Título: Safra recorde não garante lucro às usinas
Autor: Costa, Edson Álvares da
Fonte: Gazeta Mercantil, 26/05/2008, Agronegocio, p. C8

Ribeirão Preto (SP), 26 de Maio de 2008 - Com a safra recorde que o País terá neste ano, de mais de 500 milhões de toneladas de cana-de-açúcar, e os baixos preços do açúcar e do álcool, a principal preocupação do setor sucroalcooleiro é a rentabilidade. "Por outro lado, há condições de exportarmos mais álcool neste ano, por conta do mercado americano, que está bastante demandante, e de o mercado internacional de açúcar se recuperar. Tem também uma frota flex vindo aí que é importante, de quase 3 milhões de carros", diz Marcos Jank, presidente da União da Indústria de Cana-de-açúcar (Unica). Jank acha prematuro um prognóstico de rentabilidade do setor. Mas não esconde a preocupação com o câmbio, "que poderá afetar tanto a exportação de açúcar quanto o mercado maior de álcool que a gente está tentando abrir lá fora." Em entrevista à Gazeta Mercantil, Marcos Yank comentou sobre a falta de política pública para viabilizar a eletricidade do bagaço da cana, sobre campanhas que a Unica para combater os ataques ao álcool de cana, sobre o álcool de celulose e sobre a logística do setor. "No momento, nós não queremos o alcoolduto sob controle da Petrobras. Achamos que ter a Petrobras definindo preços e outras condições de transporte não é bom para o setor. Nosso grande objetivo, no entanto, é reduzir os custos de transporte", afirmou. "Temos estudos muito sólidos sobre o assunto, que custaram muito caro, e não estamos brincando de alcoolduto." Gazeta Mercantil - Quais as principais preocupações do setor? Acho que a principal preocupação do setor é a rentabilidade, porque, apesar da grande expansão que estamos vivendo, a situação é de preços baixos, tanto para o álcool quanto para o açúcar. Essa questão é fundamental e passa por uma inúmeras ações de política privada e pública. Do governo esperamos que saia um programa de bioeletricidade, um assunto que o setor pode ajudar o País, pois se trata da energia do bagaço da cana-de-açúcar, uma fonte disponível, limpa e renovável de energia. Gazeta Mercantil - O que falta para o País deslanchar nesta área, já que a tecnologia e a cogeração com bagaço da cana são antigas? Falta regulação para resolver questões como transporte de energia, conexão, precificação, etc. Em São Paulo, onde mais se produz cana e bagaço, a tendência é que não surjam muitos projetos de cogeração. Essa energia será gerada em novas usinas, de outros Estados. Gazeta Mercantil - Por quê? Porque em São Paulo as usinas são muito velhas. A cana está em São Paulo mas boa parte das usinas daqui não está capacitada à cogeração eficiente. É preciso colocar muito dinheiro para reformar a área de cogeração de usinas que têm mais de 60 anos. E os investimentos não sairão se não houver regras claras. As novas unidades, que estão sendo feitas basicamente no Centro-Oeste e Minas Gerais, já entram em operação com caldeiras de alta pressão. A eletricidade do bagaço será mais barata no Centro-Oeste do que em São Paulo. Como o déficit de energia em São Paulo é grande, é preciso de políticas públicas para que essa eletricidade surja agora. Se você quiser resolver eventual gargalo de eletricidade em 2009, 2010 e 2011, já passamos do momento para fazer isso acontecer. Esse leilão (de energia da biomassa) precisa acontecer logo. Gazeta Mercantil - E quanto a um dos papéis da Unica, de transformar o álcool em commodity? Nossa exportação de álcool não chega a 15% das vendas internas (4 bilhões, de um total de 24 bilhões de litros). A gente quer que aconteça com o álcool o mesmo que aconteceu com o açúcar no passado. Mas esse mercado não existe ainda. Os últimos meses têm sido muito difíceis. Há um tiroteio contra o álcool, por causa de aumento das commodities agrícolas. Isto não tem a ver. O Brasil já