. É natural que a proteção aos direitos de propriedade intelectual, assim como outros temas, que até alguns anos atrás não faziam parte da agenda doméstica do País, fosse utilizada de forma autônoma em foros internacionais, sobretudo com o objetivo de se formarem alianças com outros países. Na medida em que passa a existir no País um consenso político e social em torno da inovação, é hora de essa estratégia ser revista. Essa nova condição no plano doméstico deve redefinir os interesses e estratégias internacionais para o tema. kicker: A política externa do Brasil é básica para formação de alianças com outros países (Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 3) Ricardo Camargo Mendes* - Diretor-adjunto da Consultoria Prospectiva)