Título: A tensão na região da reserva Raposa/Serra do Sol
Autor: Cova, Carlos J. G.
Fonte: Gazeta Mercantil, 23/05/2008, Opiniao, p. A3
23 de Maio de 2008 - Muita tinta já foi gasta para as mais diversas manifestações acerca do episódio em que o Comandante Militar da Amazônia, o general-de-exército Augusto Heleno Ribeiro Pereira, criticou a política indigenista do governo. De um lado, assistimos à crítica daqueles que consideram ter o general quebrado a hierarquia e a disciplina que jurou preservar, como se a forma com que o militar se manifestou fosse uma ameaça ao Estado de Direito e às instituições nacionais. Outros, contudo, apoiaram as palavras do general, admitindo sim que o alerta lançado se constitui num importante libelo contra o descaso com que os aspectos ligados à soberania nacional têm sido tratados ultimamente pelo governo Lula. Embora a reserva tenha sido demarcada no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, foi o atual governo que assinou o decreto de homologação da reserva em terras contínuas. É interessante realizar uma análise da questão, partindo da história pessoal de seus atores, para que se possa avaliar o grau de legitimidade com que os mesmos podem se posicionar, e aí sim se possa inferir um juízo de valor. Se não, vejamos: De um lado, o general Heleno, oficial general de quatro estrelas, posto máximo da carreira militar. Talvez o público não saiba que alguém para atingir este posto, com idade em torno de 60 anos, dedicou uma vida inteira à carreira militar. Foram mais de quatro décadas de uma existência voltada para o diuturno trabalho nas lides castrenses, em várias regiões do Brasil, pautando-se pelo culto às tradições militares e ao serviço do País. Do outro, o presidente da República e sua entorouge, com sua inegável capacidade de conquistar o voto e a simpatia das camadas populares, com o hábil manejo de um programa basicamente assistencialista. Um presidente que concordou com a expropriação das instalações da Petrobras na Bolívia. Um presidente que apoiou o Fórum de São Paulo (com a presença das Farc). Um presidente que nada sabe e tudo desconhece a respeito de seus auxiliares mais diretos. Um presidente que não manifesta a mesma indignação quando o MST descumpre ordem judicial e invade as instalações da Cia. Vale do Rio Doce. O problema maior é o fato objetivo. A Raposa/Serra do Sol tem 17,5 mil km2 e cerca de 15 mil índios. A região faz fronteira com a explosiva Venezuela "bolivariana" de Chávez, que a qualquer momento pode se investir de defensor das nações indígenas exploradas. A reserva está na Amazônia, que é a região do Brasil onde o Estado está menos presente, aliás, muitas vezes só está presente porque as Forças Armadas lá se encontram. Lá também pode atuar a narcoguerrilha. Lá existem enormes reservas minerais e um vasto potencial de exploração de recursos renováveis. Lá atuam organizações estrangeiras privadas e governamentais, sob a cândida capa de missionários e pesquisadores. A área em questão tem o tamanho da Bélgica e de Portugal juntos. Os índios atualmente não ficam restritos às suas reservas, e muitas vezes as exploram de forma predatória, auferindo lucros que os permitem desfilar de picapes e motos, mas sempre com a inimputabilidade que a Constituição lhes assegura.A tensão na região se agudizou nos últimos dias com episódios de violência e de franca parcialidade do governo federal que assumiu posição favorável aos índios, o que abre um grave precedente jurídico-institucional. No Brasil de hoje, quem se autoproclama herdeiro de terras quilombolas ou indígenas, torna-se imediatamente um cidadão acima da lei, com prerrogativas automáticas para desafiar a ordem pública, usurpar o direito de propriedade, reivindicar reparações financeiras vultosas e ainda assim posar de lídimo patriota. O exemplo dos índios que se instalaram num bairro de classe média alta em Niterói, formando uma aldeia estilizada, é de um oportunismo emblemático. Convém lembrar um conceito de Realpolitik que não deixou de ser válido só porque nossos atuais mandatários pensam (ou será que sequer pensam?) diferente: as nações não têm amigos, têm interesses. Temo que o nosso presidente e seus acólitos não estejam à altura do desafio e da responsabilidade que lhes são exigidos. O futuro dirá se o general Heleno tinha razão no alerta. kicker: Herdeiros de terras indígenas ou quilombolas se colocam acima da lei (Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 3) CARLOS J. G. COVA* - Economista e doutor em engenharia de produção pela Coppe/UFRJ. Professor de finanças públicas da UFF)