provou que é possível produzir alimentos e energia de forma eficiente. Mas, abrir o mercado mundial de álcool é um problema concreto. Gazeta Mercantil - E quanto às ações privadas do setor? Temos um grande desafio de comunicação. O setor é tímido nessa área. Precisa falar mais com a sociedade, aqui e lá fora. Temos que divulgar o que é o álcool de cana. Hoje, acho que as pessoas nem sabem que etanol é álcool. E tem, ainda, todo o tema da sustentabilidade sócio-ambiental, que envolve o fim da queima de cana, em mais quatro a cinco anos, o que implica em programas de requalificação profissional, etc. Gazeta Mercantil - A Única investe em campanhas de esclarecimento sobre o setor? A campanha mais importante é a de construção da imagem do álcool no exterior, na qual estamos investindo R$ 8 milhões por ano a partir deste ano. Envolve desde a manutenção dos três escritórios da Unica no Exterior (EUA, Europa e Ásia) a programas de promoção com a Apex (Agência Brasileira de Promoção de Exportações). Isso envolve visita de jornalistas estrangeiros ao Brasil, organização de seminários na Europa, participação em feiras, material promocional, publicidade em jornais e revistas. Mas o álcool é diferente da soja, cuja promoção é o tradicional "comprem meu produto". No álcool, o mercado ainda precisa a ser criado. As pessoas não sabem o que é o álcool brasileiro. O pouco que é exportado é misturado na gasolina, nos poucos países que compram, como Estados Unidos. Recentemente, a Flórida aprovou a mistura de 10% de álcool na gasolina. É uma grande conquista, porque a Flórida consome mais gasolina do que o Brasil inteiro. E, na Flórida, o álcool brasileiro é mais competitivo do que o etanol de milho produzido no meio-oeste americano, apesar das tarifas. Até podemos exportar mais álcool para os Estados Unidos neste ano, devido aos altos preços do petróleo e do milho. Mas no ano que vem pode ser diferente. Estamos sempre andando em cima de uma corda bamba. Gazeta Mercantil - Quais as expectativas para o setor nesta safra? Estamos em ano de preços baixos e existe a crise de rentabilidade no setor. Mas acho que há condições de exportarmos mais álcool. O mercado americano está bastante demandante. E tem também uma frota flex de quase 3 milhões de carros. O mercado internacional de açúcar pode se recuperar também. Enfim, há fatores bons e ruins. Do lado complicador, tem uma safra grande vindo aí (mais de 500 milhões de toneladas de cana), um mercado internacional muito volátil e sinal algum de solução para a eletricidade do bagaço. Se, pelo lado bom, o setor pode ter alguma melhoria, pelo lado ruim, há ainda a taxa de câmbio. O Brasil ter virado "investment grade" significa entrada de dólar em grande volume, o que pode apreciar ainda mais o câmbio. Ou seja, se o açúcar melhora de preço lá fora, não necessariamente o preço em reais sobe, porque a alta pode ser anulada por uma valorização cambial. Então, eu acho que é muito difícil fazer qualquer prognóstico de como vai ser esta safra em termos de rentabilidade, porque tem variáveis jogando por todos os lados. Têm coisas muito boas acontecendo e tem também coisas ruins. Gazeta Mercantil - O setor já conviveu com preços mais baixos do que os atuais. Além disso, as usinas anunciam ganhos de produtividade, nas últimas décadas, de 2% a 3% ao ano. Isso não resolveria a questão da rentabilidade? Veja bem, o setor já conviveu com preços mais baixos, mas os custos de produção também eram mais baixos. Veja o quanto subiu mão-de-obra, fertilizantes, petróleo. A gasolina não subiu na bomba porque o governo retirou a taxação do combustível. Mas o óleo diesel subiu. E quando sobe o diesel há um impacto em todos os custos da economia. Então, esta safra já abriu com custos maiores e baixa rentabilidade. E não tem sinal claro de mudança de cenário. Eu fico extremamente preocupado com os risco cambial, que poderá