Título: A prosperidade econômica acabou
Autor: Almeida, Rodrigo de
Fonte: Gazeta Mercantil, 26/05/2008, Nacional, p. A6

Rio, 26 de Maio de 2008 - Há menos de dois anos, quando ganhou o Prêmio Nobel de Economia, o professor Edmund Phelps não arriscava fazer análises mais profundas sobre a economia brasileira. Passara um trimestre aqui, em 1993, quando esteve na Fundação Getúlio Vargas (FGV) , mas ia pouco além de palpites sobre os rumos do País. De lá para cá, veio mais vezes, deu palestras e hoje está bem informado. Phelps desembarca no Rio de Janeiro, a convite do ex-ministro João Paulo dos Reis Velloso: o economista fala hoje na abertura da 20ª edição do Fórum Nacional, discutindo, com a seleta platéia que freqüenta os encontros organizados por Velloso, os países latino-americanos, em geral, e o Brasil, em particular. Falará, especialmente, sobre as trilhas pavimentadas para o desenvolvimento. "O Brasil está mais aberto à competição e ao capital estrangeiro que muitos outros países da América Latina", reconhece à Gazeta Mercantil, comentando os sucessivos elogios recebidos pelo País mundo afora. Vislumbra para o Brasil uma vistosa luz em formação no horizonte. Uma recessão nos EUA, sublinha, pode forçar a queda dos juros internacionais, atraindo investimentos para o Brasil. Isso, claro, se houver recessão por lá - ele é do time que acha cedo falar em declínio da economia americana. Se tem dúvidas sobre a hora e a intensidade da crise, sobra-lhe convicção ao dizer que, por ora, convém esquecer qualquer idéia de retorno à "extraordinária prosperidade" que alimentou corações, mentes e economias nos últimos dez anos. A bonança acabou. Palavra de Nobel. Gazeta Mercantil - Um mês atrás, numa entrevista à revista Veja, o senhor disse que a recessão americana ainda não tinha mostrado a cara. O senhor afirmou inclusive que é cedo para dizer se os Estados Unidos estão em recessão. Mas também lembrou que é inegável que essa crença tem se tornado generalizada, especialmente por causa do desemprego. O senhor ainda pensa nesses termos? - Obviamente ainda é muito cedo para dizer que esse declínio se qualifica como uma recessão em termos clássicos - dois trimestres consecutivos de crescimento negativo. É o tempo que uma recessão típica promove. Mesmo o crescimento do emprego tem sido positivo até muito recentemente. Gazeta Mercantil - Segundo o professor Joseph Stiglitz, outro Prêmio Nobel e também seu colega na Columbia, a economia americana está entrando num dos piores declínios desde a Grande Depressão. Muitos concordam com ele. É um exagero? É verdade que o atual declínio financeiro é o pior desde o colapso da poupança e empréstimos americanos do fim dos anos 1980. A crise daquela década e a crise atual são os eventos mais sérios desde a falência dos bancos nos anos 1930. Mas realmente não acho correto dizer, como o meu amigo Stiglitz disse, que a crise atual seja a mais grave desde a Grande Depressão. Nos anos 1970, o desemprego foi de 4% para mais de 10%. Nessa crise atual, a taxa subiu de 4,3% para 5,1%. É verdade, porém, que o desemprego deve estar muito mais alto agora - talvez 5,5% - caso muitos trabalhadores sem emprego não tenham ficado desestimulados ou cansados de procurar emprego e, portanto, tenham deixado o mercado de trabalho. Gazeta Mercantil - Se a recessão ainda não veio, ela terá menos intensidade do que a maioria dos analistas imagina? Não sabemos oquão profunda essa crise será. O aumento da exportação, demandado principalmente pelo Leste Asiático e partes da Europa, está ajudando a amortecer a queda. Mas já está claro que o setor financeiro e a indústria de construção vão demitir funcionários e haverá outra contração quando as empresas americanas, vendo que a fraqueza do dólar lhes garantiu uma blindagem maior contra concorrentes estrangeiros, decidirem aproveitar essa situação, aumentando os seus preços. O ponto principal a destacar aqui, na minha opinião, é que não há perspectiva de um retorno à extraordinária prosperidade que vigorou na maior parte do tempo entre 1997 e 2007. Gazeta Mercantil - Para alguns analistas a resposta da administração do presidente George Bush foi lenta, tardia e mal desenhada. O senhor concorda? Eu fiquei um pouco surpreso com o fato de o Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA) baixar as taxas de juros de curto prazo por tanto tempo e então, quando o banco mudou o curso, ao elevar rapidamente para mais de 5%. Talvez os especuladores, ao comprar novos imóveis, teriam sido mais cautelosos e, conseqüentemente, não ficariam sobrecarregados se o Fed tivesse dado algum sinal prévio de que aumentaria os