afetar tanto a exportação de açúcar quanto o mercado maior de álcool que a gente está tentando abrir lá fora. Então, acho que é muito cedo para se fazer um prognóstico de rentabilidade. Existem fatores estruturais que apontam para aumento de custos e queda da rentabilidade e existe também uma diferença grande de rentabilidade dentro do setor, que é bastante heterogêneo. Gazeta Mercantil - Muitos países estão atrás da tecnologia de produção de etanol celulósico. Isto não preocupa o setor? A curto prazo, se houvesse álcool de celulose, seria complicado, porque não tem mercado para álcool. Se houvesse um aumento violento de produção não acompanhado de um aumento violento de demanda de álcool, isto jogaria os preços para baixo. Por isso que a biomassa da cana, que tem dois terços da energia da cana, será usada para fazer eletricidade, no curto e médio prazos, e não para fazer álcool. Na verdade, hoje existe um mercado de eletricidade da cana a ser criado, que ainda depende de regulação pública, porque energia elétrica é essencialmente controlada pelo Estado. Então, resolvidas as questões de regulamentação da eletri-cidade da cana, o grosso da celulose da cana será usado para fazer eletricidade. Lá na frente, eu diria daqui a dez anos, no mínimo, vai surgir o etanol de celulose, como uma alternativa comercial. Mas isso depende também de ser construído o mercado global de álcool, que é o nosso grande desafio. Não adianta você desenvolver o etanol de celulose se não tiver demanda para isso. Gazeta Mercantil - Empresas privadas e Petrobras anunciam interesse em construir alcooldutos. É viável termos empreendimentos distintos nesta área? Uma parceria entre as usinas e a Petrobras não seria mais econômica? Uma das razões do alcoolduto ainda não ser uma realidade é que ainda não existem as duas pontas perfeitamente claras, a da oferta e a da demanda. Mas existe uma aposta de que daqui a dez anos isso vai acontecer, e o alcoolduto será uma maneira mais eficiente para transportar o álcool. Então, definitivamente, o alcoolduto é um projeto de longo prazo. Acho difícil dois ou três alcoodutos sobreviverem no mesmo traçado. E um dos esforços que faremos na Unica é tentar manter o alcoolduto sob controle dos produtores. Nós não queremos o alcoolduto sob controle da Petrobras, por exemplo. Achamos que ter a Petrobras definindo preços e outras condições de transporte não é bom para o setor. Nosso grande objetivo é reduzir os custos de transporte. Então, nos vamos fazer o possível para que o setor se uma em torno de um projeto para exportar álcool a preços mais baixos. E há várias possibilidades de traçado que estão sendo estudadas. Temos estudos muito sólidos sobre o assunto, que custaram muito caro, e não estamos brincando de alcoolduto. Existe um volume razoável de recursos que foram aplicados com a idéia de saber exatamente os traçados, os custos, os riscos e os retornos. E tudo isto está sendo mantido sob sigilo. Gazeta Mercantil - Então não há qualquer possibilidade de acordo de parceria com a Petrobras em alcoolduto? Nós temos um produto e estamos iniciando a experiência de alcoolduto. A Petrobras tem uma longa experiência de alcoolduto mas não tem o produto. E tanto eles como nós sabendo que esse é um negócio de médio e longo prazos, um processo que envolve um mercado que ainda não está claro. Eu não sei se haverá algum tipo de aproximação com a Petrobras. Sei que, neste momento, estamos discutindo isso dentro do setor. O que virá com outros players, como Petrobras, outras petrolíferas, fundos internacionais, etc., tudo isso ainda está por ser definido. Fala-se muito do alcoolduto da Unica e da Petrobras. Eu posso dizer que tem muita gente interessada neste assunto. E que, definitivamente, o que sairá lá na frente é incerto. Tenho certeza de que, daqui a alguns anos, isto vai estar concretizado. (Gazeta Mercantil/Caderno C - Pág. 8)()