juros, possivelmente para 5%. Gazeta Mercantil - Com a ordem econômica mundial em transformação e os países emergentes ganhando espaço, podemos dizer que hoje os Estados Unidos já não fazem tanta diferença quanto antes? Para os negócios, sim. Os Estados Unidos respondem atualmente por uma fatia menor da riqueza mundial. Mas no que diz respeito à inovação, o mundo ainda é muito, muito dependente da economia americana. Essa tese vale tanto para dar origem a mais inovações quanto para servir como terreno de teste para algumas inovações originadas no exterior. Gazeta Mercantil - O senhor já disse uma vez que o Brasil pode ganhar com a crise, especialmente com repercussão positiva na produção de riqueza e no mercado de trabalho. Mas há um perigo de inflação internacional de alimentos. Como isso pode afetar o Brasil? Eu estava me referindo ao benefício para o Brasil de um recuo das taxas de juros, que é bom para o mercado brasileiro de ações e uma gama de atividades de investimento. Dessa forma, isso pode ter efeitos positivos para o crescimento e o emprego. Uma situação como a atual gera duas conseqüências. A primeira é que as exportações vão sofrer. O outro ponto é que, se a economia americana entrar em recessão, a demanda por investimento nos Estados Unidos vai se enfraquecer. Isso tenderá a derrubar as taxas de juro pelo mundo afora. Desse movimento resultará um efeito positivo no nível de investimento no Brasil. Gazeta Mercantil - Para o senhor., inflações crônicas, que assombraram um grande número de países até pelo menos a década de 1980 e que atormentaram o Brasil até meados dos anos 1990, são um problema do passado. A inflação à vista é circunstancial, portanto. Não se pode evitar a inflação de commodities no mundo inteiro, mas é possível se esforçar para prevenir que ela não se transforme em inflação de salários. Gazeta Mercantil - Como? Recusando-se a despejar dinheiro fácil na economia. Gazeta Mercantil - Há uma onda generalizada de análises positivas na imprensa sobre o Brasil: Financial Times, The Economist, The Guardian e El País são alguns dos grandes jornais e revistas do mundo que têm elogiado bastante o País. O senhor tem observado? Concorda com tais análises? Eu tenho percebido que, nos últimos anos, o Brasil está mais aberto à competição e ao capital estrangeiro que muitos outros países da América Latina. Isso é positivo e torna naturais esses elogios. Gazeta Mercantil - Num dos seus artigos, o senhor argumenta que não existe prova de que a redução de impostos sobre a folha de pagamento ajude a aumentar o emprego. Essa é uma idéia quase consensual no Brasil. O que o senhor pode dizer aos brasileiros sobre isso? A falácia da tese de que a culpa para o baixo índice de emprego europeu é dos altos tributos sobre a folha de pagamento é que esse discurso não leva em conta que a redução dos salários líquidos trazida pelo aumento de impostos na folha de pagamento faz as famílias consumirem menos e a economizarem menos. Ao longo dos anos, a renda de uma família vai continuar caindo até atingir a mesma proporção baixa dos salários líquidos que tinha antes do aumento do imposto. Quando esse momento chegar, as famílias terão tanto incentivo para pertencerem à força de trabalho e serem bons empregados quanto tinham antes. Não se pode argumentar que o emprego na Europa vai mal por causa dos impostos. Pode-se dizer que todos os benefícios criados pelo Estado de Bem-Estar formam uma criação artificial de riqueza social, que torna a vida mais confortável, mas que também tem efeitos prejudiciais ao emprego. Gazeta Mercantil - O senhor é a favor de subsídios públicos para complementar a renda de trabalhadores com salários muito baixos. Conhece o Bolsa Família, o maior programa do governo brasileiro, que dá subsídios para famílias pobres manterem suas crianças na escola? Claro. E acho que os criadores desse programa devem ser parabenizados por suas boas intenções. Concordo que educação é muito importante para o desenvolvimento econômico. É impossível superestimar a importância da educação. Só com ela é possível introduzir novas tecnologias, novos produtos e novos meios de produção. Mas acredito também que é necessário juntar esses subsídios, que são dispendiosos, com fontes de outra natureza - isto é, subsídios às corporações para o emprego de trabalhadores de baixos salários. Isso serviria para integrar desempregados e marginalizados do mercado de trabalho. Ainda aumentaria o poder de compra dos trabalhadores pobres. As famílias terão incentivos para trabalharem bem como para manterem seus filhos na escola. (Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 6)()